• Nenhum resultado encontrado

3. Doença Degenerativa Crónica da Válvula Mitral

3.6. Sinais Clínicos

3.7.4.3. Remodelação do Coração Esquerdo, Disfunção do Miocárdio e Alterações

3.7.4.3.1. Sobrecarga do Átrio Esquerdo

Uma RM crónica e hemodinâmicamente significativa traduz-se numa sobrecarga de volume, caracterizada primariamente por dilatação do átrio esquerdo (Chetboul & Tissier, 2012). O grau de dilatação do átrio esquerdo é frequentemente utilizado para indicar a fase de insuficiência cardíaca baseada nos critérios da New York Heart Association (NYHA) (consultar anexo XIII). Por outro lado, a observação de animais com insuficiência cardíaca significativa, mas sem uma dilatação concorrente de câmaras cardíacas, é sugestiva de um processo agudo e ruptura de CT (Boon, 2011a).

Apesar de se poder examinar o átrio esquerdo através de uma vista paraesternal direita em eixo longo e uma vista apical esquerda de 4 câmaras, a melhor vista é a paraesternal direita em eixo curto com a raiz da aorta, o corpo do átrio esquerdo e aurícula esquerda visíveis. A vista atrás mencionada é extremamente útil porque se pode comparar o diâmetro do átrio esquerdo com o tamanho da raiz da aorta, o qual é relativamente constante entre cães do mesmo porte (Häggström et al., 2005). Para além da comparação do tamanho do átrio esquerdo com o tamanho da aorta, estão descritas técnicas de avaliação do tamanho atrial por correlação entre o seu diâmetro e o peso corporal ou a superfície corporal do animal. Contudo, um método independente do peso corporal fornece uma medida mais consistente do tamanho do átrio esquerdo para cada individuo, pois o diâmetro aórtico num cão adulto deverá mudar menos ao longo do tempo do que o peso corporal.

Apesar de se poder calcular o rácio átrio esquerdo/aorta (LA:Ao) tanto em modo-M como em 2- D, as limitações inerentes às medições em modo-M, como sejam a dificuldade em observar fidedignamente o diâmetro máximo da aorta e possivelmente intersectar a aurícula esquerda com o cursor em vez do corpo do átrio, fizeram esta opção cair em desuso (Rishniw & Erb, 2000). Segundo aquele que ficou conhecido como o “Método Helvético”, para se calcular o rácio LA:Ao mede-se o diâmetro da raiz da aorta traçando uma linha que se estende do ponto médio da curvatura convexa da parede do seio aórtico direito até ao ponto onde a parede aórtica e as cúspides não-coronária e coronária esquerda da válvula aórtica se unem. O átrio esquerdo mede-se a partir deste último ponto, estendendo a linha com que se mediu o diâmetro interno da aorta até à interface sangue-tecido da parede do átrio esquerdo. Por fim divide-se o segundo valor pelo primeiro para obter um índice (ver figura 15). Estas medições fazem-se no início da diástole ventricular, utilizando a primeira imagem (frame) após a ejecção aórtica quando a válvula aórtica está encerrada, assemelhando-se as suas cúspides a um trevo, e quando o átrio

esquerdo assume uma forma semelhante à de uma lágrima (Hansson, Häggström, Kvart & Lord, 2002).

Num estudo realizado anteriormente numa população de 36 cães de diversas raças e cardiologicamente normais, o rácio átrio esquerdo/aorta foi medido de uma forma semelhante, obtendo-se uma média e mediana de 1,3, com o valor mínimo a ser de 0,86 e o máximo de 1,59 (Rishniw & Erb, 2000). Já os resultados obtidos por Hansson et al (2002) no seu estudo que incluiu 166 animais todos da raça CKCS, 56 saudáveis e 110 com RM, apontam para um valor médio de 1,03, num intervalo entre 0,84 e 1,27 para animais normais, aumentando esse valor para 1,61 em animais com RM, tendo estes últimos apresentado como valor mínimo 0,95 e 3,17 como máximo. Estas diferenças podem ser explicadas pelas diferenças nos métodos de medição e por um dos estudos apresentar cães de uma só raça, com um peso médio de 8,7Kg, enquanto a maioria dos cães no outro estudo apresentavam pesos compreendidos entre os 10 e os 40Kg (Hansson et al., 2002).

