• Nenhum resultado encontrado

1. O LIVRO, O COMÉRCIO ELETRÔNICO E A MOBILIDADE NA PRÁTICA DA LEITURA

1.4 Consumo do livro, leitura e mobilidade

32 Luciana Catana é bacharel em Direito e pesquisadora do Comércio Eletrônico. Disponível em: <http://www.advogado.adv.br/artigos/2006/lucianalauraterezaoliveiracatana/comercioeletronico.ht m#_ftn7>. Acesso em: 20/03/2014.

Estudos sobre o consumo têm se multiplicado nos últimos anos, mas há ainda uma desconexão com as ciências sociais. Para Nestor Canclini (2005, p. 60), o ato de consumir, nos causa e para isso existem estudos de teorias econômicas, sociológicas, psicanalíticas, psicossociais e antropológicas. O autor, em seu livro Consumidores e Cidadãos, propõe uma definição do consumo que compreende “um conjunto de processos socioculturais em que se realizam a apropriação e os usos dos produtos”. O consumo, neste sentido, é levado pelo impulso dado que os atos que nos levam ao consumo estão relacionados aos exercícios de gostos, caprichos ou atitudes individuais. O consumo, na visão de Canclini, é parte de um ciclo de produção e reprodução social, ou seja, é o final de um processo de produção. (CANCLINI, 2005, p. 61). Na visão de Canclini, “consumo é o conjunto de processos socioculturais em que se realizam a apropriação e os usos dos produtos. Assim é possível enxergar as razões pelas quais consumimos como algo mais simples do que desejos, caprichos e compras irrefletidas” (CANCLINI, 2005, p. 59).

No processo de produção, quem detém a decisão de que grupo social consumirá mais ou menos é a estrutura administrativa do capital, pois é neste campo que se organiza a distribuição, oferta e reprodução da força de trabalho. Para Canclini (2005, p. 61), estar ou não de acordo com essa estratégia do setor econômico não altera o fato de que são arbitrárias as ofertas de bens e a indução publicitária da compra.

Ainda como aponta o autor, essa racionalidade dos agentes econômicos não é a única que modela o consumo. Existem estudos mais complexos sobre a interação entre produtores e consumidores que revelam que o consumo também se manifesta como uma racionalidade sociopolítica interativa. Ocorre que as inovações tecnológicas, a proliferação das redes de comunicação e de produtos interferem no consumo, como cita Manuel Castells: “O consumo é um lugar onde os conflitos entre classes, originados pela desigual participação na estrutura produtiva, ganham continuidade em relação à distribuição e à apropriação dos bens” (CANCLINI, 2005, p. 62). Neste contexto, o consumo difere das ideias que associam as práticas consumistas a compulsões irracionais e gastos inúteis, e os processos de consumo vinculados a uma relação entre os meios de comunicação.

Com isso, o consumo não está relacionado unicamente com a compra para aquisição de um produto. Ao analisar o perfil do leitor para consumo do livro, o consumo acontece a partir do ambiente midiático das redes, da organização de livros em banco de

dados, seguidos de dispositivos de compra como o Google Books e também as redes de relacionamento exclusivamente direcionadas a grupos de leitores que compartilham conhecimento, ideias e opiniões sobre livros já lidos, como o Goodreads.

Consumir, seja por necessidade básica ou supérflua, é atividade presente em toda e qualquer sociedade humana (BARBOSA, 2010, p. 8). Sociedade de consumo, segundo Jean Baudrillard em seu livro A Sociedade do Consumo, é aquela que pode ser definida por um tipo de consumo, o consumo do significado que o produto traz ao indivíduo nas relações sociais. “Raros são os objetos que hoje se oferecem isolados, sem o contexto de objetos que os exprimam. Transformou-se a relação do consumidor ao objeto: já não se refere a tal objeto na sua utilidade específica, mas ao conjunto de objetos na sua significação total” (BAUDRILLARD, 2011. p. 15). Neste sentido, aquilo que se consome representa um estilo de vida, uma individualidade, autoexpressão ou estilo pessoal. Cada produto consumido traz acoplado um significado, um signo de representação que reforça a individualidade e o estilo que são utilizados como signos culturais (BARBOSA, 2010, p. 23).

Um exemplo desse pensamento é a compra de cópias da bolsa da marca Louis

Vuitton no centro da cidade de São Paulo. A bolsa, ainda que seja uma imitação da original, traz um significado de luxo mesmo que a renda do consumidor não seja compatível com o consumo do produto original. Ao comprar a bolsa e utilizá-la em seu meio social, a consumidora deseja passar à mensagem de seu bom-gosto, de conhecer produtos de luxo. A bolsa em si é apenas um produto, mas seu significado é um elemento que comunica algo além da materialidade.

Outro exemplo pode ser o uso de dispositivos móveis pelo leitor para o consumo de informação em tempo real. O uso desses aparatos no transporte público é uma cena corriqueira e aponta um estilo de vida no qual a leitura é um elemento presente na vida das pessoas para aproveitar o tempo que se gasta em trânsito.

