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3.5 Requisitos da captação ilícita de sufrágio

3.5.5 Especial fim de agir: dolo na obtenção do voto

Quando concebido, o art. 41-A da Lei nº 9.504/97 não dispunha dos parágrafos 1º a 4º, os quais foram acrescidos ulteriormente pela Lei nº 12.034/2009. Sob égide tão somente do caput do dispositivo legal mencionado, o TSE113, no princípio, firmou entendimento de que

era necessário o pedido expresso de voto para a configuração da captação ilícita de sufrágio. Tal exigência jurisprudencial, segundo Marcelo Roseno de Oliveira114, deveu-se ao fato de que, [...] durante a tramitação do projeto [Projeto de Lei nº 1.517/99] que culminou com a edição da Lei 9.840/99, outra inovação ao texto foi introduzida, dele passando a constar que o oferecimento da benesse deveria ser distinguido pelo “fim de obter o voto”.

O projeto contemplava, como aliás, era muito razoável, a presunção de que, sendo a benesse prometida ou entregue no período eleitoral, a finalidade sempre seria a de captar o voto. A modificação ensejou, contudo, uma inversão do ônus da prova, cabendo ao representante demonstrar que a oferta tem finalidade eleitoral, construindo-se, a partir daí, a linha jurisprudencial de que a infração somente estaria configurada diante do “pedido expresso de votos” [...].

A expressão “com o fim de obter-lhe o voto” não fora concebida na redação originária do Projeto de Lei nº 1.517/99, tendo sido introduzida posteriormente pelos congressistas115. Essa alteração promoveu uma inversão no ônus da prova, porquanto caberia

ao acusador evidenciar a finalidade da conduta imputada, vigorando, com isso, presunção em favor do candidato.

112 SANSEVERINO, Francisco de Assis Vieira. Captação ilícita de sufrágio. Revista do Ministério

Público/Procuradoria-Geral de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, n. 52, p. 171-193, jan./abr.

2004, p. 183. Disponível em:

<http://www.amprs.com.br/public/arquivos/revista_artigo/arquivo_1273861569.pdf>. Acesso em: 30 nov. 2017.

113 BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Recurso Ordinário nº 696. Relator: Ministro Fernando Neves Da Silva.

Brasília, DF, 18 de fevereiro de 2003. Diário de Justiça. Brasília, 12 set. 2003. v. 1, p. 120. Relator p/ acórdão

Ministro: Marcelo Henriques Ribeiro de Oliveira. Disponível em:

<http://www.tse.jus.br/jurisprudencia/decisoes/jurisprudencia>. Acesso em: 30 nov. 2017. No mesmo sentido, ver: BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Recurso Ordinário nº 772. Relator: Ministro Humberto Gomes de Barros. Brasília, DF, 29 de junho de 2004. Diário de Justiça. Brasília, 5 nov. 2004, p. 159. Disponível em: <http://www.tse.jus.br/jurisprudencia/decisoes/jurisprudencia>. Acesso em: 30 nov. 2017.

114 OLIVEIRA, Marcelo Roseno de. Direito eleitoral: reflexões sobre temas contemporâneos. Fortaleza: ABC

Editora, 2008, p. 165-166.

115 CERQUEIRA, Thales Tácito Pontes Luz de Pádua. Direito eleitoral brasileiro. 3. ed. Belo Horizonte: Del

Deste modo, a exigência de pedido expresso de votos para a caracterização da captação ilícita de sufrágio viria para fragilizar o instituto. A mentalidade do homem médio, como o único ser da natureza dotado de raciocínio, permite-o inferir, de forma comezinha, quando a doação, a oferta, a promessa ou a entrega de benesse a eleitor, pelo candidato ou por terceiro, objetiva captar-lhe o voto, mesmo que não haja manifestação expressa ou mesmo qualquer menção explícita à contraprestação esperada.

Na tentativa de superar o entendimento jurisprudencial até então dominante, Marcelo Roseno de Oliveira faz alusão ao Recurso Ordinário nº 773/RR116, julgado pelo TSE

em 24 de agosto de 2004, no qual o voto do relator117, Ministro Humberto Gomes de Barros,

apoiado na jurisprudência assentada, restou vencido, tendo, o voto do relator para acórdão, Ministro Carlos Velloso, acompanhado pelo voto-vista do Ministro Gilmar Mendes e pelos votos dos Ministros Sepúlveda Pertence e Francisco Peçanha Martins, dispensado o pedido expresso de voto para reconhecer a prática do ilícito. Com isso, deu-se o primeiro passo rumo à desnecessidade de pedido expresso de voto para a caracterização da captação ilícita de sufrágio, tese que somente veio a se consolidar, ainda de acordo com o autor, com o julgamento do Recurso Especial nº 25.146118 , em 7 de julho de 2006, no qual o relator para acórdão,

Ministro Marco Aurélio, abriu divergência do voto do relator, Ministro Gilmar Mendes, que, desta vez, consagrara o entendimento prevalente à época acerca da necessidade de pedido expresso de voto para a caracterização da captação ilícita de sufrágio.

