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3.1 A HISTÓRIA DAS DROGAS 52

3.1.2 A cannabis 56

Outra droga milenar é o cânhamo, natural das estepes do Turquistão, uma zona que corresponde hodiernamente às repúblicas da Ásia Central e Noroeste da China, onde ainda cresce em estado selvagem, principalmente entre o Cazaquistão e o Quirquistão, cobrindo aproximadamente cento e cinquenta mil hectares. Esteve presente na cultura egípcia e assíria138, sendo utilizada pelo homem há seis mil anos para diversos fins. No mesmo sentido:

Cannabis originated in central Asia and was first extensively cultivated in China 6,000 or more years ago. It was a valuable, multipurpose crop, yielding a potent drug as well as cooking oil, edible seeds, animal fodder, and hempen fibers. Hemp was the source of rope, fishing nets, and textiles for the Chinese masses, silk being reserved for the clothing of the rich.139

                                                                                                                137

"O uso perigoso e nocivo de álcool é um fator relevante no índice global de mortes, doenças e ferimentos: para os que bebem, em razão dos impactos na saúde, como dependência do álcool, cirrose hepática, câncer e lesões; e aos outros, através de ações perigosas de pessoas intoxicadas, como violência e dirigir sob seu efeito, ou através do impacto da bebida no desenvolvimento do feto ou da criança. O uso nocivo do álcool resulta em cerca de 2,5 milhões de mortes a cada ano, com uma perda líquida de vida de 2,25 milhões, levando em conta o impacto benéfico estimado do uso do álcool em baixos níveis, sobre algumas doenças, em alguns grupos da população. O ato prejudicial de beber também pode ser muito dispendioso para comunidades e sociedades" (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. Global status report on alcohol and health. Op. cit., p. 10. Traduzido do inglês para o português).

138

LABROUSSE, Alain. Geopolítica das drogas. Tradução por Mônica Seincman. São Paulo: Desatino, 2010. p. 48 a 49.

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"A maconha é uma planta originária da Ásia central tendo sido, inicialmente, amplamente cultivada na China há mais de seis mil anos, podendo ser considerada um cultivo valioso, multiuso, que proporcionava a produção

No continente asiático, a maconha foi integrada aos rituais do hinduísmo, posteriormente do budismo, acompanhando esta durante toda a sua fase de difusão. Nos séculos I e II, os romanos faziam uso do cânhamo para produção, em larga escala, das cordas utilizadas em seus navios140.

A partir do século VII, a expansão do islamismo desempenhou papel fundamental na propagação da cannabis, substância à época já integrada à cultura mulçumana. Aliás, foram os mercadores muçulmanos que a introduziram em todo o Oriente Médio. Posteriormente, a partir do século XI, a levaram para África Subsaariana e Marrocos141.

Não obstante, os islâmicos se relacionaram de forma contraditória com a cannabis, ora a associando a rituais distantes de seus dogmas, o que quase a conduziu à proscrição, ora sendo tolerada e largamente utilizada.

Essa posição contraditória se deve, em parte, à sua associação com os Sufi gari142, que a utilizavam para fins místicos, os quais as autoridades ortodoxas viam com desconfiança. Apesar de tentativas esporádicas para suprimir o cultivo, em meados do século XVI, a produção de canabinoides já se fazia bem estabelecida, especialmente no delta do Nilo. Logo após, os comerciantes árabes tiveram sucesso com a propagação da maconha ao longo da costa leste da África, de onde se expandiu para as regiões centrais e sul do continente. O uso desse estupefaciente, em contraste com o do tabaco, floresceu entre os Khoikhoi, San e outros povos da África do Sul, bem antes do contato europeu143.

Na Europa Ocidental, foi condenada no século XV pela Igreja Católica, passando a ser marginalizada, frente a outras substâncias aceitas pela sociedade e religião, como o vinho e a cerveja144, o que não significou prejuízo à sua expansão no continente, nem corrompeu seu uso para outros fins.

A cannabis, em suma, teve grande propagação na maior parte do Velho Mundo, no tempo que Colombo e seus três navios, palmados com corda de cânhamo, partiram de Palos de La Fronteira na manhã de 3 de agosto de 1492145.