Roger Chartier (2012) concedeu uma entrevista no 3º Congresso Internacional CBL do Livro Digital em 201233, onde comenta sobre o advento das tecnologias digitais, como

33 A entrevista na íntegra está disponível no endereço

um fenômeno que traz inúmeras possibilidades para a construção do saber e como o campo editorial pode criar formas de aproveitar tais possibilidades. Ele comenta que o leitor da tela desenvolve uma leitura fragmentada, que mistura textos lidos, textos produzidos e textos reescritos. O texto impresso traz uma percepção diferente da obra como um todo, no sentido que o foco é o texto, ainda que também possa ser fragmentada se assim o leitor desejar. O digital permite a quebra, o desvio vinculado às possibilidades técnicas do aparato como anúncios de publicidade e alertas que surgem na tela. O mundo digital é muito mais do que o livro, é um mundo que define de uma forma nova, por exemplo, o que é a amizade, o que é sociabilidade e o que é identidade.

Com o avanço tecnológico, nota-se algumas alterações culturais relacionadas à maneira como praticamos a leitura a partir de um texto impresso e como praticamos a leitura por meio de uma plataforma digital. A leitura do livro impresso, ainda que possamos recortar e reescrever partes de texto utilizando papel ou mesmo o computador, imprimir e fazer anotações, essa atividade em comparação com a leitura no suporte digital, pode ser entendida como mais estática e exigindo movimentos exclusivamente das mãos com o objeto textual. A leitura do e-book, entretanto, ainda que também exija movimento com as mãos, oferece outras possibilidades de interação com o texto como, por exemplo, recortá-lo e editá-lo em outro local que não seja o original. A interação com o texto no

tablet ou no computador é distinta. Por exemplo, para mudar de página, é necessário apenas tocar ou deslizar o dedo na tela do tablet ou rolar a barra de rolagem do word. Ou ainda como é o caso da leitura em celulares o polegar faz movimentos de baixo para cima para rolar o texto além de permitir ler e conversar com outra pessoa por meio de chats, e-

mail, ou outro dispositivo de comunicação eletrônica, ao mesmo tempo em qualquer lugar do planeta e de maneira completamente móvel. Sobre esse ponto, Chartier (1998) relaciona algumas dessas diferenças estruturais das mídias, afirmando:

A inscrição do texto na tela cria uma distribuição, uma organização, uma estruturação do texto que não é de modo algum a mesma com a qual se defronta o leitor do livro em rolo da Antiguidade ou o leitor medieval, moderno e contemporâneo do livro manuscrito ou impresso, onde o texto é organizado a partir de sua estrutura em cadernos, folhas e páginas. O fluxo sequencial do texto na tela, a continuidade que lhe é dada, o fato de que suas fronteiras não são mais tão radicalmente visíveis, como no livro que encerra, no interior de sua encadernação ou de sua capa, o texto que ele carrega, a possibilidade para o leitor de embaralhar, de entrecruzar, de reunir textos que são inscritos na mesma memória eletrônica: todos esses traços indicam que a revolução do livro eletrônico é uma revolução nas

estruturas do suporte material do escrito assim como nas maneiras de ler. (CHARTIER, 1998, p. 12-13)

No texto digital, o acesso a uma página no meio do livro exige a rolagem do texto para cima ou para baixou; ou ainda da direita para a esquerda tendo que passar por todas as páginas. O mesmo acontece para localizar anotações feitas no livro digital. Já no livro impresso basta folhear para localizar a página desejada ou as anotações feitas.

Figura 2: Utilização dos dedos na leitura em tablet

Movimento do dedo indicador da direita para a esquerda deslizando na tela para mudar a página do livro digital. Fonte: Google

O manuseio do livro ocorre de forma diferente de acordo com o formato. Na tela, sendo ela de um computador, celular ou e-reader, o manuseio exige do leitor uma interação diferente da leitura no livro impresso. Na tela do celular e do leitor digital, os dedos são os instrumentos de maior atividade para interagir com o texto. O toque ao encostar o dedo na tela aciona a mudança de página, entre outras funções. Já no computador, por exemplo, o toque no mouse com o dedo faz rolar a página do livro para cima ou para baixo. São interações diferentes de folhear as páginas de um volume impresso e até mesmo de segurar o livro nas mãos.

No livro digital, a leitura ocorre através de interfaces apresentadas na tela dos aparatos. O dispositivo de apresentação do texto na tela oferece ao leitor a possibilidade de criar atalhos por meio dos links que o leva a outros locais na rede. A leitura pode ser fragmentada, mas também complementada com outros conteúdos relacionados ao tema lido. Enquanto que, no livro impresso essa possibilidade exige a busca de outro volume sendo impresso ou digital. Para relacionar com outros conteúdos, o leitor precisará de outro texto, seja num outro livro ou outro dispositivo, cuja diferença é a interface. No digital o software permite o acesso instantâneo a outro conteúdo.

Tanto na leitura do livro impresso quanto da tela, o leitor tem a possibilidade de fazer suas anotações no texto. No digital, essa possibilidade permite modificar o texto, recriá-lo ou reescrevê-lo em partes e disponibilizá-lo na rede desde que o texto não esteja protegido.