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Os resultados mostraram que o impacto dos acordos comerciais sobre as propriedades ocorreu diretamente, através da mudança no uso do solo decorrente da própria implantação de

91 CLAY, J. Business and Biodiversity: rainforest marketing and beyond. In: VANCE, N. C.; THOMAS, J. (eds.)

Special forest products-biodiversity meets the marketplace: sustainable forestry seminar series. Washington, DC: United Nations Development Agency (USDA), 1997.

cultivos para a produção das matérias-primas demandas pela empresa e, indiretamente, através da implantação de novos cultivos por meio do investimento da renda gerada através das atividades abrangidas pelos acordos. De acordo com Kusters, Achdiawan, Belcher e Pérez(2006), a influência das relações comerciais entre empresa e grupos locais nas decisões sobre o uso da terra são potencialmente os efeitos ambientais mais importantes destas parcerias. Outros efeitos constatados dizem respeito a mudanças nos tipos de manejo e insumos empregados, assim como na alocação do tempo dedicado às culturas presentes nas propriedades.

Dessa forma, observou-se que no período entre 2001 e 2009 houve um impacto positivo sobre a diversidade de espécies cultivadas nas propriedades. Inicialmente um incremento do número de espécies cultivadas ocorreu através da inserção das espécies sob demanda da empresa e, ao longo da relação comercial, a geração de renda permitiu o investimento no cultivo de novas espécies que atualmente constituem fontes de rendas suplementares e podem constituir no futuro fontes de renda alternativas para as famílias dos pequenos produtores, como é o caso de diferentes espécies produtoras de palmito, frutíferas, hortaliças e eucalipto. Cabe colocar que para a inserção de tais espécies não houve supressão de vegetação nativa, pois as mesmas foram inseridas em áreas ocupadas por outras culturas intensivas, dentro de SAFs, ou em áreas ocupadas por pastagens.

Por outro lado, em duas das propriedades algumas das áreas anteriormente utilizadas para o cultivo de feijão passaram a ser utilizadas para o cultivo do maracujá-doce e áreas antes utilizadas para o plantio de milho foram transformadas em áreas cultivadas com palmito pupunha e outras espécies frutíferas. Observou-se que no caso da substituição da cultura do feijão pela do maracujá-doce, não houve alteração no valor e função ambiental das áreas, devido ao fato de ambas constituírem usos intensivos do solo. No caso da substituição das áreas ocupadas com o cultivo do milho pelo cultivo de palmito consorciado com espécies frutíferas houve incremento do valor e função ambiental das áreas, pois houve mudança do sistema de monocultivo intensivo para sistemas menos intensivos e mais diversificados.

De outra perspectiva, pode-se constatar que os cultivos do feijão e do milho substituídos em tais áreas eram utilizados antes da realização dos acordos comerciais com a empresa para a subsistência dessas famílias, assim como, para a geração de renda. Embora tenham sido substituídos em determinadas áreas e sua ocupação tenha sido reduzida dentro de duas propriedades, estas culturas não foram completamente abandonadas por parte destes produtores.

Não obstante, no caso do feijão, as áreas atualmente cultivadas em ambas as propriedades tornaram-se insuficientes para o consumo das próprias famílias. Assim, a realização de mais estudos se torna imprescindível para um melhor entendimento dos efeitos do envolvimento de diferentes grupos locais em acordos comerciais para o acesso e utilização da biodiversidade sobre as atividades relacionadas à subsistência.

Em um estudo realizado por Morsello e Adger (2007) sobre uma parceria entre a empresa de cosméticos The Body Shop e a comunidade indígena A‟Ukre-Kayapó também foram observadas transformações indiretas nas práticas de subsistência. De acordo com estes autores, as unidades domésticas que mais se empenharam na produção ou as que ganhavam mais renda com a atividade eram as que limpavam maior área para agricultura devido ao abandono da prática da coleta de alimentos na floresta. Já no caso enfocado pelo presente estudo, devido ao maior grau de integração ao mercado por parte dos produtores envolvidos, assim como, devido ao menor isolamento geográfico do que aquele enfrentado por comunidades indígenas na Amazônia, ao invés do incremento da prática da agricultura de subsistência nas famílias mais empenhadas na produção, observou-se sua redução significativa aliada à maior dependência por alimentos comprados.

Embora possa-se afirmar que envolvimento de parte dos produtores nos acordos comercias tenha influenciado a redução das áreas cultivadas com feijão e milho através da mudança do tempo alocado para os cuidados com estas culturas, esta tendência pôde ser constatada em diversas pequenas propriedades no município, devido aos seguintes fatores: instabilidade na produtividade devido à variações climáticas, instabilidade de preço para a comercialização e queda na produtividade devido ao esgotamento dos solos cultivados.

