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3.2 O INCENTIVO ESTATAL AO EMPREGO DE AGROTÓXICOS NA

3.2.2 Benefícios fiscais

Os benefícios fiscais podem ser compreendidos como “uma espécie de gasto público indireto, feito por meio do sistema tributário, que também visam alcançar determinados objetivos de interesse público” (PELLEGRINI, 2018, s/p).

Nos termos da Lei Complementar n. 101/2000, a alteração de alíquota, a modificação da base de cálculo e a isenção constituem espécies de benefícios (BRASIL, 2000).

Nesse sentido, o Conselho Nacional de Política Fazendária (CONFAZ), órgão que integra a estrutura do Ministério da Economia e tem como atribuição o desenvolvimento de ações direcionadas ao desenvolvimento de políticas, uniformização de procedimentos e normas necessárias ao exercício da competência tributária (BELCHIOR; PACOBAHYBA, 2016), por meio do Convênio ICMS n. 100/97, diminuiu a base de cálculo do ICMS em 60% de diversos insumos agrícolas e ainda, em sua cláusula terceira atribuiu aos estados e ao Distrito Federal, competentes para a cobrança do referido tributo, a possibilidade de conceder isenção a esses mesmos produtos (BELCHIOR; PACOBAHYBA, 2016).

Cabe esclarecer que a isenção constitui “uma dispensa legal no campo da tributação”, isto é, embora o fator gerador tenha se concretizado, o que provoca a caracterização da relação jurídico-obrigacional entre o contribuinte e aquele que arrecada o tributo, não há recolhimento, pois a lei limita o exercício da competência tributária ao dispor sobre determinadas situações que não são abrangidas pela incidência do tributo (SABBAG, 2010, p. 281-282).

Os insumos agrícolas mencionados estão dispostos no inciso I da cláusula primeira do Convênio, o qual abrange, entre outros: “os inseticidas, fungicidas, formicidas, herbicidas, parasiticidas, germicidas, acaricidas, nematicidas, raticidas, desfolhantes, dessecantes, espalhantes, adesivos, estimuladores e inibidores de crescimento [...]” (CONFAZ, 1997, s/p). Diante disso, Belchior e Pacobahyba (2016, p. 17) observam que a redução da base de cálculo, bem como a isenção configuram uma “sanção premial”, pois, na prática, diminuem a

tributação sobre a indústria dos agrotóxicos e por conseguinte, estimulam a comercialização das substâncias químicas, o que não se coaduna com a necessidade de gerenciar os riscos que decorrem do modelo de sociedade no qual esse sistema está inserido.

Além de constituir um desrespeito à proteção da saúde e segurança alimentar, o incentivo aos agrotóxicos custa caro à Administração Pública, uma vez que, segundo o Fórum Catarinense de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos e Transgênicos (2019), com a isenção do ICMS na comercialização de agrotóxicos, somente Santa Catarina deixou de arrecadar 407.308.650,00 milhões de reais, o que representa 15% do orçamento do estado destinado à saúde que alcança o montante de 2.082.000.000,00 bilhões de reais.

Existem, ainda, outros benefícios como aquele disposto na Lei n. 10.925/2004 que reduziu a zero as alíquotas de encargo tanto para o PIS/PASEP ​quanto para a ​COFINS que recai sobre a importação e a comercialização de agrotóxicos (FCCIAT/SC, 2019).

Como se não bastasse, o Decreto n. 8.950/2016 prevê a isenção do IPI sobre os ingredientes ativos utilizados na produção dos agrotóxicos ​(FCCIAT/SC, 2019).

Sobre esse aspecto, vale mencionar as observações realizadas pela Procuradoria-Geral da República na Ação Direta de Inconstitucionalidade 5.553/DF (BRASIL, 2017), que tinha como intuito declarar inconstitucionais as cláusulas primeira e terceira do Convênio ICMS 100/97 do CONFAZ, bem como o Decreto n. 7.660/2011, no que diz respeito à isenção de IPI aos agrotóxicos, pois um dos pontos considerados para opinar pela procedência do pedido foi o contexto de incertezas no qual a ligação entre agrotóxicos e saúde está inserido, fato que por si só deveria servir de advertência para o Fisco não estabelecer benefícios para esse tipo de produto, tendo em vista que, apesar das lacunas científicas, existem diversas investigações que atestam o vínculo entre agrotóxicos e malefícios à saúde.

Outro ponto interessante abordado pela Procuradoria-Geral da República (BRASIL, 2017) diz respeito ao reconhecimento da política fiscal brasileira como um verdadeiro incentivo aos agrotóxicos, bem como a contradição da atuação estatal, uma vez que, embora tenha sido instituído o Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica por meio do Decreto n. 7.794/2012, na prática, o Estado continua estimulando o emprego de agrotóxicos e a manutenção do sistema agrícola atual.

Isso posto, é importante comparar, em termos quantitativos, o grau de fomento aos agrotóxicos e à agroecologia, bem como à produção orgânica, sendo estes dois últimos modelos justamente o oposto do sistema agrícola atual ​(FCCIAT/SC, 2019)​.

No caso dos agrotóxicos, se somente o valor deixado de arrecadar com o ICMS em Santa Catarina for levado em consideração, será possível perceber que há mais de 400 milhões de reais em incentivo, por outro lado, tendo em vista os recursos previstos no Programa Estadual de Agrobiodiversidade, constata-se que há a reserva de apenas 3.007.000,00 milhões de reais, os quais, possivelmente, poderão ser somados aos 25.000.000,00 milhões provenientes do Programa Terra Boa e do Fundo Estadual de Sanidade Animal ​(FCCIAT/SC, 2019).

Contudo, ainda assim, percebe-se uma enorme discrepância entre os dois ramos, fato que influencia diretamente na comercialização dos seus respectivos produtos. Essa comparação realizada pelo Fórum Catarinense de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos e Transgênicos reforça aquilo já afirmado pela Procuradoria-Geral da República, isto é, ao estimular o emprego de agrotóxicos por meio dos benefícios fiscais, o Estado caminha no sentido contrário da sua própria legislação, de modo que não somente a proteção consumerista é ignorada, como também as tentativas de instituir uma política agrícola menos agressiva.

Retomando o conceito de benefício fiscal que está diretamente relacionado à concretização de objetivos de interesse público, de fato, é difícil compreender de que modo uma política fiscal que estimula o setor dos agrotóxicos pode efetivar os interesses da coletividade quando a própria sociedade se coloca contra, como é possível perceber por meio de alguns abaixo assinados, como é o caso da plataforma “Chega de Agrotóxicos!” que já conta com 1.711.801 assinaturas (2019), bem como quando os preceitos da legislação consumerista são considerados.

Embora o quadro atual seja bastante preocupante, é possível que ele se torne ainda mais gravoso, pois tramita na Câmara dos Deputados um Projeto de Lei que tem como finalidade alterar dispositivos importantes da atual legislação que regula os agrotóxicos.

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