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3. Doença Degenerativa Crónica da Válvula Mitral

3.6. Sinais Clínicos

3.7.5. Bioquímicas Sanguíneas – Biomarcadores Cardíacos

Um biomarcador é definido como uma substância produzida por um tecido específico e que pode ser detectada em circulação. Para que tenha utilidade clínica, deve ser libertada em relação a um determinado processo patológico e fornecer informação que diga respeito à presença, gravidade e prognóstico da doença. Idealmente, um biomarcador deve ser estável e detectado através de um ensaio facilmente disponível, rápido e não dispendioso (Reynolds & Oyama, 2008). De entre os diversos biomarcadores cardíacos disponíveis, alguns são indicadores de lesão ou dano de cardiomiócitos (Troponinas I e T), outros, os marcadores neuro-humorais, indicam stresse de cardiomiócitos (péptidos natriuréticos e endotelina), as metaloproteínases de matriz são marcadores de remodelação cardíaca, os metabolitos do óxido nítrico acompanham a disfunção endotelial, e a proteína C reactiva e várias interleucinas estão associadas a inflamação. Todos estes biomarcadores desempenham um papel fundamental na compreensão da complexa fisiopatologia da doença cardíaca, mas a Troponina I e o péptido natriurético tipo B (BNP) são os que têm maior utilidade clínica (Loureiro, 2012).

A importância potencial do BNP mantém-se promissora e inclui possíveis papéis na ajuda ao diagnóstico de insuficiência cardíaca, na monitorização de doentes em risco de desenvolver doença cardíaca, na monitorização e planeamento da terapêutica, e ainda, através da utilização de alguma variante biologicamente activa da molécula, para o tratamento de cães com doença cardíaca (Sisson, 2009).

O BNP é produzido e armazenado como pro-BNP em resposta à distensão da parede, principalmente nos cardiomiócitos ventriculares, mas também, em menor extensão, nos atriais. O pro-BNP inactivo é então clivado em BNP, a forma circulante biologicamente activa, e no fragmento inactivo NT-proBNP. O NT-proBNP é um biomarcador mais estável que o BNP, o que torna a sua medição mais útil na prática clínica. Um estudo estabeleceu uma correlação significativa entre as concentrações de NT-proBNP e alguns parâmetros ecocardiográficos em cães com DDCVM, nomeadamente a FR%, o rácio LA:Ao, a FS% e o índice de volume no final da diástole. Este mesmo estudo demonstrou ainda que os animais na classe I da escala ISACHC, que morreram ou desenvolveram sinais de ICC num prazo de 12 meses após o início do estudo tinham uma concentração plasmática inicial de NT-proBNP mais elevada que os outros, concluindo assim que este biomarcador está correlacionado não só com a gravidade da DDCVM, como também com o prognóstico em cães assintomáticos (Chetboul et al., 2009). Outro estudo mais recente confirmou a observação de que o risco de mortalidade em cães com DDCVM aumenta com concentrações crescentes de NT-proBNP, constatando que uma concentração de 740 pmol/l é o limiar a partir do qual os cães parecem estar em risco aumentado de morrer no prazo de um ano, e que aumentos de 100 pmol/L aumentam em média 7% (2-11%) o risco de mortalidade (Moonarmart et al., 2010). A análise de NT-proBNP

também pode ser útil na avaliação de risco de animais sintomáticos, num estudo com 74 cães nas classes ISACHC II e III, para os animais na classe III, valores >2700 pmol/L estavam associados a tempos médios de sobrevivência extremamente baixos (5 dias), já animais na mesma classe mas com NT-proBNP <2700 pmol/L viviam em média mais de 180 dias. Na classe II os resultados foram semelhantes com valores de NT-proBNP >1265 pmol/L associados a tempos médios de sobrevivência de 130 dias e valores <1265 pmol/L a mais de 180 dias (Serres et al., 2009).