Assim, de modo geral a queda na produção de alimentos para subsistência nas famílias dos produtores que estiveram mais envolvidos no fornecimento de matérias-primas para a empresa acarretou numa maior dependência por alimentos produzidos fora das propriedades e, consequentemente, numa maior dependência econômica em relação ao fornecimento de matérias- primas para a empresa. Sob essa perspectiva, tais aspectos podem ser considerados como efeitos negativos dos acordos por tornarem os produtores mais dependentes da comercialização de um reduzido número de matérias-primas e da empresa como única compradora. Conforme coloca Morsello (2006) [...] parcerias são mais desejáveis quando evitam “trade-offs” entre o trabalho e

a produção de comida, particularmente o cultivo agrícola para a subsistência” (MORSELLO, 2006, p. 489).

Outras mudanças verificadas, dizem respeito aos tipos de manejo empregados e insumos utilizados nas culturas dentro das propriedades. Dessa forma, após o estabelecimento da relação entre empresa e produtores em 2001, verificou-se o abandono da prática da agricultura de corte e queima em três propriedades e do uso de agrotóxicos em uma delas. Tais mudanças podem ser consideradas impactos positivos da parceria entre produtores e empresa e estão relacionadas à redução de áreas cultivadas com milho e feijão em duas propriedades, ao abandono destas culturas em uma das propriedades e, ao processo para a obtenção de certificação orgânica da matérias-primas fornecidas.

Assim, nas duas propriedades onde ainda ocorre o cultivo do milho e do feijão, estas culturas são manejadas atualmente através de roçado comum e pousio e através do consórcio com culturas mais duradouras. Por outro lado, a partir da implantação do cultivo do maracujá-doce em 2006, as mesmas propriedades passaram a depender da compra e utilização de uma gama grande de insumos para utilizar nessa cultura, pois a monocultura intensiva da espécie sob as condições climáticas do Vale do Ribeira é muito susceptível ao ataque de pragas e doenças. A esse respeito, Kusters, Achdiawan, Belcher e Pérez (2006) colocam que a produção especializada através do cultivo em SAFs oferecem uma melhor conciliação entre resultados ambientais e econômicos do que o cultivo em sistemas intensivos. Além disso, esses sistemas permitem conciliar a produção de matérias-primas e de alimentos em uma mesma área, podendo auxiliar à redução dos problemas relacionados à segurança alimentar dos grupos envolvidos.

Em duas das propriedades não foram observadas mudanças significativas em relação ao uso do solo, tipos de manejo e insumos empregados. Na propriedade 3, constatou-se, ao longo dos anos entre 2001 e 2009, apenas um pequeno aumento na área utilizada para a produção de hortaliças e a inserção de três espécies para a produção de palmito nos sistemas agroflorestais já existentes. Na propriedade 5 houve a inclusão do cultivo de espécies frutíferas e medicinais em uma pequena área da propriedade.

A respeito do uso do solo nas áreas protegidas por lei, apesar de não terem havido grandes mudanças, - pois, de acordo com os dados obtidos em entrevistas, as APPs e RLs já vinham sendo preservadas antes do estabelecimento dos acordos comerciais - os produtores envolvidos atrelaram o relacionamento com a empresa a um maior acesso à informação ocasionado

específicamente pelo processo de certificação orgânica das propriedades. Assim, o conhecimento mais aprofundado sobre a legislação ambiental levou os produtores a buscarem a adequação ambiental integral de suas propriedades, o que pode ser considerado um impacto positivo da relação comercial entre produtores e empresa.

Dias (2002) comenta também a importância dos processos de certificação de produtos alvo de parcerias entre empresas e comunidades locais em garantir a origem da cadeia produtiva visando o rompimento de operações predatórias. No contexto do estudo, o processo de certificação orgânica das propriedades surtiu efeitos ambientais benéficos como a mudança nos tipos de manejo empregados, já mencionada anteriormente, e através de melhores condutas dentro da propriedade por parte dos produtores como consequência de um maior acesso à informação a respeito da legislação ambiental.

Em relação ao uso dos recursos hídricos das propriedades não foram constatados impactos significativos. Tais recursos são utilizados principalmente para o consumo das famílias e eventualmente para irrigação de cultivos. Em decorrência dos altos índices pluviométricos encontrados na região é rara a necessidade de irrigação, ademais os recursos hídricos são abundantes em todas as propriedades e encontram-se quase integralmente protegidos por mata ciliar em bom estado de conservação. De qualquer forma, nos últimos cinco anos um leve aumento no consumo de água para irrigação foi observado em quatro propriedades, em duas delas para a irrigação de hortas e nas duas restantes para a irrigação do cultivo do maracujá-doce.

Os resultados do estudo mostraram que as atividades abrangidas pelos acordos comerciais entre o grupo de produtores e empresa afetaram o uso de recursos vegetais dentro e fora das propriedades. Tais efeitos se deram de forma direta, no primeiro acordo, através do aumento da extração ou coleta da espécie sob demanda e indiretamente no segundo acordo, através do aumento do consumo de lenha para o processamento de matérias primas.

