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Benefícios proporcionados pela inclusão escolar de alunos surdos

Gostaríamos de iniciar este último item mencionando a história do príncipe Sidarta, relatada por Stainback e Stainback (1999). Esse príncipe era filho de um poderoso rei, que fazia de tudo para impedir que seu filho conhecesse o mundo e a vida como realmente são, ou seja, protegia o filho de contatos com qualquer pessoa ou fato que lhe possibilitassem conhecer a velhice, a pobreza, a dor e o sofrimento. O rei advertia aos seus súditos que só permitissem que Sidarta tivesse contato com aqueles que fossem capazes, bem-sucedidos e belos. Entretanto, apesar dos esforços do pai, o filho encontrou pessoas velhas, doentes, fracassadas, diferentes daquelas que conhecia até então. O conhecimento do mundo real fez o príncipe deixar aquele mundo imaginário e encontrar seu próprio caminho de vida.

Embora a história não defina qual seja “o caminho de vida”, ousamos inferir que ele é caracterizado pela aceitação da diversidade como fenômeno natural, como rompimento com os muros de proteção que excluem muitos grupos humanos, em nome de uma seleção cujos critérios são ilegítimos. Com base no raciocínio de Rodrigues (1983), Amaral (1995, p. 36) comenta que “[...] cada sociedade, dependendo de suas características, elege um determinado número de atributos que configuram como seu homem-ideal deve ser: intelectual, moral e corporalmente”.

A história nos permite, assim, uma analogia com a sociedade, a escola e seus muros divisores entre deficientes e eficientes, impedindo a aceitação e o crescimento que a diversidade pode proporcionar.

Stainback e Stainback (1999) afirmam que as crianças e os jovens precisam conhecer a realidade humana em toda a sua dimensão para que possam crescer como seres humanos. Nesse sentido, acreditamos que a inclusão de alunos com deficiência nas escolas e classes regulares possibilitará benefícios para eles, para os outros alunos, para os professores, para os demais profissionais que atuam na instituição escolar e para toda a sociedade. Acreditamos, por conseguinte, que o convívio com aqueles que têm deficiência levará as pessoas a refletirem sobre os critérios antes estabelecidos, fazendo com que adentrem por um caminho inovador: que a deficiência, antes vista como patologia, incapacidade, aberração, marca indesejável e desprezível, passe a ser encarada apenas como uma diferença inerente à diversidade humana.

Questionados sobre quais os possíveis benefícios advindos da inclusão escolar de alunos surdos na classe regular, os docentes levantaram vários pontos, que passaremos a detalhar e comentar.

Durante as entrevistas, as professoras mencionaram, em primeiro lugar, a conquista do respeito entre os alunos como um dos benefícios que puderam observar, a partir da inclusão das alunas surdas na escola, ao destacarem:

No início foi assim... Ela chegava – como eu já disse a você –, chamavam de doida. Hei, hei, hei. Remedavam ela. Quando ela fazia “ei”, eles também faziam. [...] Eu dizia pra eles: respeitem, não chame ela “ei”, que ela tem nome. O nome dela é Juliana. Mas, hoje... Bem demais, chamam Juliana,

batem43 nela, quando vai fazer uma...uma tarefa. Pronto, hoje quando eu pedi

que fossem pegar a carteira dela, foram pegar a carteira pra ela, trouxeram, colocaram no lugar. Ela sentou. Pronto. Já respeitam como um ser humano normal (Janaina) (Grifo nosso).

No primeiro dia de aula eu já peguei um texto pra mostrar pra eles a questão da deficiência, né? E mostrar que as pessoas deficientes também podem ser eficientes, que elas têm capacidade de aprender, de conviver com os outros... E isso, como eu acompanhei essa turma por dois anos, gerou um respeito muito grande. E eles tinham um respeito especial, até, por ela (Solange). Na sala especial, a pessoa sofria muito preconceito por parte das outras salas. Se um aluno com algum tipo de deficiência, mesmo que não fosse aparente a deficiência, estudasse nessa sala, ele já era taxado de “doido”, ou de “maluco”, de “louco”, de um monte de coisa que, exatamente, essa proposta da inclusão tenta fazer com que não exista, esse preconceito, essa diferença no aluno (Cristina) (grifos nossos).

