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4 TRAJETÓRIA DE VIDA DOS SEGUIDORES DOS ESCULTORES

4.1 ESCULTORES DA SEGUNDA GERAÇÃO

4.1.3 Os Sobrinhos de Louco e Maluco

4.1.3.1 Bolão

Waldemir Cardoso Nascimento (Figura 40) nasceu em Cachoeira no ano de 1954 e faleceu na mesma cidade em 28 de setembro de 1978295. Aprendeu o ofício de marceneiro com seu pai, Valdomiro Carvalho Nascimento, empregado da Leste Brasileira, reconhecido na cidade em sua época pelo ofício. Sua mãe, Balbina Cardoso, era irmã de Louco e Maluco. Foi na casa deste que Waldemir fez a sua primeira escultura aos 16 anos de idade.296 Apelidado de Bolão, era assim que assinava seus trabalhos. (Figura 41)

Figura 40 – Waldemir Cardoso

Nascimento (Bolão). Desenho a carvão, da autoria de Suzane Pinho Pêpe, baseado em fotografia dos anos 1970,

de Maria do Carmo B. de Holanda / Dalvino T. França.

Fonte da fotografia: COIMBRA, Silvia et al. Reinado da Lua: escultores populares do Nordeste. Recife: Caleidoscópio, 2010. p. 138.

Figura 41 – Assinatura de Bolão

(Waldemir Cardoso Nascimento) em pilão. 1975. Escultura de madeira. h = 0,71 m. Exposta na Casa Santa Bárbara, Fundação Hansen Bahia. São Félix, BA, em 2012.

Foto: Autora

295 BAHIA, Poder Judiciário. Cartório do Registro Civil das Pessoas Naturais. Certidão de Óbito de Waldemir

Cardoso Nascimento. Cachoeira, via emitida em 20 mar. 2014.

O caminho da arte não retirou de Waldemir o gosto pelos estudos, tendo concluído o curso de Contabilidade no Colégio Estadual da Cachoeira (CEC). Todavia, foi à escultura que decidiu se dedicar. Tinha como amigos seus contemporâneos de colégio e alguns membros da Galeria Casa Velha, por onde circulava de vez em quando. Sediada na Praça da Aclamação no 2, essa comunidade era formada por um grupo de jovens297 da cidade que buscavam a liberdade de expressão através da arte. Alguns deles eram muito próximos de Bolão, como Naysson Reis, que, apesar de ter ingressado no IBGE, manteve uma ligação com a pintura; Manoel Passos Pereira, que também participou da Associação de Estudantes Pré- Universitários de Cachoeira (AEPUC) e estudou História; além do professor de Artes Industriais Raimundo Cerqueira. Foi contemporâneo na escola e amigo de Rosa Baraúna, mais tarde diretora regional do IPAC. Vários desses jovens eram politizados. Bolão abriu seu ateliê na Rua 13 de Maio e este passou a ser espaço de reunião, segundo Manoel Passos:

O ateliê dele era ali perto do fundo da Igreja matriz, uma casa que Raimundo Cerqueira cedeu a ele, a parte de baixo para ser o seu ateliê. Quando ele foi a São Paulo, ele conheceu um jornalista chamado Wagner não sei das quantas. Esse cara deu a ele uma fita de videocassete com música de Violeta Parra, Victor Jara, a Internacional Comunista. Nós ouvíamos essas coisas que eram proibidas lá no ateliê de Bolão. A gente discutia arte, escultura. Era um centro de escultura, ia Pedro Macaco, escultor; Fory, escultor, frequentava. Era menino ainda aprendendo com Bolão. 298

Outros depoimentos corroboram o reconhecimento de que as ideias de Bolão, na primeira metade dos anos 1970, já demonstravam um certo engajamento contra o racismo dirigido ao negro.

Segundo Luiz Araújo299:

Bolão tinha uma escolaridade maior e foi ganhando consciência política. Começou a trazer folhetos, a criticar músicas, falar contra o racismo. Enfim, passou a ser o intelectual da família. Conversava sobre estética, comentava sobre os penteados rastafáris. O trabalho de Bolão tinha uma “roupagem estética”. Criticava músicas, falava contra o racismo.

De acordo com Fory Nascimento300:

297 Antônio Carlos Araújo Correia (Toinho Cientista), Naysson Queiroz dos Reis, Manoel Passos Rocha Pereira,

Roberto Cerqueira, Ronaldo Vacarezza, Antônio Moraes, entre outros.

298 PEREIRA, Manoel Passos Rocha. Depoimento oral, 25 jan. 2012; CERQUEIRA, Raimundo Alberto Ferreira

de. Depoimento oral, 10 abr. 2012.