De acordo com Kusters, Achdiawan, Belcher e Pérez (2006) o aumento da extração ou coleta de espécies alvo de acordos comerciais pode surtir impactos consideráveis sobre as mesmas podendo afetar o tamanho de populações e sua distribuição, assim como, sua composição genética. No presente estudo o aumento da extração e coleta de pariparoba não acarretou em impactos significativos para a espécie devido à abundância da mesma na região e à sua ocorrência espontânea em paisagens bastante antropizadas conforme será exposto a seguir.

De 2001 a 2004 a extração de pariparoba ocorreu em quantidades pequenas dentro das propriedades dos produtores, nas quais a espécie foi manejada de acordo com plano de manejo autorizado pelo DEPRN e também, fora delas, em áreas ocupadas por pastos e bananais em terras privadas no município com autorização dos proprietários. Durante este período foram extraídos cerca de 150 kg/mês de raízes da planta. Ainda em 2004 o aumento súbito na quantidade demandada pela empresa, caso a mesma não tivesse a iniciativa de deixar de utilizar as raízes da planta como matéria-prima, provavelmente significaria uma ameaça à população da espécie em escala local, conforme observado por outros estudos (KUSTERS; ACHDIAWAN; BELCHER; PÉREZ , 2006; MORSELLO; ADGER, 2007; ROS-TONEN; ANDEL; MORSELLO; OTSUKI; ROSENDO; SCHOLLZ, 2008).

Posteriormente, no período entre 2004 e 2006 no qual, ao invés de raízes, as folhas da mesma planta começaram a ser demandadas, o risco de sobrexploração da espécie foi reduzido por três motivos. O primeiro deve-se ao fato de que a coleta de folhas da planta não resulta na morte do indivíduo, pois a planta possui grande capacidade de rebrota. O segundo motivo está relacionado à queda na quantidade demandada pela empresa, e o terceiro deve-se ao cultivo da planta, que reduziu para quase metade a quantidade coletada fora das propriedades. Assim, nesse período a taxa média de coleta foi reduzida para menos da metade do período anterior e, além disso, essa se deu em nível regional significando menor pressão sobre as populações manejadas.

Pelo fato de que a maior parte das atividades de extração e coleta da planta não ocorreu em áreas cobertas por vegetação primária ou estágios médio e avançado de regeneração da Mata Atlântica, pode-se afirmar que tal aumento no uso da mesma não gerou impactos diretos ou significativos para as populações da espécie em áreas cuja a vegetação é protegida por lei. A despeito disso, até o momento não existem estudos técnico-científicos que abordem os procedimentos necessários para a realização do manejo sustentado desta espécie, assim como para diversas outras com potencial para comercialização (PAVAN-FREUHAFF, 2000).

A inexistência de ditos estudos gera diversos obstáculos para as populações locais que possuem interesse em manejar essas espécies nativas. As dificuldades vão desde a obtenção de licenças para esse fim, até a garantia da continuidade de exploração do recurso ao longo dos anos através de taxas de extração realmente sustentáveis. Além disso, a falta de estudos desse tipo impossibilitam a realização de fiscalização efetiva por parte de órgãos ambientais devido à falta de parâmetros para avaliar a sustentabilidade do recurso ao longo dos anos.

Já o segundo acordo comercial gerou efeitos indiretos no uso dos recursos vegetais através do aumento do consumo de madeira utilizada como lenha para o processamento de matérias- primas. Dessa forma, entre os anos de 2006 e 2010 em duas propriedades o consumo de lenha foi incrementado em mais de 50%. Apesar disso, por possuírem áreas relativamente grandes cobertas por floresta, a quantidade de lenha disponível em ambas as propriedades ainda tem sido capaz de sustentar o processamento da quantidade de matérias-primas produzidas. Porém, caso a quantidade produzida aumente, é possível que haja certa pressão sobre as áreas florestadas nestas propriedades, tornando-se necessária a compra deste recurso, ou ainda, um investimento na produção de madeira para esta finalidade.

Os resultados a respeito da criação de animais nas propriedades mostrara que em três delas não foram observadas mudanças ao longo da relação comercial, porém em uma das propriedades verificou-se o abandono da criação de porcos, e na área restante, constatou-se o abandono da criação de galinhas. Os produtores que abandonaram esta prática foram justamente os que mais se envolveram no fornecimento de matérias-primas em ambos os acordos comerciais. De acordo com relatos dos mesmos, estes passaram a considerar a criação de animais desvantajosa no contexto atual, devido aos gastos com a alimentação dos animais e também devido a alocação de tempo e energia necessários para essa atividade. Embora a tendência de redução da criação de animais tenha sido observada em outras propriedades da região, este efeito - tal como no caso da redução da produção de alimentos para a subsistência - acentua a dependência desses produtores em relação a alimentos produzidos fora das propriedades e, consequentemente, em relação ao fornecimento de um reduzido número de matérias-primas para um único comprador, fato que pode ser considerado um impacto negativo em termos de segurança alimentar.