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CAPÍTULO 1: HÁ ALGO DE ERRADO COM A FILOSOFIA DA MENTE?

1.3. A virada materialista

1.3.3. Funcionalismo

Teixeira (2008) diz que o funcionalismo toma três pressupostos como básicos, quais sejam, (1) a realidade dos estados mentais, (2) a ideia de que os estados mentais

são irredutíveis a estados físicos e (3) os estados mentais são caracterizados pelo papel funcional que ocupam entre input e output de um organismo ou sistema. Porém, aqui devemos ser claros acerca do que essa abordagem quer dizer com estados mentais, pois o funcionalismo não acredita na existência de estados mentais tais como Searle acredita. Lewis (1972) diz que o que define um estado mental, no funcionalismo, são suas relações causais entre inputs que o organismo recebe, seus estados "mentais", ou seja, organização interna desses inputs, e seu comportamento de output correspondente. Em resumo, o que define um estado mental são seus papéis causais numa economia complexa de estados internos mediados por entradas perceptivas e saídas comportamentais, ou seja, o funcionalista concebe a mente como uma função.

Esse tipo de manobra é possível, pois, segundo Searle (2004), os funcionalistas usam um artifício técnico herdado dos teóricos da identidade de ocorrência e behaviorismo, qual seja, a sentença de Ramsey (cf. seção 1.3.1, sobre o behaviorismo, para mais detalhes). Com isso, poderemos definir a mente por suas relações causais, sem a utilização da linguagem intencional ingênua, tal como crenças e desejos. Por exemplo, a frase que utiliza a velha linguagem mentalista, tal como, Paulo tem a crença de que vai chover porque percebeu a formação das nuvens, e como deseja manter suas roupas secas, tratou de vestiu sua capa de chuva, pode ser substituída por:

( x)(Paulo tem x & x é causado pela percepção de p. Paulo tem y. Portanto, x & y causam a ação z). (SEARLE, 2006, p. 64).

Dessa forma, a vantagem do funcionalismo é que ele diz que não há nada de especialmente mental quando estamos falando sobre as mentes. É tudo uma questão de relações lógicas. Outra vantagem óbvia que se apresenta é que, abordando a mente desta forma, ela poderia ocorrer em qualquer outro sistema minimamente complexo, não apenas o cerebral. Então todo sistema poderia ter estados mentais, desde que tivesse as relações causais corretas entre seus inputs, seu funcionamento interno e seus outputs.

Falar de estados mentais é simplesmente falar de um conjunto neutro de relações causais; e o aparente "chauvinismo" das teorias de identidade tipo-tipo ― isto é, o chauvinismo de supor que somente sistemas com cérebros como os nossos possam ter estados mentais ― é então evitado por essa concepção muito mais "liberal". (SEARLE, 2006, p. 64).

Contudo, parece que os funcionalistas não estão fazendo a pergunta fundamental sobre a mente, qual seja, quid est? Vimos apenas ser explicitado as relações causais da

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13. O argumento diz basicamente que dois indivíduos, A e B, que a um observador externo parecem discriminar as cores corretamente (ou seja, num teste, ambos pegam corretamente o lápis vermelho, apontam para o cartão verde etc.), podem ter suas experiências de cores totalmente invertidas. Dessa forma, ao ver vermelho, A poderia ter a mesma sensação que B tem ao ver verde, e vice-versa. (SEARLE, 2004).

mente, mas não vimos um esforço realmente sério em dizer qual é sua natureza mesma. Boa parte dos funcionalistas não dizem nada sobre a natureza do mental, pois acreditam que as investigações empíricas das neurociências e psicologia um dia poderão responder tal questão. Por ora, os funcionalistas tratam a mente como uma "caixa-preta", ou seja, não querem saber o que há dentro dela, mas apenas como se estabelece suas relações causais com o mundo (SEARLE, 2006). Ademais, um funcionalista poderia dizer que a questão o que é a mente? não faria muito sentido para essa abordagem. A mente, segundo a abordagem funcionalista, seria um conjunto de relações, não uma coisa a ser procurada dentro da cabeça.

Searle (2006) diz que as objeções contra o funcionalismo se dividem em objeções de senso-comum e técnicas. Selecionamos duas, uma de senso-comum e outra técnica. A objeção de senso comum, que nos parece óbvia, é que o funcionalismo parece deixar de lado a característica subjetiva e qualitativa dos estados mentais. Ao tratar a mente como meras relações causais, ela deixa de lado a subjetividade, ou seja, não abre a caixa-preta, apenas observando como é sua relação com o mundo. Esse argumento de senso comum pode ser corroborado com outro um pouco mais técnico, qual seja, o argumento do espectro invertido de Ned Block13.

Um argumento técnico, que vai na mesma linha do espectro invertido, é o da população chinesa, também de autoria de Block. Grosso modo, o argumento se apresenta da seguinte forma: vamos supor que a teoria funcionalista esteja correta e que a mente realmente seja nada além da função causal que desempenha num sistema minimamente complexo. Dessa forma, poderíamos fazer uma mente com bilhões de pessoas (simulando bilhões de neurônios) que agissem de maneira sincronizada, desempenhando determinadas funções, tais como os neurônios desempenham. Então vamos imaginar a população chinesa empenhada nesse grande experimento. Eles devem apertar determinados botões, em momentos precisos, e com a conjunção dessas ações deveremos fatalmente criar uma mente, pois tais ações simulam, de maneira precisa, as funções que os neurônios desempenham no cérebro humano. Contudo, mesmo que esse experimento desse certo e pudéssemos simular uma mente dessa forma, os agentes individuais que participaram do experimento nada sentiriam. Vamos supor que a população chinesa, no experimento, fizesse emergir o estado mental sensação de dor.

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14. Também conhecido por computacionalismo, funcionalismo das máquinas de Turing (Cf. DENNETT, 2006, p. 17-27) ou, como Searle a denominou (Cf. SEARLE, 1980, p. 417-424), Inteligência Artificial Forte.

15. Para um resumo sobre a máquina de Turing, e algumas outras noções técnicas usadas pela IA forte, cf. Teixeira (2004) e Searle (2004, p. 46-52) .

Mesmo que esse estado mental tenha sido gerado, nenhum chinês em particular sentiria dor, mesmo que, em conjunto, eles tivessem imitado a organização funcional apropriada à sensação mental de dor (SEARLE, 2004, 2006).

Apesar das críticas, Searle (2006) diz que o funcionalismo é ainda a abordagem mais forte dentro da filosofia da mente. Isso se deu, em partes, por conta dos grandes avanços da Inteligência Artificial (IA). O curioso é que ambas as abordagens, funcionalismo e inteligência artificial, entraram numa espécie de simbiose. Essa constante troca entre funcionalismo e IA trouxe benefícios para ambas (TEIXEIRA, 2008). Uma acabou complementando a outra. E, como diz o funcionalismo, se não é necessário um cérebro para gerar uma mente, seria possível criar mentes a partir de outros substratos físicos. É exatamente isso que tenta a Inteligência Artificial.

No documento A RELAÇÃO MENTE-CORPO EM JOHN SEARLE (páginas 42-45)