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                         

de um potente fármaco e também óleo de cozinha, sementes comestíveis, forragem e fibras de cânhamo, que foram utilizadas como matéria prima para fabricação de cordas, redes de pesca e têxteis para as massas chinesas, a seda era reservada para as roupas dos ricos" (COURTWRIGHT, David T. Op. cit., p. 731. Traduzido do inglês para o português).

140

LABROUSSE, Alain. Op. cit., p. 48-49.

141

Ibid., p. 49.

142

Praticantes do sufismo, uma corrente mística e contemplativa do Islã, que prega uma relação íntima, direta e perene com Deus, através de cânticos, música e dança, o que é considerado prática ilegal pela sharia de vários países muçulmanos.

143

COURTWRIGHT, David T. Op. cit., p. 755.

144

LABROUSSE, Alain. Op. cit., p. 49.

145

Foi nesse sentido que, no século XVIII, a expedição de Napoleão Bonaparte ao Egito contribuiu para popularizá-la entre médicos e escritores146. A Espanha a cultivou em suas colônias entre os séculos XVI e XIX147. Ainda no século XVIII, na Inglaterra, os sábios e curiosos a importavam da Índia. Assim, os britânicos introduziram na Jamaica sua cultura, buscando a extração das fibras do cânhamo. A partir de metade do século XIX, os escravos negros situados naquela ilha passaram a fazer uso da maconha para fins ritualísticos e recreativos148.

No Brasil, a cannabis chegou com os escravos angolanos que passaram a cultivá-la, após 1549, por entre as plantações da cana-de-açúcar, com a permissão dos "senhores", os proprietários. Os angolanos a chamavam de "maconha". A partir daí, alguns índios e mestiços passaram a utilizá-la para os mais diversos fins, de medicinais, recreativos e revigorantes a confecção de cordas e roupas. O Nordeste foi a região do Brasil que mais absorveu a "cultura" da maconha149.

Da Jamaica, a cannabis se inseriu no México, onde os camponeses lhe deram o nome "marijuana". Do México, cruzou a fronteira e se instalou nos Estados Unidos da América no início do século XX, trazida por imigrantes provenientes daquele país e por marinheiros caribenhos150151.

Posteriormente, a maconha foi incorporada à cultura hippie, proveniente do movimento beat152, na moda entre os intelectuais da década de 1950. A exposição dos

hippies na mídia despertou o interesse dos jovens, sobretudo em razão ao desencanto quanto à

guerra do Vietnã, ao materialismo suburbano e à segregação. Referida droga, então, passou a ser um símbolo de rebelião, popular entre os estudantes universitários e de nível médio. Sua aceitação era tanta que, até o ano de 1979, cerca de cinquenta e cinco milhões de americanos já tinha experimentado alguma fórmula desse estupefaciente. Dois terços dos indivíduos com                                                                                                                

146

LABROUSSE, Alain. Op. cit., p. 49.

147

COURTWRIGHT, David T. Op. cit., p. 761.

148

LABROUSSE, Alain. Op. cit., p. 49.

149

COURTWRIGHT, David T. Op. cit., p. 769.

150

LABROUSSE, Alain. Op. cit., p. 49.

151

No mesmo sentido: "O hábito de fumar maconha teve início nos Estados Unidos com a chegada de mais de um milhão de trabalhadores mexicanos, que adentraram pelo sudoeste nas três primeiras décadas do século passado. Dezenas de milhares destes recém-chegados espalharam-se do Meio-Oeste, trabalhando em construções, ferrovias, fábricas e moinhos, até Chicago. Ao mesmo tempo a maconha se espalhava pelo Norte e pelo Leste de Nova Orleans, onde marinheiros caribenhos e sul-americanos a introduziram em meados de 1910. A revolução em curso do cigarro, que ensinou os americanos a absorvem a droga através de seus pulmões, facilitou a propagação do uso da maconha, com uma oferta doméstica abundante. [...] No Tennessee, os presidiários, sujeitos ao trabalho forçado, fumavam os pequenos ramos de flores secas, que cresciam ao longo da estrada. Os próprios detentos de San Quentin cultivavam sua maconha nos terrenos das prisões. Em 1936 a polícia de Nova York destruiu mais de dezoito mil quilogramas da droga, que encontraram dentro dos limites da cidade" (COURTWRIGHT, David T. Op. cit., p. 799, 825 e 830. Traduzido do inglês para o português).

