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BENS PRIMÁRIOS E BENS PÚBLICOS

No documento JUSTIÇA DISTRIBUTIVA: (páginas 77-80)

3 JUSTIÇA DISTRIBUTIVA EM JOHN RAWLS

3.5 BENS PRIMÁRIOS E BENS PÚBLICOS

que as idéias do bem utilizadas devem ser políticas, de modo que não precisamos nos basear em concepções abrangentes do bem, mas apenas em idéias moldadas para se acomodar no interior da concepção política. E também, a prioridade do justo significa, em seu sentido particular, que os princípios de justiça estabelecem limites para as formas de vidas permissíveis: “as exigências que os cidadãos fazem ao tentar realizar fins que transgridem esses limites não têm nenhum peso” (RAWLS, 2000, p,258). A prioridade do justo dá aos princ ípios de justiça uma precedência rigorosa nas deliberações dos cidadãos, e limita sua liberdade de promover certos modos de vida.

no processo político e de se candidatar aos cargos e funções de representação; educação e qualificação para o trabalho, a escolha livre da profissão e a liberdade de investir o dinheiro em projetos visando a realização pessoal e a construção da auto-estima. O acesso a todos esses bens de forma justa e equilibrada, faz com que a pessoa usufrua um dos mais importantes bens morais, que na opinião de Rawls é o da auto-estima. Segundo ele:

(...) a auto-estima implica uma confiança em nossa habilidade, na medida em que isso estiver em nosso poder, de realizar nossas intenções. Quando sentimos que nossos planos tem pouco valor, somos incapazes de promovê-los com satisfação e de sentir prazer com a sua execução. Nem podemos insistir em nossos esforços quando estamos ameaçados pelo fracasso ou pela dúvida em relação a nós mesmos.

Fica claro, então, o motivo por que a auto-estima é um bem primário. Sem ele, nenhuma atividade pode valer a pena, ou, se algumas coisas têm valor para nós, falta-nos a força para lutar por elas. Todo desejo e atividade se tornam vazios e inúteis, e afundamos na apatia e no cinismo. Portanto, as partes na posição original desejariam evitar quase a qualquer custo as condições sociais que solapam a auto-estima. O fato de a justiç a como eqüidade dar mais apoio à auto-estima que os outros princípios é uma forte razão para adotá-la62.

A auto-estima resulta da convicção profunda que os cidadãos têm de serem respeitados pelo poder público e de saberem que esse respeito vai lhes proporcionar dignidade e qualidade de vida no meio em que vivem.

A elevada auto-estima de uma pessoa se constitui através da contínua afirmação de seu valor moral inalienável, da liberdade para se desenvolver e do amparo para realizar sua vida de modo pleno, em meio ao projeto de vida de todos os demais63. Quando Rawls se refere aos bens primários, está falando fundamentalmente das liberdades, riquezas, posição social, representação política, moradia e escola para todos, saneamento básico, saúde e cultura. A justiça na distribuição de todos esses bens é que vai determinar o grau de eqüidade de uma determinada sociedade. É evidente que se todos esses bens forem distribuídos harmoniosamente entre os cidadãos, existirá uma maior possibilidade de alcançar-se uma sociedade bem-ordenada. A concepção de bens primários diz respeito a um problema político prático. Pessoas racionais afirmam uma mesma concepção política de si como pessoas livres e iguais independentemente de suas doutrinas religiosas ou filosóficas.

Exigem para sua promoção os mesmos bens primários, ou seja, os mesmos direitos,

62 RAWLS, John. Uma teoria da justiça. p. 487.

63 FELIPE, Sônia. RAWLS: Uma teoria ético-politica da justiça. p. 143-144.

liberdades e oportunidades básicas, e os mesmos meios polivalentes, tais como renda e riqueza, tudo sustentado pelas mesmas bases sociais de auto-respeito.

