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2.3 Transferência de Tecnologia: Interação entre Universidade e Empresa

2.3.4 Barreiras para Transferência de Tecnologia

Esta seção apresenta pesquisas que se dedicaram a identificar os fatores que dificultam o processo de transferência de tecnologia, do ponto de vista tanto da ICT quanto da empresa.

Vários autores, como Arvantis, Kubli e Woerter (2008) e Costa e Torkomian (2008), destacam um fator polêmico que permeia a discussão sobre a transferência de tecnologia na perspectiva da ICT, ou seja, o argumento de que a comercialização da pesquisa universitária pode causar negligência em relação à pesquisa básica. A lógica que sustenta o argumento é a ideia de que a comercialização de pesquisa é uma fonte alternativa de obtenção de recursos, que devem ser direcionados somente para pesquisa que tem potencial de ser comercializada, o que pode gerar negligência com a pesquisa básica. Independentemente de não ter sido comprovado, esse argumento, no presente trabalho, é considerado uma das barreiras ao processo de transferência de tecnologia, do ponto de vista da ICT.

Seguindo a mesma lógica do argumento citado, Segatto e Sbragia (2002) indicam que existe a visão de que o Estado deve ser o único financiador das atividades universitárias de pesquisa, pois somente dessa forma é possível assegurar autonomia aos pesquisadores e liberdade para publicação e disseminação dos conhecimentos científicos, além de coibir o viés ou a influência de interesses no resultado da pesquisa encomendada, fatores que podem tornar questionável a pesquisa de determinada instituição.

Autores, como Cruz (1998), Rapini e Righi (2006) e Garnica e Torkomian (2009), destacam a burocracia presente na estrutura da academia como um fator que limita a interação com a empresa e, em última instância, a transferência de tecnologia. Nesse contexto, é recorrente a reclamação de empresários, em especial pela morosidade da área jurídica e da administrativa para formalizar o contrato de transferência de tecnologia.

Relacionada à questão da burocracia está a do objetivo. Cruz e Segatto (2009) destacam que o objetivo da empresa é atender aos interesses dos acionistas, o que normalmente se concretiza em forma de busca de lucros, mas na ICT o objetivo é atender a demandas sociais, em especial as alinhadas ao tripé pesquisa, ensino e extensão. Isso aumenta

o grau de incerteza envolvida nos projetos, já que para a ICT a busca por conhecimento é muito mais desinteressada que na empresa.

Pesquisa desenvolvida por Siegel, Waldman e Link (2003) com cinco universidades americanas, nas quais foram entrevistados cientistas, empreendedores com interação em algum departamento e gestores de NIT, encontrou estas barreiras: falta de entendimento dos métodos de recompensa (na universidade e na empresa) ou das normas científicas; insuficiência de recompensa para os pesquisadores; burocracia e inflexibilidade das administrações universitárias; insuficiência de meios dedicados à transferência de tecnologia pela universidade; habilidades incipientes do NIT nas áreas de marketing, técnica e negociação; expectativa irreal dos membros da universidade sobre o valor de suas tecnologias e mentalidade de “domínio público” dos membros da universidade.

Santana e Porto (2009) destacam barreiras identificadas em uma pesquisa qualitativa realizada com pesquisadores de ICT, em que foi citada sobrecarga de trabalho, assunção de funções administrativas sem capacitação ou equipe de apoio e principalmente a avaliação dos pesquisadores, em que um dos principais indicadores utilizados é a produção científica.

Cumpre destacar que esses fatores se constituem barreiras para o processo de transferência de tecnologia na medida em que o processo concorre simultaneamente à dedicação do docente a funções administrativas e atividades de ensino, além de a avaliação ainda não contemplar indicadores de transferência de tecnologia. Sobre a última questão, percebe-se mudança de postura, já que a Plataforma Lattes, responsável pelo cadastro dos currículos dos pesquisadores brasileiros, conta atualmente com campos onde podem ser registradas atividades vinculadas à inovação e informações sobre patentes. Mesmo assim, é preciso realizar uma investigação para identificar se esses fatores já estão sendo levados em conta no processo de avaliação dos pesquisadores, em especial para efeito de progressão na carreira e para qualificação dos programas de pós-graduação strictu sensu.

Analisando a questão na perspectiva da empresa, Santana e Porto (2009) destacam baixa propensão para absorver a tecnologia disponível na ICT. O fato constitui-se em uma lacuna, pois, sem a efetiva comunicação entre a ICT e a empresa, torna-se tarefa complexa identificar qual tecnologia disponível na ICT pode se alinhar aos objetivos de determinada empresa.

