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4 TRAJETÓRIA DE VIDA DOS SEGUIDORES DOS ESCULTORES

4.1 ESCULTORES DA SEGUNDA GERAÇÃO

4.1.4 Outros Seguidores

4.1.4.1 Fory

Carlos Alberto Dias do Nascimento (Figuras 49 e 50) nasceu na cidade de Cachoeira em 10 de julho de 1959. Seu pai, Alberto Dias do Nascimento, lutou na II Guerra Mundial e costumava dizer que filho seu nunca usaria farda. Moravam na Rua Ana Nery e, aos 9 anos de idade, Carlos Alberto começou a frequentar uma “tenda” de carpintaria no Solar da Sapucaia, defronte de casa. Como muitos garotos, ajudava na limpeza, pegava madeira e ferramentas, além de observar e fazer miniaturas de móveis e desenhos nas horas livres. Segundo ele:

Naquele período dos anos 60, início dos anos 70, nas famílias muito numerosas, os pais sempre pegavam os filhos e davam ocupação: uma parte da manhã, você vai para a escola; outra parte, você vai aprender a fazer alguma coisa e cuidar de alguma coisa. Aí, um irmão vai para oficina, o outro vai para atrás de um balcão, vai ajudar na caixeira de venda, cada um vai tomar uma atividade para não ficarem dez filhos dentro de casa aprontando, fazendo bagunça e eu fui para a Matriz do outro lado da minha casa e comecei a desenvolver uma forma de escultura [...]337

Foi nesse lugar que Carlos Alberto começou a talhar cabeças e máscaras em miniatura. Nessa época, pediu a seu pai, que era amigo de Louco (a quem chamava de “Ventura”), para abrir uma exceção e aceitá-lo como ajudante na barbearia, que frequentou durante um período, observando Louco e Maluco esculpir. Para ele, o primeiro foi decisivo em sua trajetória: “Na arte, recebi influências do Louco, que foi meu mestre. Foi a partir do contato com o Louco que comecei a me desenvolver como escultor”.338

Começou a comercializar as suas peças aos 15 anos de idade, adotando o nome artístico Fori ou Fory (Figura 51), apelido que recebera, uma redução do nome do lutador italiano Forforifa. Estudou até o ensino médio e tomou um curso de guia de turismo, atividade que exerce esporadicamente, recebendo grupos que visitam Cachoeira. Casou-se com Alzira Costa, jornalista, com quem tem um filho339, que não se tornou escultor, hoje, engajado na Aeronáutica.

Nos anos 1970, a presença do gravador Hansen Bahia, das artistas plásticas Ilse Hansen, Noelice Costa Pinto e de outros artistas em Cachoeira lhe serviu de estímulo, assim como os festivais de inverno organizados, os cursos de gravura, pintura e desenho que

337 NASCIMENTO, Carlos Alberto Dias do. Depoimento oral, 8 nov. 2011. 338 NASCIMENTO, Carlos Alberto Dias do. Depoimento oral, 22 abr. 2008. 339 NASCIMENTO, Carlos Alberto Dias do. Depoimento oral, 22 abr. 2008.

aconteceram, criando um ambiente estimulante de trocas entre os jovens. Teve nessa época oportunidade para fazer xilogravura e cerâmica.

Figura 49 – Carlos Alberto Dias do Nascimento (Fory) nos anos 1980.

Fonte: Fotografia do acervo do escultor.

Figura 50 – Carlos Alberto Dias do Nascimento (Fory) em seu ateliê na Rua 13 de Maio, Cachoeira, BA, em 2012.

Foto: Autora

Figura 51 – Assinatura de Fory (Carlos Alberto Dias do Nascimento) na escultura Figura Feminina. h = 0,51 m. Coleção particular, Salvador, BA, em 2013.

Foto: Autora

Carlos Alberto se considera “negro” e assinala que não pode deixar de reconhecer que tem ascendência indígena, contudo, seu trabalho evidencia a necessidade de afirmar a identidade do negro na sociedade brasileira. O seu interesse pelo candomblé não está apenas no sentido estético de seus rituais. Depois de adulto passou a frequentar, de forma sistemática, o terreiro da nação queto Yiê Oyó Mecê Alaketu Axé Ogum, na cidade de Governador Mangabeira, fundado pelo babalorixá Leopoldo Silvério da Rocha.

As representações de Fory não se restringem apenas a temas da religiosidade, esculpe outros temas. Na escultura Rastafari (1983) (Figura 52), homenageou Bob Marley

(falecido em 1981), cuja música influenciou jovens cantores de reggae da cidade de Cachoeira, que denunciam o sofrimento vivido pelo negro. Em 1985, a Loteria Federal colocou em circulação um bilhete de aposta com uma imagem dessa escultura, sem citar o autor nem pedir concessão de direito autoral, imagem que tinha sido concedida para publicação em livro da Funarte, que provavelmente doou a fotografia de seu trabalho à Caixa Econômica Federal340.

Figura 52 – NASCIMENTO, C. A. D. (Fory). Rastafari. 1983. Escultura de madeira, pregos, búzios e outros materiais. h = 1,20 m.

Fonte: ARTISTAS de Cachoeira expõem hoje na Galeria do Ferrão. Correio da Bahia, Salvador, 3 abr. 1986. 2o Caderno, p. 5.