Neste voto divergente119, consignou-se o entendimento predominante até hoje, que

mais adiante seria corroborado pela Lei nº 12.034/2009 ao acrescentar o parágrafo 1º ao art. 41- A da Lei nº 9.504/97, no sentido de que a consecução de qualquer das condutas imanentes à captação ilícita de sufrágio, desde o registro de candidatura até o dia do pleito, implicaria na

116 “Para caracterização da conduta ilícita é desnecessário o pedido explícito de votos, basta a anuência do

candidato e a evidência do especial fim de agir.”. (BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Recurso Ordinário nº 773. Relator: Ministro Humberto Gomes de Barros. Brasília, DF, 24 de agosto de 2004. Diário de Justiça. Brasília, 6 maio 2005, p. 150, Relator p/ acórdão: Ministro Carlos Mário da Silva Velloso. Disponível em: <http://www.tse.jus.br/jurisprudencia/decisoes/jurisprudencia>. Acesso em: 30 nov. 2017).

117 Acompanharam o relator os Ministros Luiz Carlos Madeira e Caputo Bastos. (BRASIL. Tribunal Superior

Eleitoral, op. cit., 150).

118 BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Recurso Especial Eleitoral nº 25.146. Relator: Ministro Gilmar Ferreira

Mendes. Brasília, DF, 7 de março de 2006. Diário de Justiça. Brasília, 20 abr. 2006, p. 124, Relator p/ acórdão

Ministro Marco Aurélio Mendes de Farias Mello. Disponível em:

<http://www.tse.jus.br/jurisprudencia/decisoes/jurisprudencia>. Acesso em: 30 nov. 2017.

119 Seguiram a divergência os Ministros Humberto Gomes de Barros, Caputo Bastos, Gerardo Grossi e César

Asfor Rocha, que, em seu voto parcialmente vencido, fez referência ao julgado trazido anteriormente, nos seguintes termos: “Mais recentemente, por ocasião do julgamento do Recurso Ordinário nº 773, o TSE evoluiu para considerar que é desnecessário o pedido explicito de votos, bastando a anuência do candidato e a presença evidente do especial fim de agir”. (BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral, op. cit., 124).

presunção do escopo de obter o voto do eleitor, haja vista a excepcionalidade da filantropia, dispensando-se, por isso, o pedido expresso de voto.

Atualmente, para que se configure a captação ilícita de sufrágio, “não é preciso que haja ‘pedido expresso de voto’ por parte do candidato. Tal exigência, além de não constar na regra em apreço, certamente acarretaria seu esvaziamento, tornando-a inócua.”120. Além disso,

embora a obtenção do voto esteja expressamente consagrada no art. 41-A, caput e § 1º, da Lei nº 9.504/97 como sendo a especial finalidade da atuação do agente, o TSE121 já entendeu que

a prática de quaisquer das condutas típicas destinadas a obter a abstenção de voto por parte de eleitor, por analogia, também é reprimida pela norma, tendo em vista que a obtenção e a abstenção do voto são fins equiparados no tipo penal correlato, previsto no art. 299 do Código Eleitoral.

Todavia, o TSE122 entende que “a doação de combustível visando à presença em

comício e ao apoio a campanha eleitoral não consubstancia, por si só, captação vedada pelo artigo 41-A da Lei no 9.504/97”, pois, a priori, essa situação não denotaria a finalidade de obter o voto. Somente com o pedido explícito ou implícito de voto é que a distribuição de combustível com o fito de viabilizar atos de campanha configuraria captação ilícita de sufrágio123. Por outro

lado, também de acordo com a Corte124 , “a doação de combustível, quando realizada

indiscriminadamente a eleitores, evidencia, ainda que implicitamente, o fim de captar-lhes o voto, caracterizando o ilícito eleitoral descrito no art. 41-A da Lei n° 9.504/97.”.

Em conclusão, o dolo, na captação ilícita de sufrágio, é a consciência e a vontade de praticar quaisquer das condutas típicas, orientadas pelo objetivo de obter o voto do eleitor. É possível extrai-lo do contexto em que houve a prática do ilícito, das circunstâncias que revestem o evento, do comportamento e das relações dos envolvidos125.