• Nenhum resultado encontrado

Estudo de fitoquímico de Solanum cernuum Vell.

I.1.6 Amidas dos ácidos hidroxicinâmicos

I.1.6.2 Biossíntese das HCAAs

As HCAAs são formadas através da condensação de uma forma activada dos ácidos cinâmicos (i.e. de ésteres de coenzima A) com aminas alifáticas e aromáticas, tal como se encontra ilustrado na Figura 3.

Estas reacções de condensação para formar as amidas dos ácidos hidroxicinâmicos requerem que os ácidos cinâmicos sejam previamente activados na forma de éster de coenzima A, catalisadas por ligases. Os tioésteres hidroxicinamoil-CoA (p-cumaroil-CoA (49), cafeoil-CoA (50) e feruloil-CoA (51)), que constituem as formas activadas dos ácidos cinâmicos, derivam do ácido trans-cinâmico (52). O ácido trans-cinâmico forma-se a partir da L-fenilalanina (53), após eliminação bimolecular de uma molécula de amónia da cadeia lateral, catalisada pela enzima fenilalanina amónia liase (PAL). A hidroxilação do ácido cinâmico, dependente do citocrómio P450, origina o ácido p-cumárico (54). Em certos membros das famílias Graminae e Poaceae, o ácido p cumárico pode formar-se a partir da tirosina (55) após eliminação bimolecular de uma molécula de amónia, catalisada pela tirosina amónia liase (TAL).55

Outros ácidos cinâmicos formam-se por reacções de hidroxilação e metilação do ácido p- cumárico, originando os modelos de substituição típicos dos metabolitos da via do ácido xiquímico i.e. um modelo de substituição orto. A hidroxilação do ácido p-cumárico origina o ácido cafeico (56) e a metilação de um dos grupos OH do ácido cafeico para formar o ácido ferúlico (57) ocorre de acordo com um mecanismo de substituição nucleofílica SN2 catalisado por uma metiltransferase com participação de S-adenosilmetionina como grupo dador.

Na biossíntese das poliaminas, a putrescina (25) pode formar-se por descarboxilação da L- ornitina (58) catalisada pela ornitina descarboxilase e indirectamente a partir da L-arginina (59). A via da arginina envolve uma descarboxilação inicial catalisada pela arginina descarboxilase formando a agmatina (28), seguida da hidrólise da função imina no sistema guanidínico catalisada pela agmatina imino-hidrolase para dar a N-carbamoilputrescina (60) e da hidrólise da ureia catalisada pela enzima N-carbamoilputrescina hidrolase.

A espermidina (26) e a espermina (27) formam-se a partir da putrescina (25) por reacções de N-alquilação em que ocorre a transferência de um ou mais fragmentos aminopropilo de uma

molécula de S-adenosilmetionina descarboxilada para a putrescina e para a espermidina, respectivamente, catalisada pela enzima adenosilmetionina descarboxilase.55

As aminas aromáticas formam-se a partir da tirosina (55) e do triptofano (61), por reacções de descarboxilação ou de hidroxilação que originam a tiramina (35), a dopamina (37) e a triptamina (38).55

Finalmente, a biossíntese das HCAAs ocorre via formação de uma ligação amida entre um grupo amina das poliaminas e os ésteres de CoA. Como exemplo a enzima putrescinahidroxicinamoiltransferase catalisa a transferência do grupo ácido hidroxicinâmico do cafeoil-CoA (50) para a putrescina (25) originando a amida do ácido hidroxicinâmico N- cafeoílputrescina (33). N H NH2 HO HO O N-cafeoilputrescina (33) S HO HO O cafeoil-CoA (50) CoA H2N NH2 putrescina (25) + -HSCOA (putrescina hidroxicinamoil transferase)

I.1.6.3 Actividade Biológica

As HCAAs encontram-se presentes num vasto conjunto de espécies vegetais. Desempenham funções importantes no desenvolvimento da planta,71 nas interacções planta-planta,72 planta agente patogénico,62 planta–insecto73 e planta– meio ambiente. 74

A possibilidade de as HCAAs terem uma função no desenvolvimento das espécies vegetais assenta na relação observada entre a acumulação destes metabolitos e o desenvolvimento de flores e outros orgãos. Assim, foram identificadas as amidas básicas N-cafeoilputrescina (33) e N- cafeoilespermidina em ápices dos rebentos, folhas novas e orgãos reprodutores femininos durante a indução floral na planta Nicotiana tabacum L.. Por outro lado verificou-se a acumulação de p- cumaroiltiramina (39) nos orgãos reprodutores masculinos.62A acumulação de HCAAs específicas está também ligada ao processo de tuberização na espécie Solanum tuberosum. Foram observados níveis elevados de p-cumaroilputrescina (29), cafeoilputrescina (33), feruloilputrescina