299 ARAÚJO, Luiz Antônio. Depoimento oral, 4 jul. 2012.

Bolão era uma pessoa que estudava, que lia muito, que tava na onda das discussões, que eram aquelas coisas pelas lutas, pela democracia [...] também foi para os Estados Unidos naquele período. [...] começava também aquele processo de retomada da autoestima do povo negro através do movimento dos negros, que tava surgindo e tal, e aquelas influências de universidade como um todo e de colegas nossos, de contemporâneos indo para Salvador e voltando [...]. Aí, desse processo a gente também começa a pensar de uma forma mais universal.

Identificamos duas linhas de trabalho na obra de Bolão: a primeira focada nos ícones das religiões professadas localmente, como um pilão decorado com representações religiosas entre santos e orixás, conservado na Casa Santa Bárbara – Fundação Hansen Bahia (São Félix), e trabalhos mais intimistas e fruto de uma vontade de representar a identidade do negro e seus sentimentos amorosos (Figura 42).

Figura 42 – NASCIMENTO, W. C. (Bolão). Casal (detalhe). Escultura de madeira. Coleção particular, Cachoeira, BA, em 2010.

Foto: Autora

Seus amigos dizem que ele não se identificava com a temática religiosa. Segundo Luís Cláudio do Nascimento, Bolão:

Começou a colocar elementos mais sofisticados, modernos dentro da escultura dele. Ele não fazia a imagem nem da imagem sacra da Igreja Católica, santo, nem fazia a imagem do orixá, nem a imagem da coisa, ele fazia do negro, da opressão que o negro vivia, que era a opressão que ele [vivia].301

As suas figuras têm lábios grossos, nariz chato e cabelos encaracolados. Aquelas cuja fisionomia reflete preocupações ontológicas do ser negro ganham força plástica, transmitindo uma tensão e uma angústia vividas pelo artista. A arte passa a ser entendida como expressão do sentimento humano.

Bolão foi “artista convidado” da Exposição de Artes Plásticas do I Festival de Inverno (1976), na qual foram reunidos trabalhos de artistas baianos muito conhecidos.302 Nesse mesmo ano, passou um mês nos EUA, participando de um workshop no festival de arte promovido pelo United States Information Service (USIS) em parceria com a Bahiatursa, que levou diversos artistas baianos a esse evento.303

O escultor Bolão viajava a Salvador com frequência, deixando peças em consignação em algumas galerias. Há uma escultura de sua autoria no Convento do Carmo (Cachoeira). Algumas fotografias de seus trabalhos aparecem no livro O reinado da lua: escultores populares do Nordeste.

Faleceu em 1978304, aos 24 anos, deixando uma lacuna como jovem artista sensível às questões raciais. O jornal A Cachoeira publicou a seguinte nota em 1o de outubro de 1978:

A comunidade artística-artesanal perdeu na manhã de 28 do recém-finado, um expoente, Sr. Waldemir Cardoso do Nascimento, conhecido por “Bolão” pelos seus apreciados trabalhos artesanais e obras de entalhes. O jovem extinto enforcou-se com uma corda nas oficinas de trabalho da Rua 13 de Maio no 11, filho do Sr.

Valdomiro Cardoso. Família a quem apresentamos nossos sinceros sentimentos pêsames.305

Não somente esta nota, mas todos os depoimentos que nos foram concedidos durante a pesquisa por artistas e outras pessoas da cidade não deixaram de ressaltar que Bolão bem jovem se destacou por seu trabalho artístico. Naysson Reis falou assim sobre a razão que parece ter levado seu amigo: “Como todos nós temos o nosso lado oculto. Havia um problema depressivo”306.

O seu trabalho exerceu influência sobre esculturas de Pedro Macaco307, que se tornou músico profissional, e sobre alguns trabalhos de Fory Nascimento. Tanto este quanto Bolão

302 I FESTIVAL, 1976, p. 1.

303 PEREIRA, Manoel Passos Rocha. Depoimento oral, 25 jan. 2012.

304 BAHIA, Poder Judiciário. Cartório do Registro Civil das Pessoas Naturais. Certidão de Óbito de Waldemir

Cardoso Nascimento. Cachoeira, via emitida em 20 mar. 2014.

305 FALECIMENTOS. Sr. Waldemir C. Nascimento (Bolão). A Cachoeira. Cachoeira (BA), 1o out. 1978, p. 2. 306 REIS, Naysson Queiroz dos. Depoimento oral, 26 fev. 2013.

307 Segundo depoimento, Pedro Macaco era músico e escultor. Morou em Cachoeira até os anos 1980. No Rio de

Janeiro, frequentava o meio artístico e conheceu a sua esposa (“uma americana”) na casa de Zezé Mota. Foram para os EUA e hoje ele mora na Alemanha. (ARAÚJO, José Cardoso de. Depoimento oral, 13 ago. 2011.)

partiram para buscar soluções plásticas que valorizassem os espaços vazios deixados pelas formas tridimensionais esculpidas.