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Concepções sobre a possibilidade de aprendizagem de alunos surdos

3.1 Concepções sobre a inclusão escolar e possibilidade de aprendizagem de alunos

3.1.3 Concepções sobre a possibilidade de aprendizagem de alunos surdos

Conforme foi explicitado no capítulo que aborda os nossos objetivos de pesquisa, uma das maiores inquietações desencadeadoras deste estudo estava centrada em torno das ações desenvolvidas pelos professores para possibilitar aprendizagem aos alunos surdos. Essa inquietação era decorrente de experiências profissionais em que pudemos observar a presença de alunos surdos em classe comum, sem que lhes fosse oferecida nenhuma condição para se beneficiar do processo de aprendizagem. Diante do crescimento do número de matrículas de alunos com deficiência nas escolas e classes regulares, passamos a refletir sobre a prática dos professores, mediante a inclusão, bem como sobre a preocupação destes com a aprendizagem de tais educandos.

Diante disso, uma das questões discutidas no decorrer das entrevistas se referia à compreensão das professoras sobre as possibilidades de aprendizagem dos alunos surdos e sobre os meios que favorecem este processo. Algumas considerações sobre tal questão foram feitas mesmo antes que perguntássemos explicitamente. Foi unânime, entre as professoras, que todos podem aprender, embora de forma muito lenta, compreensão que se repetiu em todas as falas. Antes, porém, de tecermos algumas considerações sobre a postura das professoras, consideramos necessário situar o conceito de aprendizagem que embasa o nosso trabalho. Tomando por base as idéias vigotskianas, Matui (2002, p. 118) propõe a seguinte definição, que tomamos como referência:

Aprendizado ou aprendizagem é o processo pelo qual o indivíduo adquire informações, habilidades, atitudes, valores etc. a partir de seu contato com a realidade, o meio ambiente, as outras pessoas. É um processo que se diferencia dos fatores inatos (a capacidade de digestão, por exemplo, que já nasce com o indivíduo) e dos processos de maturação do organismo, independentes da informação do ambiente (a maturação sexual, por exemplo). A partir do conceito apresentado, é possível compreender claramente que a aprendizagem é um processo interativo, cuja ênfase se dá nos processos sócio-históricos e na interdependência dos indivíduos envolvidos no processo, sendo que os fatores inatos, mesmo sendo consideráveis, não são determinantes para que ela possa ou não ocorrer. Sem dúvida, a surdez traz inúmeras limitações para o desenvolvimento do indivíduo. Entretanto, é preciso que se leve em conta as potencialidades e limitações da pessoa surda, permitindo que ela manifeste sua espontaneidade e suas diferenças. Estas não a tornam inferior ou menos capaz, mas apenas diferente, como todo ser humano. Podemos constatar isso a seguir, nos depoimentos das professoras:

A aprendizagem dela não vai ser “pei”, “puf”, né? Porque vai ser uma coisa muito lenta. Então, a preocupação vai ser dobrada diante da aprendizagem dessa criança (Janaina).

Eles vão demorar mais, eles vão precisar ter mais apoio, tanto dos professores como da sala de apoio, também dos pais, mas eles aprendem. Até a gente tem a comprovação de que eles não aprendem mais por causa da idade, mas os que começam bem pequenos aprendem mais (Cristina).

De certa forma, as concepções das professoras são coincidentes com a via de pensamento apresentada anteriormente, já que acreditam que a surdez não é um fator que venha impossibilitar a aprendizagem dos alunos. Por conseguinte, as observações pontuadas

por elas sobre as dificuldades e a lentidão que os alunos surdos podem apresentar para aprender precisam ser cuidadosamente analisadas para que não funcionem como uma baixa expectativa em relação a esses alunos. Tal postura poderá reduzir consideravelmente a aprendizagem dos alunos e, conseqüentemente, o seu desenvolvimento, pois como afirma Mittler (2003, p. 98):

As baixas expectativas podem ser incapacitantes para os alunos porque eles tem como resultado o cumprimento da profecia do insucesso escolar. Se o professor não espera que seus alunos alcancem um certo nível de aquisição dos conteúdos curriculares, apenas alguns “resistirão à tendência”.

Seguindo essa mesma linha de pensamento, o autor relata o curioso resultado de uma pesquisa realizada por Rosenthal e Jacobson (apud Mittler, 2003), em que eles constataram que as aquisições educacionais dos alunos subiram com rapidez depois que os professores foram deliberadamente mal informados de que testes especiais tinham mostrado que se tratava de alunos de inteligência superior. Mesmo sendo falsas, as informações desencadearam melhores expectativas nos professores, que passaram a investir mais na intervenção para a aprendizagem dos alunos.

Com base nisso, consideramos que o fato de pensar que a aprendizagem dos alunos surdos será algo muito lento pode levar as professoras a não investir neles, enfatizando apenas as dificuldades que terão que enfrentar.

Do nosso ponto de vista, esse é um aspecto muito importante a ser discutido por toda a equipe escolar, pois o que temos presenciado, na maioria das escolas, principalmente em situações que envolvem alunos com deficiência, é que a tendência tem se concretizado, ou seja, a grande maioria acaba abandonando a escola por ser considerada incapaz de aprender. Concretiza-se a tendência, cumpre-se o destino, só que o problema não está no aluno, mas nas concepções que embasam a prática dos professores.

