• Nenhum resultado encontrado

Funcionalismo Computacional

No documento A RELAÇÃO MENTE-CORPO EM JOHN SEARLE (páginas 45-48)

CAPÍTULO 1: HÁ ALGO DE ERRADO COM A FILOSOFIA DA MENTE?

1.3. A virada materialista

1.3.4. Funcionalismo Computacional

Se o funcionalismo está correto em definir a mente em termos de seus papéis causais numa economia complexa de estados internos mediados por entradas perceptivas e saídas comportamentais, então, em princípio, não haveria restrições em se desenvolver essas relações causais artificialmente, gerando, com isso, uma mente. Dessa forma, o insight do funcionalismo computacional é que a mente é uma espécie de programa, que está sendo rodada num hardware biológico (cérebro). Assim, pensamento consciente seria, basicamente, a execução de uma computação e, portanto, basta que nós executemos as computações adequadas para assim termos aquilo que a folk psychology chama de mente subjetiva (PENROSE, 1998). Searle (2006) acha curiosa essa posição filosófica, pois parece que, como Descartes, os adeptos da Inteligência Artificial Forte acreditam que pode existir uma mente sem corpo, sem cérebro. Contudo, a diferença essencial entre os dualistas e os computacionalistas é que estes acreditam que se tal mente existisse sem o corpo ela nada poderia fazer.

Na realidade a analogia entre mentes e máquinas é bem mais específica aqui. Os adeptos desta abordagem dizem que a mente é uma máquina de Turing implementada através do cérebro15. Aliás, o cérebro seria uma máquina de Turing Universal (SEARLE, 2004). Contudo, essa analogia só faz sentido se considerarmos que o

_____________

16. Para ter acesso ao argumento na integra, Cf. Searle (1980).

pensamento humano pode ser representado por algoritmos (tal como na sentença de Ramsey). Assim, o desafio na construção de uma máquina de Turing Universal, capaz de rodar algoritmos tal como nossa máquina biológica o faz, é apenas de ordem prática, não teórica (TEIXEIRA, 2004).

Porém, antes de prosseguirmos, devemos fazer uma distinção importante, que nos será útil na continuidade desta seção, que é aquela entre os dois tipos principais de Inteligência Artificial: IA Forte e IA Fraca. A IA fraca se refere a simulação da mente humana por meios, em geral, computacionais (SEARLE, 2004, 2006). Ela se baseia naquilo que conhecemos do sistema cerebral humano e faz simulações através desse conhecimento. Os adeptos da concepção da IA fraca defendem que a simulação computacional da mente apenas processa dados, não tendo, por isso, sentimentos e estados intencionais tais como os seres humanos. Contudo, a IA forte dá um passo além, dizendo que não apenas a simulação da inteligência humana é possível, tal como a criação de robôs inteligentes, mas que, na realidade, as maquinas de Turing já são conscientes. Ora, se definirmos a consciência como imputs, organização interna e outputs, então qualquer sistema minimamente complexo teria que ser considerado consciente (SEARLE, 2006).

Searle não parece encontrar grandes problemas com a IA fraca. Em certo sentido, ele até a aceita (SEARLE, 1998). Contudo, há muitas objeções ao projeto da IA forte. A primeira e mais óbvia é a de senso comum. Repetindo a crítica ao funcionalismo, esta diz que o computacionalismo desconsidera os aspectos subjetivos e qualitativos da mente humana, tratando-os como meras funções algorítmicas. Já Searle (1980, 2004, 2006) desenvolveu um argumento especialmente contra o projeto da IA forte, que é o famoso argumento do quarto chinês16. Grosso modo, o argumento pede para supormos uma pessoa trancada num quarto e que não saiba falar absolutamente nada em chinês. Na sala também há um computador com um programa que é capaz de responder questões em chinês. Essa pessoa recebe constantemente perguntas em chinês por uma pequena entrada da sala. O objetivo é que, utilizando o programa, tal pessoa consiga obter a melhor resposta possível em chinês para as perguntas. Com a resposta em mãos, a pessoa a envia para fora da sala. Com isso, os observadores externos poderiam dizer se quem está dentro da sala é realmente um falante fluente de chinês ou não. Não obstante, mesmo que nossa pessoa hipotética não tenha a mínima ideia das

