2. O PROCESSO DE CRIAÇÃO DA SÉRIE HELLPETS 19
2.2 PRINCIPAIS REFERÊNCIAS PARA O CONCEITO E CRIAÇÃO 35
Os temas principais de Hellpets são: o sobrenatural, mitologias religiosas e a vida cotidiana. Os personagens extraídos dessas mitologias personificam questões como bem e mal, paraíso e inferno, certo e errado. Este é um terreno fértil para criar situações de conflito e reflexões comportamentais, pois no meio de toda esta
dualidade, encontra-se o homem, que é quem sofre com ações e consequências.
Alguns desenhistas e outras obras específicas que tratam do tema do sobrenatural ou da religiosidade foram influências significativas no processo de criação e desenvolvimento da série Hellpets. O trabalho destes cartunistas e a aceitação do público passaram-me a segurança de poder abordar os temas de religiosidade e espiritualidade sem ofender o leitor ou criar situações indelicadas e
constrangedoras.
Henrique de Souza Filho (1944 — 1988), que assinava suas obras como Henfil, lançou em 1972 a revista Fradim pela editora Codecri, retratando diálogos de dois personagens principais, Cumprido e Baixim, dois frades travessos que
questionavam e confrontavam os ensinamentos cristãos.
Para Hellpets, a obra de Henfil foi uma influência marcante no que diz respeito às atitudes dos personagens principais em relação aos humanos e o prazer que esses personagens sentem ao pregar peças e constranger os outros. A forma caricata que Henfil trabalha o comportamento humano foi traduzida para os
personagens demoníacos de Hellpets (Figura 10).
Figura 10: Tirinha retirada da revista ‘Fradim’.
Fonte: https://quadrinhos.wordpress.com4
Uma outra série de quadrinhos, de gênero terror e suspense, do selo Vertigo da editora estadunidense DC Comics, lançada em 1985, Hellblazer, também foi
4 Disponível em https://quadrinhos.wordpress.com/2015/08/10/henfil-maravilha/. Acessado em 07 de janeiro de 2016.
uma fonte inspiradora para a criação de Hellpets. A obra de Alan Moore, Steve Bissette e Totleben John, conta histórias sobre o personagem John Constantine, que luta contra demônios, exorcizando-os, e transita entre o mundo dos vivos e dos mortos utilizando magia. Esta obra influenciou o projeto Hellpets desde o início, a construção do título, a temática demoníaca, o uso sem receios dos nomes mitológicos dos demônios e entidades espirituais de diversas culturas e também na concepção psicológica e física de personagens. A caracterização do personagem Lúcifer em Hellpets foi baseada em seu personagem principal: cabelos loiros, curtos e repicados, queixo quadrado, calças jeans e um trench coat, tal qual o personagem
John Constantine.
Apesar de seu gênero ser terror, as revistas Hellblazer também possuem um toque de humor. Assim como o raciocínio dos protagonistas da revista Fradim (1972), Constantine se importa muito pouco com o destino dos homens, não tem receios em castigá-los caso seja necessário para os fins de seus interesses e
parece se divertir com isso (Figura 11).
Em outra obra do cenário das tiras de quadrinhos nacionais, o humor de Laerte Coutinho foi uma das maiores referências para a criação de Hellpets. Publicado em 2000 pela editora Olho d’Água, a edição “Deus segundo Laerte”, retrata um deus muito simpático, bastante irônico e sarcástico, que explica a criação
do mundo e, por vezes, vive situações cotidiana dos humanos (Figura 12).
Essa proximidade da entidade religiosa com o cotidiano humano foi o ponto de partida do projeto. Ainda que em Hellpets não exista Deus até o momento, em quadrinhos esporádicos há a citação sobre os Heavenpets, fazendo alusão à personagens angelicais, e alguns poucos fizeram breves aparições, como o Cupido
e São Pedro, por exemplo (Figura 13 e Figura 14).
Figura 11: Secção da página da revista ‘Hellblazer Volume 1’, 1985.
Fonte: www.comixology.com.5
Figura 12: Tirinha do livro ‘Deus Segundo Laerte’, 2002.
Fonte: www.louge.obviousmag.org.6
5 Disponível em https://www.comixology.com/John-‐Constantine-‐Hellblazer-‐Vol-‐1-‐Original-‐Sins/digital-‐ comic/50780. Acessado em 07 de janeiro de 2016.
6 Disponível em http://lounge.obviousmag.org/with_a_little_help_from_my_friends/2014/06/o-‐humor-‐ divino-‐de-‐laerte.html. Acessado em 07 de janeiro de 2016.
Figura 13: Narrativa sobre o Cupido.
Fonte: a autora (2013).
Figura 14: Narrativa sobre Futebol.