Por outro lado, na fala da professora Cristina, identificamos alguns aspectos por ela considerados importantes para a aprendizagem dos alunos surdos. Em primeiro lugar, ela aponta a necessidade de ajuda de outros segmentos como a família e os profissionais que atuam na sala de apoio. Em segundo lugar, fala sobre a importância da intervenção precoce para o sucesso escolar desses alunos. Com relação a esse último aspecto, gostaríamos de acentuar que o acesso da criança à escola e a sua participação no processo educativo, o mais cedo possível, é altamente relevante para o seu desenvolvimento, principalmente das que são

surdas, por compreendermos que a escola é a instituição responsável pela sistematização da aprendizagem.

Por conseguinte, o acesso a uma forma de comunicação é fator determinante para o desenvolvimento das pessoas surdas. Segundo Silva (2001), a exemplo dos ouvintes, os surdos podem se desenvolver lingüisticamente, desde que sejam expostos à Língua de Sinais o mais cedo possível. Caso isso não ocorra, o seu desenvolvimento global poderá ser afetado significativamente.

A observação da professora também pode ser reveladora de uma realidade excludente, que se perpetuou, também, no município em que realizamos a pesquisa, onde a maioria das crianças surdas ou com outras deficiências ficava fora da escola. Somente nos últimos anos, sob o prisma da inclusão escolar, é que elas começaram a ter acesso à escolarização. Nesses casos, está sendo observado pelas professoras que, quando chegam tardiamente à escola, sua aprendizagem torna-se mais difícil, pois geralmente apresentam um desenvolvimento inferior à sua faixa etária. O desenvolvimento é entendido por Vigotsky como um processo de internalização de modos culturais de pensar e agir. Esse processo tem início nas relações sociais, através das quais os adultos ou pessoas mais experientes partilham com a criança seus sistemas de pensamento e ação, por meio da linguagem, do jogo e das demais atividades compartilhadas.

Embora considere que há diferenças entre aprendizado e desenvolvimento, Vigotsky diz que esses dois processos caminham juntos desde o nascimento da criança e que o aprendizado suscita e impulsiona o desenvolvimento. Assim, tudo o que a criança aprende com o adulto ou com outra criança vai sendo elaborado e se incorporando a ela, transformando seus modos de agir e pensar.

Sabemos que, na atualidade, a escola é a instituição que tem a função específica de possibilitar o contato sistemático e intenso das crianças com os processos de leitura e escrita, com os sistemas matemáticos e com outros conhecimentos acumulados e organizados pelas mais diversas áreas do saber. Assim sendo, os conhecimentos produzidos na escola são significativamente diferentes daqueles que são produzidos no cotidiano e, por isso mesmo, ela torna-se fundamental para o desenvolvimento e aprendizagem dos alunos. Nesse sentido, Vigotsky (citado por FONTANA; CRUZ, 1997, p. 64) afirma que:

A educação é o traço distintivo fundamental da história do pequeno ser humano. A educação pode ser definida como sendo o desenvolvimento artificial da criança. Ela é o controle artificial dos processos de desenvolvimento natural. A educação faz mais do que exercer influência

sobre um certo número de processos evolutivos: ela reestrutura de modo fundamental todas as funções do comportamento.

Embora estejamos tratando do aprendizado e desenvolvimento de pessoas surdas, para Vigotsky (1995) os princípios do desenvolvimento humano são os mesmos para todas as pessoas e, por isso, todo ser humano é educável e tem possibilidades de aprender. Na sua compreensão, a fragilidade decorrente da deficiência é também uma força que move o sujeito para as suas realizações. Tal compreensão implica considerarmos que a deficiência faz parte da subjetividade de muitas pessoas, que se constituem como sujeitos sociais tendo como elementos fundantes a fragilidade e a força dessa condição, bem como as suas possibilidades educativas.

Ainda sobre a mesma questão, as outras duas professoras fizeram as seguintes afirmações:

Ele é capaz de aprender. Agora é uma coisa muito lenta. Justamente, eu acho mais pela falha do professor do que mesmo dele. No caso, eu me incluo (Solange) (grifo nosso).

A gente sabe que a parte pedagógica pra eles é lenta, né? Ou muito, muito lenta. É totalmente diferente de uma criança normal a questão do conhecimento pra ele, mas a gente trabalha muuuuito a questão da socialização dele (Jeane) (grifo nosso).

Podemos observar que a professora Solange aborda a dificuldade de aprendizagem da aluna surda como decorrência do despreparo do professor. Nesse caso, ela reconhece que a escola e os profissionais que nela atuam, especialmente os professores, podem contribuir para a quebra de barreiras que se colocam diante da aprendizagem dos alunos surdos. Tal colocação é indicativa de uma postura positiva que se contrapõe àquela que durante muito tempo procurou explicar as barreiras para a aprendizagem, sob a ótica das características do aprendiz, sendo as suas condições orgânicas e psicossociais os principais obstáculos responsáveis pelo insucesso dele na escola.

Na compreensão de Carvalho (2004), pensar sob esse prisma não implica deixar de considerar as condições do educando, negando a relevância do seu desenvolvimento orgânico e psicológico. Entretanto, o que se faz necessário é deixar de atribuir ao aluno o papel de “vilão” e passar a considerar todos os fatores que de algum modo estão relacionados à sua aprendizagem e que interferem na prática pedagógica.

Já o depoimento da professora Jeane revela uma baixa expectativa sobre a possibilidade de aprendizagem de tais alunos. Ao colocar a ênfase na questão da socialização,

deixa transparecer a idéia de que o máximo que a escola pode fazer por esses alunos é favorecer a sua integração em um grupo para que compartilhem de algumas experiências que são comuns aos demais alunos.