Rapini e Righi (2006) apresentam mais uma nuance da questão, ao afirmar que a empresa deve absorver competências tecnológicas que possibilitem a absorção efetiva do conhecimento gerado na ICT. Portanto este fator muitas vezes constitui uma barreira à

concretização do processo de transferência de tecnologia: a dificuldade da empresa em internalizar e efetivamente absorver o conhecimento.

Jain e Triandis (1997) afirmam que a resistência encontrada em algumas empresas ao processo de transferência de tecnologia ocorre devido à percepção de perda do trabalho, perda de controle e perda da autonomia ou autoridade e ao fato de a tecnologia poder trazer vários benefícios para a organização, mas poucos para aqueles que estão participando do processo. Portanto existe resistência à mudança, principalmente, pelo desconhecimento dos possíveis desdobramentos.

Santana e Porto (2009) enfatizam a necessidade de ser a empresa mais atuante no processo de cooperação com a universidade, como na indicação de profissionais para a realização de prospecções nos laboratórios, pois foi detectada falta de conhecimento do que era produzido nas unidades universitárias pesquisadas.

Lockett, Kerr e Robinson (2009), através da análise de entrevistas realizadas com acadêmicos, empresários e intermediários do processo de transferência de tecnologia, na Inglaterra, indicaram as seguintes barreiras para concretização do processo de transferência de tecnologia: diferentes percepções de escala de tempo, falta de conhecimento sobre propriedade intelectual, percepção da universidade de que problemas da empresa não geram pesquisa e percepção da empresa de que a universidade é uma “torre de marfim” e de que os pesquisadores são seres desapegados do mundo real.

Marcovitch (1999) aborda a dicotomia entre os atores do processo de transferência de tecnologia ao afirmar que existem dois mitos a destruir: o primeiro, cultivado pela empresa, é que o pesquisador acadêmico é um ser etéreo, descolado da realidade: o segundo, recorrente na área de pesquisa, é que a empresa despreza a ciência.

O Quadro 13, a seguir, sintetiza as barreiras ao processo de transferência de tecnologia. apresenta-se o quadro abaixo:

Quadro 13 – Barreiras ao Processo de Transferência de Tecnologia

ICT EMPRESAS OUTRAS

Temor da negligência com a pesquisa básica - Arvantis, Kubli e Woerter (2008) e Costa e Torkomian (2008)

Falta de estrutura para absorver os conhecimentos a serem transferidos - Santana e Porto (2009)

Fonte de financiamento das pesquisas e dicotomia público x privado - Segatto e Sbragia (2002) Burocracia - Cruz (1998), Rapini e Righi (2006) e Garnica e Torkomian (2009) Percepção de que o pesquisador está deslocado da realidade - Marcovitch (1999) e Lockett, Kerr e Robinson (2009)

Diferença de objetivos entre os atores envolvidos - Cruz e Segatto (2009)

Falta de condições para conduzir o processo - Siegel, Waldman e Link (2003)

Resistência à mudança e à implementação de novas tecnologias - Jain e Triandis (1997)

Falta de conhecimentos dos atores sobre as normas e possíveis recompensas - Siegel, Waldman e Link (2003)

Sobrecarga dos

pesquisadores - Santana e Porto (2009)

Indicação de profissionais para prospectar tecnologias nos laboratórios - Santana e Porto (2009)

Dificuldades de comunicação entre os atores - Marcovitch (1999)

Fonte: Elaboração Própria

Importante é destacar que o Quadro 13 apresenta algumas barreiras identificadas na literatura como empecilhos à concretização do processo de transferência de tecnologia, sem intenção de esgotar o assunto, tampouco descarta a importância de outras barreiras que venham a ser indicadas. A distribuição foi meramente didática, uma vez que algumas barreiras são aplicáveis a vários atores, como ilustra a coluna Outras.

Um dos itens apresentados como barreira é a falta de condições para conduzir o processo de transferência de tecnologia, apontada por Siegel, Waldman e Link (2003). A Lei da Inovação, abordada em seções anteriores, prevê a criação do Núcleo de Inovação Tecnológica-NIT, estrutura a ser criada em ICT com o objetivo de implementar a Vertente II,

que é estimular a participação no processo de inovação. Devido à importância atribuída pela legislação, o NIT é o objeto de discussão da próxima seção.