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3.1 A HISTÓRIA DAS DROGAS 52

3.1.1 Bebidas alcoólicas 53

As bebidas alcoólicas, que representam a mais antiga de todas as drogas recreativas129, acompanham toda a história da civilização. O registro mais antigo sobre o consumo de bebida alcoólica data de 7000 a 7400 anos passados. Trata-se de um jarro de cerâmica, contendo resíduos de resina proveniente de vinho, descoberto em 1968 no Irã130.

As pessoas utilizam o álcool por vários motivos, dentre eles por fazer parte da própria dieta (já foi um meio seguro para ingestão de água); para fins medicinais; em razão de seus efeitos relaxantes; por ter caráter afrodisíaco; como parte de rituais religiosos; com finalidades recreacionais e até mesmo como fonte de inspiração artística.

O consumo de bebidas alcoólicas está tão arraigado à cultura de todos os povos, que os estudos científicos mais precisos em relação ao álcool não mensuram o número de usuários, senão o índice de abstêmios. Com efeito, apenas 45% (quarenta e cinco por cento) da população adulta131 mundial nunca consumiu álcool - entre a população masculina adulta esse índice é ainda menor, apenas 35% (trinta e cinco por cento). A Europa é o continente com o menor índice de abstêmios, 19% (dezenove por cento) de sua população adulta132.

Tabela 01 - Índice global de abstinência em álcool por sexo e região monitorada pela Organização Mundial da Saúde (OMS), em 2004133.

REGIÃO MONITORADA PELA OMS Gênero Nunca consumiram

álcool (%)

Ex-consumidores de álcool (%)

Não consomem álcool atualmente, mas consumiram há menos de um ano (%)

ÁFRICA Feminino 65,2 12,9 78,1

                                                                                                                128

ESCUDERO MORATALLA, José Francisco. Enfoque criminológico de la drogodependencia y otros

conceptos penitenciários. Disponível em: <http://noticias.juridicas.com/articulos/55- Derecho%20Penal/200108-8551727610152071.html>. Acesso em 05 de maio de 2013.

129

IVERSEN, Leslie L. Op. cit., p. 83.

130

McGOVERN, Patrick E.; GLUSKER, Donald L.; EXNER, Lawrence J.; VOIGT, Mary M. Neolithic resinated wine. Nature, v. 381, p. 480-481, June, 6, 1996.

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Assim considerada em razão daqueles que possuem mais de quinze anos de idade.

132

ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. Global status report on alcohol and health. Genebra: WHO Press, 2011. p. 14.

133

Conforme dados apresentados em ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. Global status report on

Masculino 49.1 14,1 63,1 Total 57,3 13,5 70,8 AMÉRICAS Feminino 27,4 22,4 49,8 Masculino 15,2 17,8 33,0 Total 21,5 20,2 41,7 MEDITERRÂNEO ORIENTAL Feminino 93,4 4,8 98,2 Masculino 82,4 12,3 94,7 Total 87,8 8,7 96,5 EUROPA Feminino 24,6 13,5 38,1 Masculino 12,6 11,0 23,5 Total 18,9 12,3 31,2 SUDESTE DA ÁSIA Feminino 92,8 4,2 97,1 Masculino 68,4 13,5 81,9 Total 80,4 8,9 89,3 PACÍFICO OCIDENTAL Feminino 44,5 15,1 59,5 Masculino 14,3 13,9 28,2 Total 29,2 14,5 43,7 MUNDO Feminino 55,0 12,5 67,5 Masculino 34,9 13,8 48,7 Total 45,0 13,1 58,2

O fato de as bebidas alcóolicas estarem vinculadas à cultura de todos os povos foi preponderante para que essa droga resistisse às investidas de proscrição ou mesmo de regulação. As campanhas contra o consumo de álcool e demais drogas, presentes no final do século XIX e início do século XX eram muito semelhantes. Os mesmos argumentos morais lançados contra os narcóticos, foram usados em relação ao álcool. No entanto, ao longo do tempo, as bebidas alcoólicas não sofreram os mesmos entraves jurídicos que as demais drogas.

David T. Courtwright explica esse fato, ao qual considerou como o "estatuto privilegiado do álcool", a partir do interesse econômico das nações ocidentais, que dominavam os assuntos econômicos e diplomáticos no mundo. Toma a França do início do século XX por exemplo, onde a indústria do álcool (produtores, varejistas, transportadores, fabricantes de cortiça et coetera) garantia a subsistência de, aproximadamente, cinco milhões de pessoas, treze por cento da população. Cita também a Rússia, cuja arrecadação com impostos decorrentes da indústria das bebidas alcoólicas equivalia a todo orçamento militar. O mesmo se verificava em todas as nações ocidentais e em muitos governos coloniais na África e Ásia. O ópio, por outro lado, foi gradualmente declinando em importância,

sobretudo no império britânico. O comércio de ópio a partir da Índia e China restou mitigado no final dos séculos XIX e XX, o que minimizou a resistência da Grã-Bretanha e tornar tal substância regulada e, posteriormente, proscrita134.