(30) nos estolhos durante a formação dos tubérculos. Por outro lado a N-trans-feruloiltriptamina é inibidor da germinação de espécies vegetais (Lactuca sativa L., Lycopersum esculentum L., Allium cepa) o que abre caminho a estudos de aplicação como herbicida natural. 72

Pensa-se que as amidas dos ácidos hidroxicinâmicos são metabolitos biossintetizados pela planta como resposta à infecção por agentes patogénicos mediando desta forma a interacção entre as espécies. De acordo com Keller et al75 durante a expressão da resistência à infecção por fungos estes compostos ligam-se às paredes celulares das plantas das espécies Graminea e Solanaceae formando uma barreira fenólica que torna as paredes celulares mais resistentes à hidrólise enzimática. O trabalho de McLusky et al. veio mostrar que a exposição de Allium cepa a Botrytis allii resultava no aparecimento de depósitos granulares destes metabolitos na face interior da parede celular, fora da membrana celular.76

A função de defesa para fungos assenta num conjunto de observações como a acumulação de p-cumaroilagmatina (30) induzida nas folhas de cevada infectadas com o fungo Erysiphe graminis f. sp. hordei77 e a acumulação de p-cumaroiltiramina (39) e de feruloiltiramina (40) induzidas na folha da Solanum tuberosum pela infecção com Phytophtora infestans.75 Observou-se igualmente que a feruloilputrescina (50) se acumulava em tubérculos de S. tuberosum infectados com Phoma exígua.78

A actividade antibacteriana de um conjunto largo de HCAAs foi testada para as bactérias Staphylococcus aureus resistente à meticilina (Methicilin Resistant Staphylococcus aureus) e Staphylococcus aureus resistente à vancomicina (Vancomycin Resistant Staphylococcus aureus). Observou-se que, de entre os compostos testados, os derivados que possuíam um fragmento cafeoílo eram mais activos para a estirpe Staphylococcus aureus resistente à vancomicina (VRSA) do que os compostos de referência. Estes compostos apresentaram também actividade antibacteriana para a estirpe MRSA, sendo mais potentes do que a oxacilina.79 Foi também relatada a actividade dos isómeros cis e trans da p-cumaroiloctopamina (43) e (41) e dos isómeros cis e trans (44) e (42) da feruloiloctopamina isolados de Solanum lycopersicum para a bactéria Pseudomonas syringae.80

A actividade antitumoral da N-trans-p-cumaroiltiramina (39) para as linhas celulares U937 e Jurkat foi referida pelo trabalho de Park e Schoene.81

Foi também descrita actividade oxidante e antiviral dos derivados cinamoil e hidroxicinamoil da glaucina (62 a 66) para os virus Polyovirus tio 1, coxsackievirus B1 e echovirus 13.82

N OCH3 H3CO CH3 H3CO H3CO HN O R4 R1 R2 R3 N-cinamoil-trans-3-aminometilglaucina (62) (R1=H, R2=H, R3=H, R4=H)

N-feruloil-trans-3-aminometilglaucina (63) (R1=OCH3, R2=OH, R3=H, R4=H)

N-sinapoil-trans-3-aminometilglaucina (64)(R1=OCH3, R2=OH, R3=OCH3, R4=H)

N-o-cumaroil-trans-3-aminometilglaucina (65) (R1=H, R2=H, R3=H, R4=OH)

N-p-cumaroil-trans-3-aminometilglaucina (66) (R1=H, R2=OH, R3=H, R4=H)

A p-dicumaroilputrescina (67) e a diferuloilputrescina (68) isoladas do extracto etanólico de farelo de milho exibiram actividade anti-inflamatória ao inibir a produção de óxido nítrico, a expressão das isoformas induzidas da enzima óxido nítrico sintase (iNOS) e o factor de transcrição NF-kB. Estes resultados sugeriram que o farelo de milho pode constituir uma fonte de agentes anti-inflamatórios naturais.83 N H HO O H N O OH R R dicumaroilputrescina (67) (R=H) diferuloilputrescina (68) (R=OCH3)