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3. PRÁTICAS DA LEITURA E BIBLIOFILIA

3.2 Bibliofilia o amor aos livros

Bibliofilia é certamente é o amor aos livros, a arte ou hábito de colecionar livros de relevância de conteúdo, histórica e do caráter raro de sua edição. O bibliófilo é a pessoa que exerce esse amor colecionando livros, principalmente os raros. Segundo Umberto Eco em seu livro A Memória Vegetal, o bibliófilo pode colecionar livros por categoria ou assunto, e ainda que estejam interessados no conteúdo, eles necessitam ter o objeto (ECO, 1932. p. 35).

A bibliofilia difere da bibliomania, o segundo termo refere-se àquele sujeito que possui a mania de comprar livros, sem sentir o compromisso de lê-los ou de colecioná-los categoricamente, quem age dessa forma é referido como bibliomaníaco. Eco nos traz um exemplo que difere bibliofilia de bibliomania. Vamos supor que um bibliófilo tenha arrematado (por bilhões de dólares) um exemplar do livro mais raro do mundo, a Bíblia de Gutenberg. Ele provavelmente gostaria de expor essa maravilha a seus amigos e principalmente dizer que é sua. Ao contrário, o bibliômano manteria esse exemplar secretamente para si sem nunca mostra-lo a ninguém (para evitar mobilizações de possíveis ladrões) e para o prazer de folheá-lo sozinho no escuro do seu quarto (ECO, 1932. p. 38).

De acordo com a definição de Eco, o bibliômano é capaz inclusive de roubar livros, considerando que para adquirir tal livro é necessário realizar algum sacrifício, caos contrário não há prazer na conquista.

O bibliômano rouba livros com gesto desenvolto enquanto conversa com o livreiro: aponta-lhe uma edição rara na prateleira alta e faz sumir outra, igualmente rara, embaixo do paletó; ou então rouba parte de livros circulando por bibliotecas onde corta com gilete as páginas mais apetecíveis (ECO, 1932. p. 39)

Em outras palavras, os bibliófilos são os apaixonados pelos livros. Os compram, colecionam e muitas vezes os estudam, ainda que nem todos. Seu interesse tem foco nos livros raros ou primeira edição de determinado livro mantendo uma relação com o livro quase erótica, permeada de sentimentos de desejo de posse, vontade de estar perto, de abrir e meter-se na leitura a todo o momento. Já o bibliômano é quase um maníaco. Pode

desenvolver uma relação de dependência psíquica com o livro causada por uma exaltação eufórica do humor, ansiedade ou excitação.

Para o bibliófilo, a primeira edição ou um volume único possui uma elevada importância, como se o livro representasse um marco vivo, uma mágica aura literária, por ter sido a primeira materialização e aparição de uma obra escrita por determinado autor para o público de uma época.

A primeira edição e, muitas vezes, os rascunhos de composição de um livro, revelam os ajustes e correções feitas manualmente pelo autor, principalmente numa época em que não havia computador, máquina de escrever e fotocópias; numa época em que predominava a tipografia clássica e a costura manual de livros.

José Castello, relata em seu artigo Paixão e Perdição57 para IstoÉ (1997), uma citação de José Mindlin, empresário considerado o maior bibliófilo brasileiro dono da maior biblioteca particular da América Latina, que diz que o leitor bibliófilo passa por três estágios: “primeiro, os homens pensam que conseguirão ler um número de livros maior do que de fato é possível. Num segundo estágio, passam a desejar ter em mãos o maior número possível de obras dos autores de quem gostam. Num terceiro momento, surge o interesse pelas primeiras edições, geralmente raras, e a atração pelo livro como objeto de arte”. Esta última fase é definida por José Mindlin, como perdição. "Quando se chega a esse estágio, aquele que pensava em ser na vida apenas um leitor metódico está irremediavelmente perdido" (CASTELLO, 1997).

A bibliofilia pode ser exercida por meio de interações de leitores nas redes sociais. Amantes de livros expõem seus livros a outras pessoas por meio da rede chamando-os de “meus bebês novos”, como pode-se ver na figura abaixo:

Figura 24: Usuária expondo seus livros no Facebook

57 Paixão e Perdição de José Castello para IstoÉ (02/11/1997) foi comentado no site o Bibliófilo José Mindlin. Disponível em <http://bibliomanias.no.sapo.pt/Mindlin.htm>. Acesso em 01/05/2014.

Fonte: Facebook

Em relação aos livros digitais, o bibliófilo que busca livros raros encontra uma maneira de exercer a bibliofilia utilizando a internet como diz Umberto Eco:

Na internet ele encontrar os catálogos de antiquários, nos CD-ROM as obras que um particular dificilmente poderia ter em casa, como os 221 volumes in-folio da Patrologia Latina de Migne, num e-book estaria superdisposto a circular por aí com bibliografias e catálogos, tendo sempre contigo um repertório precioso, especialmente se e quando visita uma feira do livro antigo (ECO, 1932. p. 53).