A partir dessas narrativas, percebemos que, segundo a professora Janaina, no início do ano, Juliana era denominada de doida, sendo imitada pelos seus colegas ao proferir algum som, na tentativa de se comunicar. A partir de suas intervenções junto à turma, aquela prática indesejável foi sendo mudada – gradativamente – ao longo do ano e, no final, eles já estavam demonstrando mais respeito pela colega surda e colaborando para que Juliana participasse do processo de ensino-aprendizagem.

Do mesmo modo, a professora Solange conta que, desde o primeiro dia de aula, a temática relacionada à deficiência passou a fazer parte do currículo da sua sala de aula, em decorrência da presença de Vitória. No caso da turma de Solange, há um aspecto importante: o fato de a turma estar estudando junto há dois anos gerou um respeito especial dos alunos para com a colega surda, conforme é atestado pela docente. Essa realidade foi confirmada por nós no período da observação, pois percebemos que os colegas tinham uma atenção muito grande para com Vitória. Tal atitude pode indicar, de fato, uma aceitação e respeito pela colega, mas pode indicar, também, um mecanismo de defesa evidenciado pela superproteção,

43 O verbo “bater”, nessa frase, tem o sentido de tocar, chamar a atenção da colega para que olhe em determinada

que coloca o protetor no centro da relação, deslocando dela o desprotegido (alguém que precisa de proteção) (AMARAL, 1995).

Por outro lado, a professora Cristina aponta como benefício da inclusão, a possibilidade de se construir uma nova consciência, pautada pelo respeito e pela cultura do não-preconceito. Ela aborda a experiência das classes especiais, através das quais era reforçada a diferença, sendo os alunos comumente taxados de “doidos”, de “malucos” ou de outros termos, mesmo que não tivessem uma deficiência evidente. Situa a convivência na mesma sala como fator importante para contrariar a prática da segregação, permitindo emergir a compreensão de que todos podem viver e aprender juntos.

Nesse sentido, Sassaki (2003) aponta alguns benefícios da educação inclusiva para todos os estudantes, tanto para os que têm deficiência, quanto para aqueles que não a apresentam. Ao vivenciar esses benefícios, os alunos:

x desenvolvem a apreciação pela diversidade individual;

x adquirem experiência direta com a variação natural das capacidades humanas;

x demonstram crescente responsabilidade e melhorada aprendizagem através do ensino entre os alunos;

x estão melhor preparados para a vida adulta em uma sociedade diversificada.

x têm acesso a uma gama mais ampla de modelos de papel social, atividades de aprendizagem e redes sociais (SASSAKI, 2003, p. 124). Assim, podemos dizer que os principais benefícios da inclusão escolar de alunos com deficiência, dentre estes os que são surdos, referem-se à derrubada de barreiras decorrentes do desconhecimento e ao respeito que a convivência no cotidiano escolar pode desencadear entre os alunos.

Podemos enumerar, ainda, a apreciação pela diversidade, a experiência com as diferentes capacidades humanas e uma melhor preparação para viver em uma sociedade diversificada, o que consideramos mais relevante.

Além do que já foi mencionado, percebemos, também, que as professoras apontaram como benefícios advindos da inclusão escolar a melhoria da sua prática pedagógica e a aquisição de novos saberes, ao afirmarem:

A inclusão, eu acho que nem traz só benefício e nem só prejuízo, né? No meu caso, assim...como professora, eu vou ter dificuldades...porque aquela criança não acompanha...mas também, eu vou aprender como eu devo tratar essa criança, porque... a cada avanço que eu tiver é como se eu tivesse ganhando um prêmio...certo? (Solange).

A inclusão já foi feita e vai ser pro resto da vida. Por isso que é o lado bom de quem vai... Quem vai buscar conhecimento, vai melhorando sua prática pedagógica, cada dia vai ficando melhor. Então é isso que tem que se fazer. É pesquisar, é buscar um planejamento mais adequado, envolvendo estas questões aí, né? E a gente tá precisando disso. Eu só vou melhorar minha prática pedagógica se eu praticar. Se não praticar, não vou melhorar, não (Janaina).