Fonte a autora (2014).
No ambiente virtual, algumas webcomics (história em quadrinhos na internet) também serviram de referência durante o desenvolvimento do projeto. A internet parecia o ambiente ideal para iniciar a publicação das tiras. Em 2008 o cartunista carioca Carlos Ruas lançou o blog ‘Um Sábado Qualquer’, onde publicava tiras diariamente. Suas histórias, assim como as de Laerte, têm como personagem principal Deus da cultura cristã e falam sobre a criação do mundo e do universo. Com o passar do tempo, Carlos Ruas introduziu deuses de outras culturas, personalidades históricas como Freud e Nietzsche, e até pastores evangélicos, para refletir sobre a real existência de deus e o papel da religião na sociedade
contemporânea.
Após ter seu trabalho reconhecido pelos públicos das redes sociais e leitores de blogs, com mais de dois milhões de seguidores, Carlos Ruas publicou seu primeiro livro pela editora Devir em 2011, que leva o nome do blog. Posteriormente, o sucesso de seus personagens tornou-se tão grande que Carlos Ruas passou a produzí-los e comercializá-los em pelúcia e como estampa de outros produtos, como canecas, cadernos e camisetas, atendendo uma nova tendência de mercado
de consumo.
Possivelmente, Carlos Ruas foi a maior fonte inspiradora para a criação dos Hellpets (2012), sobretudo, sua profunda investigação sobre a mitologia e história dos personagens e a apropriação deste conteúdo para desenvolver críticas e reflexões sobre situações cotidianas. Ele mantém um humor leve, expõe o que considera erros da criação divina, como a guerra e o ódio, e atribui a Deus diversas
características humanas.
O uso da internet como meio de projeção do seu trabalho foi outro fator no qual Hellpets se inspirou. Utilizando um blog como suporte para sua produção e as redes sociais como principal veículo de publicação, Carlos Ruas conseguiu atingir diversos públicos e difundir suas tirinhas de forma independente. De forma semelhante, Hellpets manteve sua existência na rede social de maior significância
atualmente, o Facebook, onde possui cerca de 2.700 seguidores (Figura 15).
Figura 15: Imagem retirada do blog ‘Um Sábado Qualquer’, de Carlos Ruas.
Fonte: www.umsabadoqualquer.com.7
7 Disponível em http://www.umsabadoqualquer.com/6-igual-semelhanca/. Acessado em 07 de janeiro de 2016.
2.3 PRINCIPAIS REFERÊNCIAS PARA O DESENVOLVIMENTO DA ARTE
Para as referências que influenciaram o processo de desenvolvimento da arte de Hellpets é preciso considerar os desenhos animados dos estúdios da Hanna-Barbera e da Cartoon Network do final dos anos 90, sobretudo as séries do animador Genndy Tartakovsky, ‘O laboratório de Dexter’,1996 e do animador Craig
McCracken, ‘As Meninas Superpoderosas’,1998 (Figura 16).
Observa-se algumas características desses cartuns referenciadas em Hellpets, como o colorido dos personagens, os grossos contornos e também, a
apropriação do estilo Chibi8, uma variação do estilo de desenho japonês mangá,
cuja proporção de todo o corpo do personagem equivale ao tamanho de sua cabeça, às vezes, até menos. Normalmente não é desenhado o nariz e os olhos são muito grandes. De acordo com Brenner (2007), o estilo Chibi é o mais expressivo estilo de mangá entre todos, pois é eloquente em representar emoções
com poucas linhas.
Este estilo de desenho tornou-se uma tendência nas animações dos anos 2000, não só na produção original dos estúdios Cartoon Network, mas em outros, como os norte-americanos Nickelodeon Animation Studios e Mondo Mini Shows, o sul-coreano Vooz e o nacional Fábrica de quadrinhos – Mundo Canibal, dos Irmãos
Piologos. É um estilo que funciona muito bem com softwares de animação vetorial.
Apesar de todas as influências citadas serem produzidas através de arte vetorizada, a arte de Hellpets não segue este estilo, mas é feita com desenho e colorização digital. A escolha por esta técnica foi pessoal da autora, de acordo com seu domínio da técnica. A arte foi embasada na técnica de desenho à mão, com o uso do computador apenas como ferramenta.
8 Em tradução livre da lingua japonesa, significa "baixinho". O estilo chibi é utilizado pelas
histórias em quadrinhos japonesas, mais conhecido com anime ou mangá. É um desenho com traços muito estilizados com cabeça bem grande ocupando metade do desenho, isto é, o tamanho da cabeça é igual à do corpo do personagem. Os aspectos do traço chibi caracterizam-se por serem bem simplificado onde quase não se desenha o nariz e a boca não é finalizada.