Nesse sentido o autor aponta que, o bibliófilo não tem medo da internet nem dos e- books. Isso porque no caso dos livros desaparecerem, os seus (digitais) teriam ainda muito mais valor.

Com o objetivo de compreender o que a leitura causa nos leitores, foi feita uma breve pesquisa on-line chamada “O que a leitura significa para você?” 58, que ficou

disponível entre os dias 01 de fevereiro e 20 de fevereiro de 2014. A partir dos depoimentos dos participantes, nota-se qual tipo de sentimento é gerado pela leitura e qual a relação desses leitores com o livro. As respostas são apresentadas a seguir:

Pergunta: Como a leitura está presente em sua vida?

O objetivo dessa questão é entender a relação do participante com a leitura. Algumas respostas encontradas:

“Decisiva, como instrumento para análise crítica de fatos e coisas do cotidiano. Fundamental, para construir as bases de conhecimento específico.

“Além de objeto de estudo (sou da área de Letras), sou grande fã de leitura. Leio praticamente todos os dias.”

“Sempre que tenho um tempo livre, eu Leio. Se eu não tenho tempo livre, arranjo. Sou viciada em Livros, literatura Estrangeira.”

“A leitura está presente em praticamente todos os momentos de minha vida, seja através dos livros, seja por meio de dispositivos tecnológicos. No trabalho, em casa, no lazer. Na diversão e no estudo”.

“Sou bibliotecária e curso pós-graduação. Vivo de leitura e para proporcionar o acesso à ela para outras pessoas.”

“A leitura está presente em minha vida todos os dias, porem a absorção é afetada de acordo com o momento que estou vivendo.”

58 Pesquisa on-line: O Que a Leitura Significa Para Você? Disponível em: <https://docs.google.com/forms/d/1mWZ75QS09dqAY9sTOlnlPxvckGNMFS-

Pergunta: Em que momentos você busca um livro? Aqui a ideia é saber sua relação com o livro e como ele contribui na sua vida.

O objetivo desta questão foi entender o papel que o livro exerce em diferentes momentos da vida cotidiana. E as razões que levam a pessoa a ter o livro como “companheiro”. O que o leitor espera receber em troca no momento em que busca um livro?

A seguir apresento algumas respostas que colaboram para essa compreensão:

“Busco livros principalmente quando estou estressada ou quando preciso de ideias. Acredito que ler distrai a cabeça dos pensamentos e nos traz novas visões do mundo, como o que aconteceu na vida de uma pessoa, ou o que pode acontecer com o mundo daqui alguns anos.

“O livro eu busco no momento de estudar/aprender, na busca de teorias para fundamentar pensamentos, aprender novas línguas e também para entreter, com leituras de teor ficcional ou bibliográfico/histórico.

“Para relaxar, na hora de deitar pra dormir e esperar o sono chegar, também para tomar sol.

“Trabalho com livros, mas também os busco quando quero me distrair, arejar o cérebro, desligar da realidade.

“Em todos os momentos. Quando estou entediada, interessada em algum assunto específico, querendo relaxar, querendo pensar/refletir, querendo passar o tempo, esperando alguém chegar, fazendo viagens longas. Procuro sempre ter um livro por perto e sempre variar os estilos de leitura, pois canso de ler sempre os mesmos estilos.”

“Em todos. Quando estou triste, alegre, chateada... Sempre acabo me animando lendo um livro.

“Nos momentos de lazer. Geralmente à noite em casa. O livro instrui e cria um universo paralelo.

“Eu costumo ler livros que amigos me indicam, levo eles nos transportes públicos, quando preciso ir até algum lugar. Mas quando ele é muito bom, acabo lendo em casa também. Concluindo, momentos de tédio”.

“Acho que, para cada momento, há o livro certo. Na adolescência, lendo as obras certas, conseguimos ampliar horizontes, superar nossas tristezas, reconhecer nossos medos e descobrir como superá-los. Acho que isso se transporta para o resto da vida. Antes disso, na infância, a leitura é a porta para a fantasia, para o exercício do imaginário e para a aventura. Um bom livro é capaz de te arrancar de uma realidade miserável e te jogar para um mundo cheio de esperança.”

Em diversos relatos surgiu a sensação de transporte para o mundo fictício por meio do que se leu no livro. Para alguns, o livro é uma solução para o tédio, a tristeza e a superação de medos.

