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Como exposto, na sociedade de risco, o Direito se encontra refém de uma orientação científica que não lhe garante segurança como outrora, mas tão somente imprecisão, o que dificulta a sua atuação, porém, ao mesmo tempo, não pode ser razão para incapacitá-lo de regular temas inadiáveis, bem como de salvaguardar os direitos dos indivíduos (PARDO, 2015).

Essa nova concepção do Direito está vinculada à sociedade de risco que, por sua vez, está ligada à sociedade de consumo, todos esses elementos são importantes, pois demonstram o quanto o consumidor está exposto às consequências do modelo social no qual está inserido.

À vista disso, Benjamin, Marques e Bessa (2007) esclarecem que as transformações na maneira de produzir e comercializar inseridas nas três revoluções industriais estão diretamente relacionadas à formação da sociedade de consumo e à posição de vulnerabilidade na qual o consumidor foi submetido.

Enquanto cisão inicial do Direito, a primeira revolução, conhecida pelo carvão e pelo aço, trouxe a massificação, a industrialização e consequentemente, a despersonalização da produção, bem como, em virtude do progresso do transporte, a distribuição de bens de consumo (BENJAMIN, MARQUES E BESSA, 2007).

Na segunda revolução, em virtude do taylorismo e do fordismo , houve a ampliação 4 da produção e da distribuição, além da massificação das contratações por meio dos contratos de adesão, o que potencializou a despersonalização da produção e da relação contratual (BENJAMIN, MARQUES E BESSA, 2007).

Por fim, a terceira revolução, identificada pela informatização e pela globalização da economia, representou a segunda cisão, pois revelou a incapacidade do Direito de atribuir soluções às questões, sendo percebida como uma verdadeira crise de legitimação que agravou a posição de vulnerabilidade do consumidor (BENJAMIN, MARQUES E BESSA, 2007).

Essa sociedade de consumo formada ao longo das três revoluções mescla-se à sociedade de risco, uma vez que o surgimento dos riscos se vincula à produção em massa (BAGGIO, 2010).

Nesse sentido, Marques (1998, p. 49) destaca que, na sociedade de massa, em virtude do sistema de produção e de distribuição em larga escala, por razões de economia e praticidade, o comércio se tornou despersonalizado e a forma de contratação passou a ser padronizada.

A despersonalização e a massificação estão diretamente relacionadas aos riscos que o consumidor está exposto e por conseguinte, ao agravamento da sua vulnerabilidade. Nessa perspectiva, o caso do Ford Pinto se mostra um importante exemplo para ilustrar de que forma os interesses do mercado podem se sobrepor aos direitos do consumidor.

4​Ribeiro (2015, p. 66) explica que o taylorismo é caracterizado pela “gerência científica do trabalho” e “pelos

métodos de experimentação do trabalho, regras e maneiras padrões de executar o trabalho”, sendo essas regras “obtidas pela melhor equação possível entre tempo e movimento”. O fordismo, por sua vez, também possuía o controle do processo de trabalho como base e intensificou a ideia de Taylor com a inserção da esteira rolante, o objetivo não se limitava ao domínio do trabalho, mas abrangia também a adesão dos trabalhadores.

O Ford Pinto foi lançado na década de 70 nos Estados Unidos e tinha como característica principal o grande espaço interno, mas, ainda assim, conseguir ser compacto (BASSO, 2019). Ocorre que, para ser mais espaçoso, o seu tanque de combustível foi inserido na parte traseira do carro, de modo que a colisão nessa parte do automóvel se tornou capaz de provocar a explosão imediata (BASSO, 2019).

Mais tarde, descobriu-se que a Ford detinha conhecimento dos riscos, pois já havia analisado os custos com possíveis indenizações de vítimas das explosões com os automóveis, sendo que, como os estudos apontaram que seria mais barato indenizar os consumidores do que evitar mediante um ajuste em todos os carros, a Ford preferiu se abster de qualquer correção (BASSO, 2019).

Como se não bastasse o exposto, diante das relações massificadas e naturalmente desequilibradas, o indivíduo se torna um objeto passível de manipulação (BAGGIO, 2010). Sendo assim, os riscos são integrados ao próprio funcionamento da sociedade, pois, além de estarem relacionados à ciência e à tecnologia, estão presentes nas decisões resultantes do processo de escolha dos bens de consumo (BAGGIO, 2010).

Nessa lógica, Baggio (2010) esclarece que o vínculo entre o consumo e os riscos pode ser verificado no momento da tomada de decisão pelo consumidor, haja vista que a escolha de qual produto ou serviço adquirir é fortemente influenciada, sobretudo, pela publicidade.

Ainda a respeito desse aspecto, é interessante salientar que, segundo Bauman (2008), essa sociedade de consumidores estimula determinado estilo de vida, logicamente ligada a uma estratégia de consumismo, e ignora todas as demais alternativas. Há a adoção de um modelo que incentiva a procura por um tipo de mercado específico pelos indivíduos que, na tentativa de obterem a cobiçada inclusão aos círculos sociais, desejam o que é posto como necessário para a sua sobrevivência (BAUMAN, 2008).

Esse condicionamento pode ser feito de forma explícita, isto é, por meio do reforço dos interesses intitulados como objetivos da própria nação ou de modo oblíquo, método característico da sociedade de consumidores, mediante o estímulo de “certos padrões comportamentais, assim como pela adoção de determinados modelos de solução de problemas” que garantem a manutenção do sistema (BAUMAN, 2008, p. 90).