Até à data, a melhor indicação para o teste de NT-proBNP em medicina veterinária é provavelmente em cães com sinais respiratórios, na diferenciação entre os que sofrem de doença respiratória primária e os que estão em ICC. Como já foi referido, em cães geriátricos é frequente encontrar-se concomitantemente patologias do foro respiratório e DDCVM, e a presença de um sopro cardíaco característico pode subverter o reconhecimento de doença respiratória como a causa primária dos sinais clínicos (Oyama & Singletary, 2010). Num estudo com 25 cães em ICC e 21 com doença pulmonar primária, os segundos apresentavam níveis de NT-proBNP médios significativamente mais baixos (357 pmol/L) do que os animais com sintomas devido a patologia cardíaca (2554 pmol/L). Em todos os animais com doença respiratória, a concentração de NT-proBNP foi inferior a 800 pmol/L, conferindo 100% de especificidade para doença pulmonar a este valor. Em 23 dos 25 (92%) cães com insuficiência cardíaca a concentração de NT-proBNP foi superior a 1400 pmol/L (Fine, DeClue & Reinero, 2008). Num estudo semelhante com 115 animais com sinais respiratórios, uma concentração de NT-proBNP superior a 1158 pmol/L descriminou entre cães com ICC e cães com doença do tracto respiratório com uma sensibilidade de 85,5% e uma especificidade de 81,3%. De entre os cães com doença respiratória, aqueles que apresentavam concorrentemente hipertensão pulmonar tinham uma concentração sérica de NT-proBNP significativamente superior. Neste estudo, baixando o limiar para 963 pmol/L aumentou a sensibilidade para mais de 90%, e subindo o limiar para 1829 pmol/L aumentou a especificidade também para mais de 90%, sugerindo-se assim que valores inferiores a 900 pmol/L sejam considerados doença respiratória, valores superiores a 1800 pmol/L insuficiência cardíaca, e valores entre estes dois extremos devam ser interpretados com cuidado (Oyama et al., 2009). Num estudo com 1134 cães foi confirmada a utilidade do limite de 900 pmol/L para diferenciar animais com doença cardíaca de animais com doença respiratória ou saudáveis. No entanto, neste estudo a sensibilidade foi de apenas 68,2% e a especificidade de 83% para um valor limiar de NT- proBNP de 874 pmol/L. Neste último estudo a média e a mediana da concentração plasmática de NT-proBNP também aumentou com o aumento da gravidade da doença (Ettinger, Farace, Forney, Frye & Beardow, 2012).

Este biomarcador pode ainda diferenciar entre animais com doença cardíaca e animais saudáveis. Assim, num estudo com 119 cães com DDCVM, 18 com cardiomiopatia dilatada e 40 saudáveis, uma concentração sérica de NT-proBNP >445 pmol/L discriminou, com 83,2% de sensibilidade e 90,0% de especificidade, os cães doentes dos saudáveis. Em cães com doença cardíaca, a concentração de NT-proBNP estava correlacionada com a frequência cardíaca, frequência respiratória, dimensão ecocardiográfica do coração e função renal (Oyama, Fox, Rush, Rozanski & Lesser, 2008b). Foi descoberto que as concentrações de NT-proBNP estão frequentemente aumentadas para níveis sugestivos de doença cardíaca, e ocasionalmente compatíveis com ICC, em cães com taxa de filtração glomerular diminuída mas sem evidências de doença cardíaca. Este achado, juntamente com o elevado grau de variabilidade semanal detectada nas concentrações de NT-proBNP tanto em plasma como em soro em cães saudáveis, forma um argumento forte no sentido de recomendar alguma precaução na interpretação dos resultados deste biomarcador (Raffan et al., 2009; Kellihan, Oyama, Reynolds & Stepien, 2009).

A endotelina-1 é outro biomarcador de interesse pois está aumentada em cães e gatos com ICC. Um estudo refere um valor limiar de 0,478 fmol/mL, com sensibilidade de 85,7% e especificidade de 80,8%, na diferenciação de causas cardíacas e extra cardíacas de dispneia em cães (Prosek, Sisson, Oyama & Solter, 2007).

A lesão do miocárdio leva à libertação de troponinas para a circulação, pelo que estas podem ser também utilizadas como biomarcadores em cães com DDCVM. Num estudo que avaliou 81 cães com diferentes graus de gravidade de DDCVM, a troponina-I mostrou uma associação com a gravidade da doença, sendo que os cães com DDCVM grave apresentavam concentrações superiores aos que sofriam de doença ligeira e moderada. Em animais com doença moderada a grave a concentração de troponina-I também foi superior à detectada em animais saudáveis, mas é necessária alguma precaução na interpretação de resultados quando se utiliza este biomarcador pois as concentrações de troponina-I mostraram igualmente um aumento significativo com a idade dos animais (Ljungvall et al., 2010).

Resta ainda considerar a serotonina, que tem sido implicada no desenvolvimento de patologia valvular em humanos, em modelos animais e em cães com DDCVM. Os resultados de um estudo indicam que os cães com DDCVM e os cães da raça CKCS, que estão bastante predispostos a desenvolver a doença, têm concentrações séricas de serotonina superiores às de cães saudáveis de raças grandes. Apesar de estes resultados sugerirem um papel potencial da serotonina na fisiopatologia da DDCVM em cães, especialmente nos da raça CKCS, são necessários mais estudos para validar a sua possível utilização como biomarcador cardíaco (Arndt et al., 2009).