• Nenhum resultado encontrado

O BRAIN DRAIN INDIRECTO – A QUESTÃO DA SAÍDA DE RECURSOS HUMANOS AINDA EM FORMAÇÃO

No documento Imigrantes Qualificados em Portugal (páginas 48-52)

REVISÃO DA LITERATURA: O ESTADO DOS SABERES

2. O BRAIN DRAIN INDIRECTO – A QUESTÃO DA SAÍDA DE RECURSOS HUMANOS AINDA EM FORMAÇÃO

(E O NÃO RETORNO DESTES)

A noção de brain drain embora inicialmente pensada para descrever o movimento de profissionais qualificados de países em desenvolvimento para os países desenvolvidos começou, mais recentemente, a ser aproveitada também para designar o movimento de estudantes de graduação ou pós-graduação entre os referidos países. A ideia subja- cente a esta utilização é a de que, à semelhança do que sucede com os profissionais qualificados, a saída de estudantes para prosseguir a sua carreira educativa num país desenvolvido, poderá representar a perda definitiva desses estudantes para o país de origem e, assim, subtrair ao país futuros recursos humanos qualificados necessários ao seu desenvolvimento. A criação de condições políticas e económicas favoráveis à deslocação dos estudantes universitários dos países em desenvolvimento poderá, deste modo, ser entendida como mecanismo de captação desses estudantes por parte dos países desenvolvidos que se torna particularmente gravosa quando, como frequente- mente sucede, a saída inicialmente planeada como temporária se transforma em saída definitiva.

Como afirma Pizarro (2005), referindo-se especificamente ao caso latino-americano, face às oportunidades de realização da formação pós-graduada no exterior e perante condi- ções favoráveis a esta saída (aquisição de prestígio e conhecimentos, acesso a estrutu- ras científicas mais equipadas, etc.), os estudantes encontram diversas motivações quer para saírem do seu país, quer para não regressarem após a conclusão dos seus estudos pós-gra- duados. A formação pós-graduada no exterior torna-se, assim, «uma porta para a emigração», sendo os «programas de educa- ção no estrangeiro um dos principais factores intervenientes na migração qualificada» (Pizarro, 2005: 25-26).

Trata-se de um aspecto ainda pouco explorado pela literatura académica, mas cujas tendências de evolução positiva (parti- cularmente evidentes no recrutamento de estudantes finalistas e de pós-graduação, e no número crescente de estudantes estrangeiros nos sistemas universitários dos países desenvolvi- dos14) tem motivado as preocupações de várias organizações internacionais, que têm chamado a atenção para as necessi- dades de avaliar cuidadosamente os benefícios deste tipo de recrutamento em relação aos efeitos de brain drain que poderá originar (Martin, 2006). Como se verá adiante, também, a coo- peração de Portugal com as suas ex-colónias a nível educativo (através de bolsas para a frequência do ensino superior em Portugal, ou através da reserva de vagas especificamente dirigi- das a este segmento de estudantes) poderá ser alvo da crítica de promoção do brain drain15. O não regresso dos estudantes de graduação ou pós-graduação aos seus países de origem, terminada a formação, reduz, nesta perspectiva, o efeito sobre a promoção do desenvolvimento que estaria na origem da ela- boração dos mecanismos favoráveis à inserção de estudantes de países lusófonos no sistema de ensino português. Dado que

14 Sobre o número de estudantes

estrangeiros de nível terciário nos diversos países, veja-se OECD (OECD, 2006a: 38).

15 «Education absorbs a major

share of technical co-operation in the form of imputed student costs and scholarships. In 2003, imputed student costs represented 32% of technical co-operation disbursements and scholarships 5%. Bringing foreign students to Portugal to study is costly in absolute terms and the opportunity costs in terms of developmental gains foregone are high. Considering Portugal’s partner countries “needs in education at all levels, the questionable development benefits of scholarships and the well documented negative effect of

brain drain on poor countries”

development, the Portuguese authorities should carefully reflect on how education can be addressed from a systemic and development-oriented perspective. Analysing needs in the education systems of the priority countries and addressing them in the context of national education strategies would be important steps which Portugal should take in collaboration with the governments and donors concerned» (OECD, 2006b).

a permanência destes recursos humanos qualificados no país de formação, ou noutro país industrializado, é particularmente vantajosa para estes e significa um conjunto de perdas para os países em desenvolvimento pode falar-se de uma «transferência inversa de tecnologia» (Ardittis, 1989, cit. in Nebel, 1998: 68)16.