Fory considera que a contestação judicial pela violação de seus direitos pode ter contribuído para uma mudança de atitude, por parte de órgãos públicos, em relação à apropriação de imagens produzidas por autores autodidatas.341 Independentemente desse acontecimento, essa escultura do ponto de vista da sua plasticidade é impactante. Exposta em mostras, despertava intensamente a curiosidade de visitantes nacionais e estrangeiros.

A abertura do Ateliê de Fory na Rua 13 de Maio foi noticiada no jornal A Tarde, de 14 de agosto de 1987, que mencionou ainda os eventos dos quais Fory já havia participado e acrescentou que ele: “Usa sempre motivos afros em seus trabalhos, como a forma e símbolos

340 A ESCULTURA e a arte de Fory. Correio da Bahia, Salvador, 4 set. 1985. 2o Caderno, p. 8.

TALENTO, Biagio. Escultor processa Funarte e Caixa. Jornal da Bahia, 25 mai. 1985. (Tivemos acesso a recorte de jornal desta matéria cedido por dois artistas e em biblioteca, mas não conseguimos localizar este exemplar nos arquivos públicos.)

dos Orixás, suas danças e costumes”.342 No ano seguinte, a Tribuna da Bahia publicou uma

matéria sobre uma exposição sua e o lançamento, em seu ateliê, do livro A Boa Morte em

Cachoeira, de autoria de seu irmão Luís Cláudio Dias do Nascimento.343 Fory participou, em

1986, da III Conferência Mundial dos Orixás, Tradição e Cultura, em Nova York, que reuniu representantes do mundo Atlântico Negro (Caribe, Brasil, EUA e países da África), o que foi muito significativo para ele pela troca de experiências, em outro ambiente, com representantes da cultura de lugares da diáspora. A exposição de arte aconteceu no Aaron Davis Hall (Universidade no Halley) e o nome de Fory foi destacado na mídia americana. Na mesma ocasião, ele proferiu uma conferência sobre o tema orixás, no Caribe Cultural Centre.344

Participou da Pré-Bienal de Cultura Afro (1984/1985), no MAFRO – UFBA; da I Bienal de Cultura Afro (1987), no MAB (promovida pelo Núcleo Cultural Afro-Brasileiro); da exposição em “Homenagem a Tamba” (1987), no SPHAN, em Cachoeira; e da mostra individual “Omo-Ebora” (1988), em seu ateliê em Cachoeira e no Hotel Villegaignon em Morro de São Paulo; da II Bienal de Cultura e Arte Negra (1992), realizada em Salvador com extensão em Cachoeira.

A mostra intitulada “Omo-Ebora” foi noticiada pelos jornais de Salvador. Em iorubá, “omo” quer dizer criança, filho345. De acordo com Juana Elbein dos Santos, no sistema

religioso nagô, os ebora constituem entidades sobrenaturais encabeçadas por Odudua, detentoras do poder feminino, enquanto os orixás-funfun (do branco), encabeçados por Orixalá ou Obatalá, detêm o poder masculino. Exu pode estar agregado a uma ou outra categoria.346 Segundo reportagem sobre essa exposição de Fory, havia esculturas com variações de Exu, com a intenção de desmistificar interpretações negativas sobre esse orixá, que é responsável pela dinâmica que existe em tudo.347 Todos os poderes e as qualidades dos orixás só são colocados em prática pela atuação de Exu.348

Outros eventos, além dos citados, fazem parte de sua trajetória: mostra “Cachoeira e seus Artistas” (1986), no Solar do Ferrão (Salvador); Coletiva na Sede do SPHAN em Cachoeira (13 de maio de 1987); Bienais do Recôncavo (1991 e 2006/2007), na Fundação Dannemann (São Félix); I Semana de Arte e Cultura (1991), na Galeria do IPAC (Salvador); Exposição Coletiva de Artistas Regionais (2000), na Galeria do SEBRAE (Salvador);

342 CACHOEIRA. A Tarde, Salvador, 14 ago. 1985. Municípios, p. 2.

343 ESCRITOR lança livro hoje. Tribuna da Bahia. Salvador, 12 ago. 1988. Municípios, p. 8. 344 NASCIMENTO, Carlos Alberto Dias (Fory). Depoimento oral, 22 abr. 2008.

345 NAPOLEÃO, Eduardo. Vocabulário yorùbá. Rio de Janeiro: Pallas, 2011. p. 77 e 174. 346 SANTOS, Juana Elbein dos, 1976, p.72-75.

347 ESCRITOR lança livro hoje. Tribuna da Bahia, Salvador, 12 ago. 1988. Municípios, p. 8.

“Cachoeira na Ótica dos Artistas Plásticos Cachoeiranos” (2002), na Câmara Municipal (Cachoeira); “Cidade Histórica, uma Cachoeira de Emoções” (2012), no Instituto Mauá (Salvador); e “Escultores de Cachoeira: Arte em Madeira” (2012), no Espaço Cultural Fundação Hansen Bahia (Cachoeira).

Fory tem esculturas espalhadas pela América do Norte e Europa, geralmente, adquiridas por colecionadores em sua cidade e em Morro de São Paulo, onde expõe trabalhos em galerias de arte e artesanato; além disso, já fez remessas de esculturas para o exterior.