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3.5 Requisitos da captação ilícita de sufrágio

3.5.3 Bem ou vantagem pessoal

Logo na primeira eleição após a entrada em vigor da Lei nº 9.840/99, que introduziu

85 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 309. 86 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 353. 87 GOMES, José Jairo. Direito eleitoral. 12. ed. São Paulo: Atlas, 2016, p. 852.

o art. 41-A à Lei nº 9.504/97, nos anos 2000, pairava incerteza acerca da diferenciação entre brindes e bens ou vantagens, vez que a norma, logo no seu início, excepciona do seu alcance os gastos eleitorais elencados no art. 26 da Lei nº 9.504/97. Não se vislumbrava, na distribuição de brindes de campanha, a tentativa de captar ilicitamente o voto do eleitor, até porque as despesas com a sua produção eram tratadas como gastos de campanha, a rigor do art. 26, XIII, da Lei nº 9.504/97, e, portanto, sujeitos ao controle da Justiça Eleitoral quando da análise da prestação de contas de campanha do candidato. Nesse contexto, o Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Sul, ao decidir consulta formulada pelo Partido Progressista Brasileiro, acolheu o parecer da lavra de Francisco de Assis Vieira Sanseverino, Procurador Regional Eleitoral88, propugnando que,

A distinção do que são brindes (cuja distribuição é permitida) e do que são bens que podem constituir captação de sufrágio (conduta vedada) é feita não com base na natureza do bem, mas sim com base na conjugação de elementos subjetivos e objetivos que envolvem uma situação concreta. Em outras palavras, para saber se há a captação de sufrágio, é de ser analisado o elemento subjetivo, a intenção do candidato (se este possui o fim de obter o voto), e o elemento objetivo, a capacidade do bem ou vantagem oferecida de aliciar o candidato.

Importava à diferenciação entre brindes e bens e vantagens saber se são capazes de persuadir o eleitor. Segundo Thales Cerqueira89, “a distinção entre os bens não deve ser feita

com base na natureza do bem, mas com a conjugação de elementos subjetivos (dolo específico) e objetivos (bens que não sejam arrolados como gastos de campanha) que envolvem a situação concreta”. Brinde passível de corromper o eleitor é tido por bem ou vantagem, na dicção do art. 41-A da Lei nº 9.504/97. Porém, a configuração da captação ilícita de sufrágio demandava ainda o preenchimento de outros requisitos, dentre eles, que esteja presente o especial fim de agir da conduta, que traduz verdadeira elemento subjetivo do ilícito.

O acórdão em referência estabeleceu que, a fim de diferenciar brindes, cuja distribuição era lícita, de bens aptos a viabilizar a caracterização da captação ilícita de sufrágio, não se deveria considerar tão somente a sua natureza. Far-se-ia imprescindível aferir a capacidade do bem ou vantagem de aliciar o eleitor90, de persuadir ou de corrompê-lo. Não

88 SANSEVERINO, Francisco de Assis Vieira. Captação ilícita de sufrágio. Revista do Ministério

Público/Procuradoria-Geral de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, n. 52, p. 171-193, jan./abr.

2004, p. 177. Disponível em:

<http://www.amprs.com.br/public/arquivos/revista_artigo/arquivo_1273861569.pdf>. Acesso em: 30 nov. 2017.

89 CERQUEIRA, Thales Tácito Pontes Luz de Pádua. Direito eleitoral brasileiro. 3. ed. Belo Horizonte: Del Rey,

2004, p. 1.155.

90 SANSEVERINO, Francisco de Assis Vieira. Captação ilícita de sufrágio. Revista do Ministério

Público/Procuradoria-Geral de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, n. 52, p. 171-193, jan./abr.