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idade entre dezoito a vinte e cinco anos haviam consumido a marijuana. A partir dos Estados Unidos da América, rapidamente a droga se tornou um fenômeno mundial153.

Na atualidade, os canabinoides se apresentam em três formas distintas de entorpecentes: a maconha, o haxixe e o azeite de haxixe. A primeira é extraída das folhas e flores secas da cannabis e sua concentração de THC154 varia de meio a cinco por cento. O segundo se obtém da resina extraída das flores e inflorescências da mesma planta, tendo de dez a vinte por cento de concentração de THC. O último é extraído a partir da destilação da

cannabis por solventes orgânicos, podendo chegar até oitenta e cinco por cento de

concentração de THC155.

Hoje a maconha é a droga considerada ilícita mais consumida em todo o mundo, tendo, segundo estimativas da Organização das Nações Unidas, cerca de cento e sessenta milhões de usuários156.

No entanto, conforme se pode observar nas próximas linhas, a maconha não apresenta os mesmos riscos inerentes à cocaína e aos derivados do ópio. Em primeiro lugar, trata-se de um estupefaciente suave, do qual não decorre dependência física157158, como nos opiáceos. Mesmo em relação à dependência psicológica, seu potencial é baixo, se comparada à cocaína

                                                                                                                153

"Os hippies surgiram a partir do movimento conhecido como Beat, que na época era pequeno, mas estava na moda entre os intelectuais da década de 1950. A exposição na mídia era favorável (ou na pior das hipóteses transformadora) o que despertou o interesse dos jovens, assim como o fez com o desencanto em relação à guerra do Vietnã, ao materialismo suburbano e à segregação. A maconha era um símbolo conveniente de rebelião, popular entre os estudantes universitários e do ensino médio. O emergente complexo da maconha chamou muito a atenção nos Estados Unidos — Cerca de cinquenta e cinco milhões de americanos já tinha experimentado alguma fórmula da droga até 1979, incluindo dois terços das pessoas com idade entre dezoito a vinte e cinco anos — rapidamente a droga se tornou um fenômeno mundial. Da Austrália, Canadá, Colômbia, Hong Kong, Índia, Filipinas, Escócia, Venezuela, Alemanha e outros países, vieram relatórios sobre o uso da maconha e como este aumentou acentuadamente nas décadas de 1960 e 1970" (COURTWRIGHT, David T. Op. cit., p. 799, 825 e 830. Traduzido do inglês para o português).

154

Abreviatura de seu princípio ativo, o Tetraidrocanabinol.

155

CORRÊA DE CARVALHO, José Theodoro. Historia de las drogas y de la guerra de su difusión. Noticias Jurídicas, 2007. Disponível em: <http://noticias.juridicas.com/>. Acesso em 18 de maio de 2013.

156

GLOBAL COMMISSION ON DRUG POLICY. Relatório da Comissão Global de Políticas sobre Drogas. Julho de 2011. p. 04.

157

Para o fato de os canabinoides não causarem dependência física, vide HONÓRIO, Káthia Maria; ARROIO, Agnaldo; FERREIRA DA SILVA, Albérico Borges. Aspectos terapêuticos de compostos da planta Cannabis

sativa. São Paulo: Química Nova, março/abril de 2006. Volume 29. Número 02. Disponível em:

<http://dx.doi.org/10.1590/S0100-40422006000200024>. Acesso em 30 de junho de 2013.

158

Em sentido oposto: "a tradicional divisão das dependências entre física e psíquica denota concepção equivocada, legado cartesiano (filosofia da consciência) da cisão entre razão/consciência (res cogitans) e natureza/corpo (res extensa). Na atualidade é impossível pensar em dependências meramente físicas ou psíquicas, como se fosse uma mais grave que a outra e, portanto, com maiores possibilidades de controle pelo sujeito ou como se corpo e mente não conformassem todo integrado 'dependente' um do outro" (CARVALHO, Salo de. A política criminal de drogas no Brasil: estudo criminológico e dogmático. 4. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007. p. 185).

e aos derivados do ópio; os danos decorrentes do consumo são equivalentes aos apresentados pelo tabaco, perceptíveis no longo prazo159.