A indústria mundial do álcool representa, nos dias atuais, em volume de negócios, cerca de trezentos bilhões de dólares135. Mas não se trata apenas da questão econômica: o álcool, assim como o cigarro, sempre fez parte da vida das figuras mais proeminentes, que realmente detinham o poder de decisão acerca de quais substâncias seriam nocivas ao convívio social e quais seriam absolutamente aceitáveis. O mesmo se diga quanto aos "formadores de opinião" - artistas, professores, jornalistas et coetera136.

Ou seja, a aceitação social do álcool relaciona-se mais com questões culturais, econômicas, fiscais e de exercício do poder; e menos em razão do seu status legal.

Atualmente, o consumo de bebidas alcóolicas representa grave risco social, contribuindo significativamente para o incremento nos índices mundiais de mortes, doenças e

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"As campanhas contra o álcool e narcóticos, que se aceleraram no final do século XIX, foram retoricamente muito semelhantes. As acusações estabilizaram-se em — veneno racial, corrosivo à moral, condutor da miséria — ficando niveladas. O álcool, como Norman Kerr afirmou, era um `veneno narcótico´, mas, ainda assim, sobreviveu a todas as tentativas de proibição nacionais, não sendo jamais um candidato sério para regulamentação global. Até recentemente poucos o descreviam ou o trataram como `droga´. A razão mais óbvia para o status privilegiado do álcool era o tamanho da indústria e a importância fiscal nas nações ocidentais que dominaram o mundo econômico e os assuntos diplomáticos. Contando todos os produtores, varejistas, transportadores e fabricantes de cortiça, a indústria do álcool francês do início do século XX afetou a subsistência de quatro e meio a cinco milhões de pessoas, ou cerca de treze por cento da população francesa. Ao mesmo tempo, os impostos do álcool — que então rendia aos russos, por exemplo, um montante equivalente a seu orçamento militar inteiro — manteve-se como base de financiamento ocidental. O mesmo se dava em muitos governos coloniais na África e na Ásia, os impostos do álcool foram cruciais tanto para o `núcleo´ como para `periferia´ do sistema mundial moderno. O ópio, por outro lado, gradualmente perdeu a importância, pelo menos dentro do Império britânico. O comércio desta droga na Índia e na China passou a encolher no fim do século XIX e início do século XX, facilitando a mudança do papel da Grã-Bretanha, que mudou de chefe protetor do tráfico para advogado do controle internacional" (COURTWRIGHT, David T. Forces of Habit: Drugs and the

Making of the Modern World. Cambridge: Havard University Press, 2002. 3rd. ed. Edição eletrônica para

Kindle. p. 3309. Traduzido do inglês para o português).

135

IVERSEN, Leslie L. Op. cit., p. 83.

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Nesse sentido: "o tratamento mais liberal do álcool e do tabaco também reflete os hábitos pessoais de líderes influentes e celebridades. Historicamente, isto tem muitas vezes desmoralizado os ataques às drogas. Pedro `O Grande´ foi tutor no exterior das formas de tabagismo e revogou o embargo russo sobre o tabaco. A iniciação tabagista do Papa Bento XIII o fez tomar medidas parecidas dentro da igreja (o Vaticano abriu sua própria fábrica de cigarros em 1790). Assim, os vícios dos líderes ditaram os vícios oficiais, o corolário do diabo de cujus regio, ejus religio que, se não legalmente sancionados, eram pelo menos mais susceptíveis de ser tolerados. A campanha chinesa contra o ópio, por exemplo, fez menos progressos em áreas onde os próprios oficiais superiores a levaram. O uso pessoal de álcool e tabaco, bem como a cafeína, foi extremamente difundido entre os políticos ocidentais na primeira metade do século XX. A fotografia de Churchill, Roosevelt e Stalin sentados juntos em Yalta: definitivamente não era uma equipe na batalha contra o álcool e o tabaco. Harry Anslinger, que fumava e bebia Jack Daniels (`te anima em um dia ruim´), acabou com uma bengala e um balão de oxigênio. As classes profissionais dificilmente foram mais abstêmias, especialmente com relação ao tabaco. Enquanto Ministros, professores, empresários, industriais e socialites promoviam o fumo através de seu exemplo, Harvey Wiley queixou-se, `o hábito não será considerado uma obliquidade moral´" (COURTWRIGHT, David T. Op. cit., p. 3366. Traduzido do inglês para o português).

danos à saúde. Cerca de dois milhões e meio de pessoas falecem, anualmente, em decorrência do consumo de álcool. Nesse sentido são os dados da Organização Mundial da Saúde:

The hazardous and harmful use of alcohol is a major global contributing factor to death, disease and injury: to the drinker through health impacts, such as alcohol dependence, liver cirrhosis, cancers and injuries; and to others through the dangerous actions of intoxicated people, such as drink– driving and violence or through the impact of drinking on fetus and child development. The harmful use of alcohol results in approximately 2.5 million deaths each year, with a net loss of life of 2.25 million, taking into account the estimated beneficial impact of low levels of alcohol use on some diseases in some population groups. Harmful drinking can also be very costly to communities and societies.137

Não obstante seus inerentes riscos, as bebidas alcóolicas firmam-se cada vez mais na cultura dos povos, associadas que são às mais diversas atividades sociais: da recreação, passando pela socialização, até rituais religiosos.