Não estão exclusos os relatos da busca pelo livro com objetivo de instrução, aperfeiçoamento e momentos de lazer. Em algumas ocorrências, o livro tem a função de retirar a pessoa de um lugar e levar a outro, em pensamento e imaginação.

Pergunta: Para finalizar, conte brevemente as sensações que a leitura causa em você.

“A leitura me acalma, principalmente. Se estou aflita, ou me sentindo sozinha, eu leio para ter companhia. Mas a leitura também me traz a sensação de estar satisfeita e feliz, por ter um momento onde posso mergulhar em um mundo diferente e ter ‘amigos’

diferentes.

“A leitura causa uma sensação de anestesia, muitas vezes remetendo a um lugar tão distante que por instantes sinto não estar fisicamente onde estou.

“Estranhamento, imersão, reconhecimento, dor, alegria. Tudo depende da viagem que cada história te proporciona. Certamente, o livro abre as portas da sua percepção. E pode causar dependência. Ao ler, sempre tenho a sensação de que é possível fazer uma descoberta na próxima página. Por isso, muitas vezes, consigo até encarar um livro ruim, na esperança de que haja uma surpresa boa até o final.

“Diversas sensações, as minhas preferidas, entretanto, são de encantamento e curiosidade. Tanto em livros de ficção quanto técnicos. - abstração - ambientação ao contexto em que a história se passa.

“A leitura me transporta, eu saio da minha realidade pra viver um mundo que nunca existiria.

“Acredito que a leitura seja uma forma de nos tirarmos do mundo em que vivemos, nem que seja por segundos. É extremamente prazeroso você entrar no metrô, começar a ler e, nem perceber que chegou ao seu destino. Mas claro que dependendo do livro, ele me causa ódio, felicidade, alegria, tristeza e/ou indignação.

“Posso citar a sensação de liberdade da mente. Tudo é possível em nossa imaginação quando entramos de cabeça no que estamos lendo.

“Ao término de um livro a sensação que eu tenho é de inspiração, paz, amor. O

prazer de uma leitura está em nos identificar com algum personagem ou alguma de suas atitudes.

“Livros já me fizeram chorar em prantos ou dar gargalhadas. Já fizeram eu me apaixonar ou ter ódio de algum personagem a ponto de imaginar jeitos diversos de entrar na história apenas para tirá-lo do livro. Acho que ler me dá uma certa calma, mas às vezes me deixa frustrada por ver vidas muito mais animadas que a minha (onde está minha carta para Hogwarts? não vai chegar...)”

“Alegria, tristeza, raiva, medo, ansiedade, espanto, ou seja, todas as vivenciadas pelos personagens. É como viver através do outro, mesmo que por um momento. Adoro essa sensação de se perder dentro do livro...”

“É como se eu viajasse para outro mundo e só retornava quando o livro acaba.” “É algo complicado de explicar, sou amante dos livros. Além de me sentir dentro de um mundo incrível, a sensação é de bem estar. Ler já se tornou necessário pra mim. É a melhor parte dos meus dias. Ler.

Alberto Manguel, em Uma História da Leitura (1997, p. 176-177), apresenta uma passagem sobre sua prática de leitura. Ele afirma ter o hábito de ler na cama, como uma forma de refúgio onde ninguém mais poderá interrompê-lo com pedidos para fazer alguma coisa. É uma hora de se desligar do mundo e viajar pelas páginas do livro. Ele diz:

Ninguém me chamaria e pediria para fazer isso ou aquilo; meu corpo não precisava de nada, imóvel sob os lençóis. O que acontecia, acontecia no livro, e eu era o narrador. A vida acontecia porque eu virava as páginas. Acho que não posso me lembrar de numa alegria mais compreensiva do que a de chegar às últimas páginas e pôr o livro ao lado, para que o final pelo menos ficasse para o dia seguinte, e mergulhar no travesseiro com a sensação de realmente parado no tempo. (MANGUEL, 1997).

Esse trecho elucida como a leitura nos retira, em pensamento, do local onde estamos com o corpo e estimula nossa imaginação a vivenciar, ainda que imageticamente, uma história lida. Outra cena que serve como exemplo de como o texto lido nos afeta, foi a experiência que tive quando li o livro Não Há Silêncio que Não Termine. Trata-se da biografia que descreve os seis anos de cativeiro da autora e ex-candidata à presidência da Colômbia, Ingrid Bittencourt. O livro é tão rico em detalhes que no decorrer da leitura se tem a sensação de estar vivendo nos acampamentos montados no meio da Amazônia pelas FARC – Forças Armadas Revolucionárias Colombianas.

A felicidade é sentimento que emerge e lágrimas caem quando chegam as páginas que contam em detalhes toda a estratégia do resgate de Ingrid e nesse momento da leitura conclui-se que realmente não há silêncio que não termine.