Assim, o poder da influência vinculado aos padrões estimulados pode fazer com que o consumidor não compreenda ou até mesmo não consiga visualizar as possíveis consequências de determinado produto ou serviço, fato que se mostra bastante gravoso, tendo em vista, que,

como explica Baggio (2010), muitas vezes, os riscos da atividade empresarial são transferidos ao consumidor quando não há informações suficientes sobre aquilo que é ofertado, o serviço não é prestado de forma adequada ou quando o produto não preenche as expectativas do consumidor.

Frutas, verduras e hortaliças são exemplos de produtos desprovidos de informação adequada, bem como daquele que não atinge a expectativa do consumidor, uma vez que, por serem produzidos com agrotóxicos, ao invés de constituírem importantes elementos de uma alimentação saudável, podem provocar malefícios à saúde, conforme pesquisas já constataram.

De igual modo, os alimentos acrescidos de agrotóxicos fazem parte de um modelo agrícola adotado em detrimento de um mercado menos dependente dessas substâncias químicas, o que se coaduna com aquilo exposto por Bauman (2008), uma vez que existe um padrão que é fomentado e encarado como a única solução para o problema das pragas que atingem a agricultura, ou seja, há uma verdadeira política de consumo focada na obrigatoriedade de emprego de agrotóxicos nos alimentos que impede o desenvolvimento de um outro tipo de mercado que, embora exista, ainda é muito incipiente, como será melhor abordado adiante.

Frente ao exposto, denota-se que o consumidor, naturalmente em desvantagem na relação de consumo, seja em razão do aspecto técnico, econômico ou jurídico, encontra-se também vulnerável aos riscos relacionados aos produtos e serviços expostos no mercado, isto é, em uma sociedade de risco e de consumo, o consumidor é sujeito duplamente vulnerável, o que, apesar de ser preocupante, ainda é relegado a um segundo plano pelo Estado.

Por mais que o risco zero não seja algo alcançável e que “a única certeza na sociedade de risco seja a incerteza” (LOPEZ, 2010, p. 1.225), o Estado, seja por meio do sistema jurídico ou do sistema político, não pode se furtar da proteção conferida pela legislação brasileira ao consumidor que se vê obrigado a consumir, diariamente, um produto essencial, mas que é capaz de atentar contra a sua saúde: o alimento (acrescido de agrotóxico).

Tendo isso em vista, o capítulo seguinte demonstrará de que forma os agrotóxicos foram inseridos na agricultura, qual é a dimensão, em números, do seu emprego no Brasil e por fim, as consequências negativas que podem decorrer do seu consumo a longo prazo, de modo que seja possível visualizar concretamente a vulnerabilidade que o consumidor está exposto.

2 OS MALEFÍCIOS DECORRENTES DOS AGROTÓXICOS

Como evidenciado no capítulo anterior, a formação da sociedade de risco mudou a concepção dos riscos, pois esses passaram a ser atemporais, invisíveis e desprovidos de limites territoriais (BECK, 2011). Tal mudança impactou o Direito e consequentemente, a atuação do Estado, de modo que a ciência, incapaz de atribuir respostas precisas às dúvidas inerentes ao modelo social, ofuscou os mecanismos de decisão tradicionais e implementou um sistema científico-técnico-econômico (BECK, 2011; PARDO, 2015).

O consumidor, parte dessa sociedade de riscos e também de consumo, encara os riscos, muitas vezes, sem conhecê-los, enquanto as autoridades competentes, mergulhadas em discussões intermináveis, não alcançam um denominador comum e uma resposta capaz de garantir o mínimo de proteção aos direitos básicos do consumidor, sendo o emprego de agrotóxicos nos alimentos um claro exemplo desse perigoso ciclo.

Desde a década de 60, com a Revolução Verde que surgiu acompanhada de promessas de modernização do campo, elevação da produção e eliminação da fome, o sistema agrícola brasileiro está pautado na utilização de agrotóxicos (LAZZARI; SOUZA, 2017; SANTILLI, 2009).

Entre os anos de 2007 e 2014, a comercialização de agrotóxicos no Brasil saltou de 623.353.689 quilogramas para 1.552.998.056 quilogramas, sendo o glifosato o agrotóxico mais comercializado (BRASIL, 2018).

Apesar disso, não é possível confirmar que existe uma larga produção de alimentos voltados ao mercado interno, um dos objetivos da Revolução Verde, o que está relacionado ao próprio modelo de agricultura que privilegia as monoculturas, sobretudo da soja, em detrimento de alimentos para a população (BOMBARDI, 2017).

Ademais, a modernização do campo e por conseguinte, o emprego massivo de substâncias químicas resultou no consumo de alimentos com resíduos de agrotóxicos, como demonstrou o Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos (PARA) desenvolvido pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), sendo que das 12.051 amostras somente 5.062, isto é, 42% estavam livres de agrotóxicos (ANVISA, 2016).

Perante o exposto, a despeito das dificuldades e incertezas científicas, após visualizar o contexto no qual a sociedade brasileira está inserida, faz-se necessário analisar de que forma

os agrotóxicos impactam a saúde do consumidor e tornam o alimento um produto defeituoso, fatos que violam a lógica consumerista.

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