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CAPÍTULO 1: HÁ ALGO DE ERRADO COM A FILOSOFIA DA MENTE?

1.3. A virada materialista

1.3.1. Behaviorismo

Essa foi uma das primeiras abordagens em filosofia da mente, sendo muito influente nos anos de 1950 e 1960. As duas principais correntes dessa abordagem são o behaviorismo metodológico e behaviorismo filosófico9. Mas essas duas formas de behaviorismo compartilham de três tendências intelectuais, quais sejam, (1) uma rejeição a qualquer forma de dualismo, (2) a ideia do positivismo lógico de que o significado de uma sentença é, em última análise, uma questão de circunstâncias observáveis e (3) a motivação de que há uma confusão linguística ou conceitual da maior parte dos pressupostos filosóficos, dessa forma, deve-se fazer uma análise cuidadosa da linguagem na qual o problema foi expresso (CHURCHLAND, 2004, p. 49). Com efeito, o problema mente e corpo, para ambas as correntes behavioristas, seria um pseudoproblema. Falar sobre nossos estados interiores seria falar sobre nada além de padrões comportamentais.

Mas aqui constitui o ponto fundamental da diferença entre as duas versões do behaviorismo. O behaviorismo metodológico foi assim chamado, pois propunha um método de investigação em psicologia que privilegiava o comportamento, não se importando em dizer se existe ou não mente. Para eles, o dualismo cartesiano é apenas cientificamente irrelevante (SEARLE, 2004, 2006). Dessa forma, o behaviorismo seria um método de investigação e não uma específica doutrina ontológica.

Já o behaviorismo lógico diz que não poderia existir qualquer coisa chamada mente, a não ser na medida que existiriam sob a forma de comportamento. Com isso, os eventos mentais não seriam simplesmente efetivos padrões de comportamento, mas sim

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10. Inspirado pelo matemático e filósofo britânico Frank Ramsey (1903-1930), a sentença de Ramsey diz que na conjunção prévia das sentenças, nós simplesmente suprimimos a expressão "crença de" e colocamos em seu lugar "x". Então nós introduzimos na sentença um quantificador existencial, que diz "há um x, tal que...". (SEARLE, 2004).

disposições para o comportamento publicamente observável (SEARLE, 2006). Assim, a análise do comportamento, nesta abordagem, segue a regra lógica "se p então q", ou seja, para analisar os assim ditos "estados interiores", utilizar-se-á a regra de Ramsey10: se tais e tais condições são obtidas, tais e tais comportamentos se seguirão (SEARLE, 2004).

Searle (2006) diz que há dois tipos de objeções ao behaviorismo, as de senso-comum e as mais técnicas. Para o filósofo, a crítica de senso senso-comum, apesar de ser assim chamada, é muito poderosa. Tal crítica consiste em denunciar a óbvia negação dos fenômenos mentais. "Não fica nada para a experiência subjetiva do pensar ou do sentir na explicação behaviorista: existem apenas padrões de comportamento objetivamente observáveis." (SEARLE, 2006, p. 53).

Cada uma das versões do behaviorismo têm suas objeções técnicas. Iremos mostrar apenas uma objeção à cada corrente, apresentadas por Searle (2004, 2006), e um argumento geral que se aplica as duas versões do behaviorismo. A respeito do behaviorismo metodológico, Noam Chomsky (apud SEARLE, 2004) argumentou que é um erro dizer que o estudo psicológico seria a mesma coisa que o estudo do comportamento humano, pois seria o mesmo que dizermos que a ciência física é o estudo da leitura métrica. Claro que o comportamento é uma evidência do psicológico, assim como a leitura métrica é uma evidência da física, mas é um equívoco confundir a evidência de um assunto com o assunto mesmo. O assunto de que trata a psicologia é a mente, e o comportamento é apenas a evidência e uma das características do mental.

Já as dificuldades com o behaviorismo lógico são ainda mais patentes (SEARLE, 2004). Tal abordagem não oferece nenhuma evidência de como vamos traduzir as afirmações mentais em afirmações comportamentais. A crítica maior é como fazer isso sem cair em circularidade. Como a teoria se apresenta, parece que, ao tentarmos fazer uma análise comportamental de uma crença qualquer, temos que recorrer a um desejo, e vice-versa (SEARLE, 2006). Ou seja, ao analisarmos a crença de um indivíduo, por exemplo, a crença de que vai chover, tal estado intencional se manifesta em comportamentos observáveis, como ele fechar as janelas, tirar as roupas do varal etc. Contudo, esses comportamentos só fazem sentido se considerarmos o desejo desse indivíduo de que a água da chuva não entre em sua casa e nem molhe suas

roupas. Assim, a crença é explicada pelo desejo e o desejo pela crença. Ao que parece, entramos num círculo vicioso ao adotarmos o behaviorismo lógico como abordagem para explicar os estados e processos mentais.

O argumento geral para as duas abordagens é, na realidade, dois experimentos de pensamentos que tem a mesma função argumentativa: o super espartano e o super ator. Imaginemos um sujeito, um hiper soldado; um super espartano; que consegue suportar a dor de tal maneira a não expressá-la em seu comportamento verbal ou não verbal. Mesmo sentindo dor, ele foi treinado a não demonstrá-la. Também suponhamos que exista um excelente ator; um super ator; que consegue interpretar qualquer cena, emoção, sentimento, enfim, que consegue enganar o público de tal maneira que parece, realmente, que ele está sentindo aquilo que interpreta. Se o insight behaviorista estiver certo, tanto o super espartano quanto o super ator terão seus estados mentais dirigidos por seus comportamentos publicamente observáveis. Ou seja, iremos concluir, ao vermos o super espartano sendo torturado − sentindo uma terrível dor, mas não expressando-a comportamentalmente − que ele não está sentindo absolutamente nada. Do mesmo modo, ao vermos um ator que interpreta uma emoção de alegria, por exemplo, mas que na realidade está muito triste, devemos concluir que o estado mental do super ator é de alegria, pois seu comportamento expressa tal estado.

O argumento do super espartano e super ator apela, justamente, para a falha na observação puramente de terceira pessoa. Não que o comportamento não seja um grande indicador dos estados mentais dos sujeitos, mas esse argumento sinaliza para a dificuldade de se tomar apenas o comportamento como critério aferidor. Se somente ele fosse o essencial, deveríamos chegar a conclusão absurda que os estados mentais tanto do super espartano quanto do super ator são aqueles apresentados comportamentalmente, mesmo que seus reais sentimentos sejam outros.

As objeções ao behaviorismo (mostradas aqui apenas brevemente) minou sua influência acadêmica. Já nos anos de 1960 ela não era mais a abordagem preferida para o estudo da natureza da consciência. Contudo, ao mesmo tempo que o behaviorismo entrava em decadência de popularidade, uma nova abordagem surgia com muita força.

No documento A RELAÇÃO MENTE-CORPO EM JOHN SEARLE (páginas 37-40)