____________

17. Talvez o problema técnico mais difícil que a AI Forte enfrenta seja o colocado por Kurt Gödel em seus Teoremas da Incompletude. Pela sofisticada linguagem matemática requerida, e por não dispormos desse conhecimento no momento, não reproduziremos aqui os argumentos de Gödel. Uma análise clara, e para não especialistas, foi feita em Nagel, E. & Newman, J.R. A Prova de Gödel. São Paulo: Perspectiva, 2007.

respostas que ofereceu, ela passaria facilmente no teste de Turing para falantes de chinês.

A base desse argumento de Searle é apelar para a questão semântica dos nossos estados mentais. A pessoa no quarto chinês efetivamente não sabe chinês, por mais que pudesse se passar por um falante nativo, assim como uma máquina não é efetivamente consciente, por mais que possa se passar por uma. As máquinas têm apenas uma estrutura sintático-formal. Já nós, seres humanos, temos semântica, que é obviamente uma característica de nossa subjetividade (SEARLE, 2006). É justamente esta a questão chave para o filósofo, sendo este o motivo porque Searle não acredita que a IA forte consiga realizar seu projeto.

Há outros tipos de objeções mais técnicas que a IA forte deve enfrentar antes de dar cabo ao seu projeto17. Resolvidos tais problemas, acreditam os adeptos da IA Forte, seria possível criar uma inteligência artificial, tal como, ou melhor, que a inteligência humana. Contudo, Searle (1998, 2006/1992) argumenta que há um problema fundamental que os computacionalistas sozinhos não podem resolver, qual seja, como a máquina biológica, a qual chamamos cérebro, funciona realmente? Searle (1998) não vê impedimentos lógicos em se produzir uma inteligência artificial forte, mas discorda que os computadores ou robôs atuais tenham pensamentos ou vida subjetiva. Para dar cabo do projeto computacionalista, Searle acredita que devemos entender como realmente o cérebro humano funciona para assim podermos fazer uma réplica artificial de tal mecanismo. Sem esse completo entendimento, seria o mesmo que, conhecendo precariamente o coração, quiséssemos fazer uma réplica de tal órgão e acreditássemos piamente que ela funcionaria tal como o coração biológico. Os cientistas podem produzir corações artificiais pelo fato de conhecerem completamente o funcionamento do coração biológico. Do mesmo modo, seremos capazes de produzir cérebros artificiais no momento em que entendermos como o cérebro biológico funciona, em seus mais requintados detalhes. Com isso o desafio da Inteligência Artificial é não apenas o de produzir computadores ou robôs mais sofisticados, mais sim voltar os olhos para a neurociência e psicobiologia.

Não obstante, as críticas que apresentamos se direcionam para um dos ramos do computacionalismo (que era muito forte entre os anos de 1970-1980). Atualmente há novos desenvolvimentos, principalmente de redes neurais artificiais, que escapariam desse tipo de crítica. A abordagem das redes neurais (ou conexionistas) não apela para a máquina de Turing. Aliás, os adeptos dessa abordagem acham tal modelo inadequado (ALVES, 1999). As redes neurais artificiais não devem trabalhar como uma máquina de Turing, que siga regras fixas e manipule símbolos, mas sim devem ser capazes de aprender e se adaptar a novas situações que o ambiente lhes proporciona. Dessa forma, como diz Alves (1999), esse comportamento não será puramente algorítmico.

Apesar da sutileza desse desenvovimento do assim chamado computacionalismo, não iremos tratá-lo aqui com mais detalhes por conta de não ser este o nosso enfoque. Contudo, reafirmamos que esse tipo de abordagem não sofreria com os ataques que, por exemplo, o argumento do quarto chinês desfere contra o computacionalismo clássico.

No documento A RELAÇÃO MENTE-CORPO EM JOHN SEARLE (páginas 45-48)