Depois de dois anos é que eu posso dizer que, no próximo ano, eu já possa fazer um planejamento melhor para quem é surdo. Mas, até dois anos antes eu não tinha como fazer porque eu... eu não tinha nenhum conhecimento. Mas, pelo que eu fui aprendendo, assim, fui descobrindo (Solange).

Conforme podemos ver, claramente, as professoras indicam a própria vivência pedagógica, em uma perspectiva inclusiva, como alternativa para melhorar sua prática docente. Anteriormente, discutimos que a formação do professor é mais eficaz se ocorrer por meio da reflexão, da pesquisa e da crítica sobre a própria prática. Desse modo, inferimos que, mesmo quando o professor recebe uma formação sobre como atuar com alunos com deficiência, essa formação se torna mais consistente quando relacionada com situações práticas.

Nesse sentido, as professoras fizeram relatos a respeito de cursos que já tiveram a oportunidade de participar, sem que eles tenham contribuído muito no momento em que se depararam com alunos com deficiência, em suas salas de aula.

Por outro lado, relatam que, a partir da experiência desenvolvida, passaram a construir e a descobrir alternativas de trabalho inclusivo. A professora Solange fala que sentiu dificuldades em sua prática, ao trabalhar com Vitória, em virtude de esta não conseguir acompanhar a turma, em termos de aprendizagem. Por outro lado, ela diz que há um aspecto positivo nesta situação, pois lhe permite ir construindo o conhecimento que antes não tinha.

Por conseguinte, a professora Janaina diz que a inclusão já foi feita e será para o resto da vida dos professores. Nesse sentido, ela demonstra acreditar que a inclusão escolar de alunos com deficiência é algo que vai permanecer e, por isso, cabe agora aos professores buscarem construir conhecimentos que subsidiem o seu fazer pedagógico.

Um aspecto que consideramos importante diz respeito à abordagem da professora sobre o que ela pensa ser necessário para a melhoria da prática pedagógica: a busca do conhecimento, a atitude de pesquisa, um planejamento que contemple as necessidades dos alunos e o exercício da prática, ou seja, a vivência da experiência de forma concreta.

Conforme foi dito, alguns professores não se sentem preparados para a tarefa de educar crianças deficientes. Entretanto, como diz Vigotsky (2003), a condição humana não é dada pela natureza, mas construída ao longo de um processo histórico-cultural, pautado nas interações sociais entre os homens e destes com o meio. Esse postulado é reforçado por Leontiev (1978, p. 267), um dos seguidores de Vigotsky, que também afirma que “cada indivíduo aprende a ser um homem”. Assim sendo, é coerente pensar que o professor não nasce professor, mas constrói suas competências e se constitui como tal a partir de suas vivências profissionais e de um processo de construção social, na interação com outros indivíduos e com os alunos.

Seguindo essa mesma perspectiva, a professora Solange garante que, após dois anos de experiência trabalhando com uma aluna surda, se sente bem mais preparada para atuar pedagogicamente e, também, para fazer um planejamento que contemple as necessidades de um aluno surdo, de modo mais satisfatório.

É importante atentar, ainda, para a sua afirmação de que, até dois anos atrás, ela não tinha nenhum conhecimento nesse sentido, porém, por meio da vivência com Vitória numa situação de inclusão, foi aprendendo e descobrindo um pouco mais sobre como atuar diante das necessidades da aluna.

Tal afirmação também foi confirmada pelas nossas observações, convivendo com a professora e participando das aulas em sua classe. Apesar de não ter um conhecimento mais profundo da Libras, ela já consegue lançar mão dessa língua para se comunicar com a aluna, o que ocorre, também, com alguns alunos de sua classe.

Outra aprendizagem importante desenvolvida pela professora para utilizar em sua prática foi a elaboração e confecção de materiais específicos para o uso da aluna surda, sendo que, posteriormente, ela afirmou ter chegado à conclusão de que aquele recurso também foi importante e estimulador para todos os alunos que constituíam a classe. E todos esses conhecimentos foram construídos a partir da interação com Vitória.