É importante reparar que existe alguma variabilidade nas medições obtidas para o mesmo cão entre batimentos cardíacos; por isso, devem fazer-se 3 medições individuais em 3 batimentos cardíacos consecutivos e posteriormente calcular a média dos valores obtidos (Rishniw & Erb, 2000). Estes métodos apresentam no entanto diversas limitações, sendo frequente subestimarem o tamanho do átrio esquerdo, especialmente quando este está aumentado (Tidholm, Westling, Höglund, Ljungvall & Häggström, 2010). Assim, à medida que a gravidade de RM aumenta, este rácio pode não reflectir com precisão o aumento do tamanho atrial, por outro lado, a raiz da aorta pode diminuir quando há um decréscimo do fluxo sanguíneo ejectado. Esta diminuição da raiz da aorta também se verifica em situações que cursam com baixo volume de sangue circulante (Boon, 2011a). A dificuldade por vezes encontrada em cães normais, quando uma veia pulmonar entra no átrio esquerdo na zona onde se faz a medição, dificultando assim a correcta visualização da parede atrial, pode ser contornada fazendo uma extrapolação do limite da parede atrial ou fazendo a medição num ponto imediatamente lateral ou medial ao vaso em questão (Hansson et al., 2002).

Recentemente, Le Bobinnec (2010), propôs uma adaptação deste método utilizando a mesma abordagem ecocardiográfica de eixo curto, com critérios bastante semelhantes para a medição da aorta, mas medindo o átrio esquerdo numa vista mais cranial (supra-aórtica) em vez da tradicional imagem trans-aórtica. Este novo método pretende ultrapassar o desrespeito pela anatomia do átrio esquerdo dilatado que os anteriores apresentavam.

Figura 15. Imagens ecocardiográficas obtidas na vista paraesternal direita trans-aórtica, ao nível da válvula aórtica, de dois cães com DDCVM (adaptado de Chetboul & Tissier, 2012).

Legenda. A imagem (A) pertence a um cão com DDCVM na classe IA, segundo a escala de classificação ISACHC3. Como se pode observar ainda não há dilatação atrial e o rácio LA:Ao é de 1. A imagem (B)

pertence a um animal na classe III de DDCVM, podendo-se observar uma dilatação atrial marcada, que corresponde a um rácio LA:Ao de 2,86. Ao: aorta; Aur: aurícula esquerda; LA: átrio esquerdo; RVOT: tracto de saída do ventrículo direito.

Uma dilatação grave do átrio esquerdo com pressões intra-atriais elevadas concorrentes em cães com DDCVM pode ocasionalmente levar a rupturas da parede do átrio (Boon, 2011a). Para além da ruptura da parede caudal do átrio esquerdo, que não sendo comum está bem descrita, podem também ocorrer defeitos do septo atrial adquiridos. Alguns factores específicos desempenham um papel nas rupturas do septo atrial, como a fragilidade anatómica da porção fina e ligeiramente translúcida da fossa ovalis, que pode explicar o facto de a maioria das rupturas do septo ocorrerem na sua proximidade. Em contraste com as consequências negativas da ruptura da parede caudal do átrio, uma ruptura no seu septo pode oferecer vantagens hemodinâmicas a cães com pressões atriais esquerdas elevadas, oferecendo uma alternativa de baixa pressão para o sangue fluir, com o shunt esquerda-direita (Peddle & Buchanan, 2010). No entanto, no caso de um shunt esquerda-direita considerável, pode também contribuir para uma sobrecarga de volume direita, elevação da pressão venosa sistémica e ICC direita (Chetboul & Tissier, 2012) Quando a ruptura ocorre na parede lateral do átrio ou no apêndice auricular leva a acumulação de sangue no saco pericárdico. O achado ecocardiográfico de um trombo no interior do saco pericárdico confirma o diagnóstico de ruptura da parede lateral do átrio esquerdo, pois as efusões pericárdicas secundárias a neoplasia, pericardite ou insuficiência cardíaca não tendem a formar coágulos (figura 16) (Boon, 2011a).

3 Escala de classificação funcional de insuficiência cardíaca desenvolvida pelo International Small Animal

Figura 16. Vista paraesternal direita de 4 câmaras ilustrativa de ruptura do átrio esquerdo (adaptado de Boon, 2011a).

Legenda. Trombos no interior do saco pericárdico aparecem como longos filamentos laminares (seta amarela). LA: átrio esquerdo; LV: ventrículo esquerdo; RA: átrio direito; RV: ventrículo direito; PE: efusão pericárdica.