2004, p. 177-178. Disponível em:

seria exclusivamente o valor econômico do bem ou da vantagem que é capaz de determinar o seu potencial de interferência na liberdade de voto do eleitor. Nem todo bem ou vantagem, por mais dispendioso que seja, interessa-lhe. Também é preciso levar em consideração a sua condição financeira, bem como o grau de necessidade e de aproveitamento do bem ou da vantagem, afinal, o que é essencial para uns, é absolutamente inútil para outros.

No entanto, atualmente, tal distinção parece ter se tornado irrelevante. Isto porque, com o advento da Lei nº 11.300/2006, que revogou o art. 26, XIII, e acresceu o § 6º ao art. 39, ambos da Lei nº 9.504/97, passou-se a vedar a confecção, distribuição e utilização, por comitê, por candidato ou por terceiro, com a sua autorização, de camisetas, chaveiros, bonés, canetas, brindes, cestas básicas ou quaisquer outros bens ou materiais que possam proporcionar vantagem ao eleitor. Segundo Marcelo Roseno91, “assoma claro que a entrega, ou mesmo a

mera promessa, de qualquer benesse [...], por menor que seja o valor, poderá atrair a incidência de sanção”. A partir de então, a distribuição de bens ou materiais de campanha de qualquer natureza, desde que passíveis de proporcionar vantagem ao eleitor, podem configurar o ilícito previsto no art. 41-A da Lei nº 9.504/97.

Ademais, o bem ou vantagem doado, oferecido, prometido ou entregue deve trazer benefício de caráter pessoal ao eleitor, individualmente usufruível92. Ao revés, “promessas de

campanha dirigidas indistintamente a eleitores sem referência a pedido de voto”93 e “promessas

genéricas, sem o objetivo de satisfazer interesses individuais e privados”94, não constituem bens

ou vantagens aptos à caracterização da captação ilícita de sufrágio, por não terem o condão de proporcionar benefício pessoal ao eleitor, de acordo com o entendimento do TSE. Contudo,

91 OLIVEIRA, Marcelo Roseno de. Direito eleitoral: reflexões sobre temas contemporâneos. Fortaleza: ABC

Editora, 2008, p. 160-161.

92 “A vantagem que constitui captação de sufrágio é aquela que não é coletiva (ou seja, que não é outorgada a um

número indeterminado de pessoas) e que visa a cooptar o voto de um eleitor específico, individualizado, e não o de uma comunidade difusa. Se a vantagem outorgada transcender a pessoas determinadas, específicas, não haverá captação ilícita de sufrágio. Além disso, ainda que as pessoas sejam determináveis ou determinadas, é necessário que a vantagem outorgada seja individualmente usufruída, não as beneficiando coletivamente. Nessa segunda hipótese, em que a vantagem ofertada ou efetivamente dada não tem natureza pessoal, poder-se-á estar diante de abuso de poder econômico, a depender da probabilidade que tenha para influenciar o resultado do pleito (relação de causalidade).”. (COSTA, Adriano Soares da. Captação ilícita de sufrágio: novas reflexões em decalque. Paraná Eleitoral, Tribunal Regional Eleitoral do Paraná, Curitiba, n. 50, out./dez. 2003. Disponível em: <http://bibliotecadigital.tse.jus.br/xmlui/handle/bdtse/505>. Acesso em: 7 dez. 2017).

93 BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Recurso Especial Eleitoral nº 35.352. Relator: Ministro Fernando

Gonçalves. Brasília, DF, 8 de abril de 2010. Diário de Justiça Eletrônico. Brasília, 7 jun. 2010, p. 30. Disponível em: <http://www.tse.jus.br/jurisprudencia/decisoes/jurisprudencia>. Acesso em: 30 nov. 2017.