Os bens primários64 referidos acima não se restringem a uma lista hermeticamente fechada. Vão aos poucos progredindo, de acordo com o desenvolvimento de determinada sociedade. Todos devem ter acesso a esses bens independente dos planos pessoais de vida de cada pessoa. A lista comple ta dos bens não pode ser fixa nem pode ter valor igual para todas as sociedades democráticas. Ela pode variar conforme as necessidades e não deve obedecer a um padrão único para todos. Rawls compreende que os bens primários são universalmente necessários a todos os seres humanos, embora cada sociedade obedeça a critérios diferentes em sua aplicação. O importante é que a oferta desses bens seja de forma indiscriminada.

Os bens públicos são aqueles necessários para garantir condições dignas à vida coletiva, ou seja, proporcionar qualidade de vida a todos indistintamente. Em sua natureza, os bens públicos devem ser assegurados a todos pelo poder político. Se necessário, pode-se recorrer ao mercado para uma oferta de qualidade desses bens. Bens que são de modo indivisíveis. Não são oferecidos a cada pessoa individualmente, mas são oportunizados a todos tendo como conseqüência o crescimento social e econômico da sociedade.

Entre os bens públicos podemos citar a educação em todos os níveis e o controle de doenças endêmicas e epidêmicas. Um saneamento básico que beneficie a todos através de uma rede de esgotos e canalização de água potável de boa qualidade. Mananciais de água e territórios com matas nativas como garantia de ar puro. O transporte coletivo, a segurança nacional. Orçamentos bem elaborados e com metas executadas tendo como aval o recolhimento justo de impostos são a garantia da aplicação dos bens públicos. Para defini- los podemos dizer que sua principal característica é que são necessários a todos ao mesmo tempo.

Não podem ser oferecidos a uma determinada parcela da sociedade enquanto outra fica esperando. O acesso deve ser igual, proporcionando vantagens a todos. No que se refere aos bens públicos, a proposta de Rawls seria de que cada sociedade, à medida que vai alcançando padrões mais elevados de vida, acrescente à lista dos bens públicos outros bens incorporados no novo e mais alto padrão de vida de sua população.

64 RAWLS, John. O liberalismo político, p 228. Uma teoria da justiça, p 97.

Na teoria da justiça de John Rawls não é concebível que um indivíduo conviva sem as condições mínimas razoáveis para facilitar seu projeto de vida. Tanto os bens primários como os bens púb licos são de extrema importância para a melhor qualificação da pessoa e da coletividade. Estes bens não podem ser apenas prometidos para os cidadãos como costumamos ver na política brasileira, por exemplo. Eles devem ser uma realidade, pois sem os mesmos não haveria as condições básicas para a convivência humana com dignidade.

Representam as necessidades mínimas que qualquer cidadão deseja para obter respeito à sua pessoa e de sua família.

Os bens públicos estão entrelaçados com a política e, por isso mesmo, devem ser discutidos de forma transparente com toda a sociedade de preferência com a participação e orientação de seus representantes. O exemplo aqui pode ser dado por uma sociedade que optou por preservar e declarar como bem público uma determinada área verde com a finalidade de melhorar a qualidade do ar. O poder público deve acatar o pedido, não poupando esforço e impostos pagos pelos contribuintes na preservação desse bem para a atual e a futura geração.

Toda sociedade liberal e democrática tem como prerrogativa indicar em sua Constituição quais são os bens pelos quais o Estado vai ser responsável. Outros bens serão de responsabilidade do mercado que é livre, mas com regras bem definidas no aspecto da cooperação social. Um mercado regulado e competitivo pode ser um instrumento de colaboração com o Estado na produção e distribuição eqüitativa de bens primários e públicos de forma justa. Todos os cidadãos por terem sido representados no contrato originário, compartilham desse sistema, pois lhes foi ga rantido uma renda mínima o que lhes proporciona a ele e a sua família viverem com dignidade.

No documento JUSTIÇA DISTRIBUTIVA: (páginas 77-80)