94 BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Agravo de Instrumento nº 4.422. Relator: Ministro Fernando Neves da

Silva. Brasília, DF, 9 de dezembro de 2003. Diário de Justiça. Brasília, 12 mar. 2004. v. 1, p. 121. Disponível em: <http://www.tse.jus.br/jurisprudencia/decisoes/jurisprudencia>. Acesso em: 30 nov. 2017. No mesmo sentido, ver: BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Agravo de Instrumento nº 5.498. Relator: Ministro Gilmar Ferreira Mendes. Brasília, DF, 27 de setembro de 2005. Diário de Justiça. Brasília, 28 out. 2005, p. 134. Disponível em: <http://www.tse.jus.br/jurisprudencia/decisoes/jurisprudencia>. Acesso em: 30 nov. 2017.

Rodrigo Zilio95 destaca que,

[...] se a promessa de campanha consistir em ‘bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza, inclusive emprego ou função pública’ dirigida a eleitor determinado ou determinável sai de cena a licitude propalada e há a configuração da figura vedada pelo art. 41-A da Lei das Eleições. O pretendente a mandato eletivo, como futuro administrador público, deve ter em vista o bem-comum da coletividade, e é pela adesão ao seu plano e método de governo que deve haver o convencimento do eleitorado.

Também não é qualquer benefício que se mostra hábil à perfeição do ilícito em comento. Ante as incongruentes soluções que o rigor da interpretação literal da norma poderia conduzir o intérprete, é preciso temperar o seu sentido e o seu alcance. Nessa toada, o benefício experimentado pelo eleitor, a depender das nuances da casuística, deve ser incompatível com a aparente contraprestação, deixando entrever que, na verdade, a contraprestação é o seu voto.

A título exemplificativo, a contratação de eleitor para prestar serviço às candidaturas ou aos comitês eleitorais, nos moldes do art. 26, VII, da Lei nº 9.504/97, traz-lhe o benefício de auferir renda. Certamente, frente a uma situação de desemprego, a vantagem pessoal para o eleitor é inegável. Entretanto, neste cenário, o benefício é contrabalanceado pela prestação dos serviços contratados, sendo impassível de atrair a incidência do art. 41-A da Lei nº 9.504/97, exceto nos casos em que a sua concessão seja condicionada à obtenção do voto, ocasião na qual o especial fim de agir estaria manifesto.

O mesmo não ocorre com a contratação disfarçada de eleitores para supostamente prestar serviços ao candidato ou aos comitês eleitorais, servindo como justificativa para a entrega de valores. Há, nestes casos, o benefício do eleitor através da aquisição pecuniária sem a devida contraprestação, restando evidente o seu enriquecimento ilícito e a finalidade de obter- lhe o voto, uma vez que é incongruente crer que, mesmo não havendo pedido explícito de votos, o candidato, em período eleitoral, distribua valores ao eleitorado por qualquer outo motivo que não seja angariar voto. Além de o benefício auferido pelo eleitor ser desarrazoado, indicando que existe forma de contraprestação implícita, o voto é insuscetível de comercialização, constituindo causa antijurídica de enriquecimento. Em razão disto, “a situação configura claramente a entrega de dinheiro em troca do voto, travestida de contratação de mão-de-obra: captação ilícita de sufrágio, portanto.”96.

É de se concluir, finalmente, que, muito embora bens ou vantagens de qualquer

95 ZILIO, Rodrigo López. Captação ilícita de sufrágio: art. 41-A da Lei nº 9.504/97. Revista do TRE/RS, Porto

Alegre, v. 9, n. 18, p. 23-50, jan./jun. 2004, p. 30. Disponível em:

<http://bibliotecadigital.tse.jus.br/xmlui/handle/bdtse/832>. Acesso em: 21 nov. 2017.

96 OLIVEIRA, Marcelo Roseno de. Direito eleitoral: reflexões sobre temas contemporâneos. Fortaleza: ABC

natureza, em tese, estejam abrangidos pelo art. 41-A da Lei nº 9.504/97, faz-se imprescindível a analise do caso concreto no sentido de aferir a potencialidade de corrupção da vontade do eleitor através do grau de benefício percebido, já que a norma tutela a liberdade do eleitor e, quando esta não tenha sido maculada, é incabível a aplicação das sanções a ela cominadas.