Neste processo de fixação e/ou regresso ao país de origem, assumem uma relevância determinante as políticas de mudança de tipo de visto adoptadas pelo país de acolhi- mento. A atribuição de um visto que permite uma permanência mais prolongada no país de destino, e o exercício de uma actividade remunerada, poderá, como refere Logan (1992) relativamente ao caso norte-americano, conduzir a uma redução da disponibili- dade para o regresso, que tenderá a reduzir-se ainda mais quando o migrante adquire a nacionalidade do país de destino. O desenvolvimento, no final dos anos 90, na maioria dos países da OCDE de políticas de imigração que facilitam o acesso dos estudantes estrangeiros que se graduam no país de acolhimento às autorizações de trabalho e de residência, constitui uma estratégia dos países de acolhimento para procurar garantir a permanência desses recursos humanos no país e, deste modo, reduzir a perda de capital humano. Isto não significa, contudo, que o migrante quebre totalmente a ligação, ou as relações, com o país de origem. Com efeito, diversos estudos conduzidos na perspectiva do transnacionalismo têm evidenciado que a integração plena dos migrantes na socie- dade de destino não é sinónimo de desintegração completa da sociedade de origem.

O propalado efeito negativo da fixação após a formação dos estudantes no país de des- tino, ou dito de outro modo, a acção positiva esperada do regresso destes recursos humanos qualificados aos seus países de origem deve, contudo, ser relativizada. Como evidenciado por Ardittis (1991) e Fischer e colaboradores (1997), frequentemente, os países de origem não oferecem as condições materiais neces-

sárias à aplicação dos conhecimentos adquiridos no exterior (devido a deficiente equipamento e/ou insuficiente tecido indus- trial), ou ao facto de os seus mercados de trabalho serem inca- pazes de absorver a mão-de-obra altamente qualificada. Perante este contexto, o regresso ao país de origem pode conduzir a

16 Sobre a noção de

«transferência inversa de tecnlogia» veja-se Ardittis, S. (1989),

Tendances et nouveaux enjeux de l’exode des cerveaux des pays en développement, Studi Emigrazione,

um brain waste, ou seja, ao desaproveitamento dos recursos humanos devido à sua não ocupação ou à sua ocupação em profissões pouco ou nada qualificadas (como se verá adiante, o brain waste poderá igualmente produzir-se nos países de destino). Neste sentido, a conotação negativa associada ao brain drain sofre uma nova transformação, passando a saída de recursos humanos qualificados (actuais e potenciais) a ser per- cepcionada como uma forma de evitar o desaproveitamento do capital humano (Nebel, 1998: 74).

É neste contexto que surgem algumas propostas mais radicais de acção, que chegaram a contemplar a proibição de emigração recursos humanos altamente qualificados, ou o pagamento de um imposto pelos países receptores aos emissores, retomando, deste modo, as ideias defendidas nos anos 70 por Bhagwati (1976a, 1976b). O pano de fundo da discussão era, então, o da migração qualificada como um jogo de soma nula: a «fuga de cérebros» criava vários impactos negativos, em cadeia, nos países de origem, que contrastavam com os muitos impactos positivos no destino (sobre a evolução dos deba- tes, veja-se, também, Peixoto, 1999).

Contudo, nem sempre o brain drain indirecto apresenta os efeitos negativos menciona- dos. Autores como Johnson e Regets (1998), partindo do relacionamento entre os con- ceitos de brain circulation e de brain drain indirecto (o caso dos estudantes) mostram, através do exemplo dos estudantes malaios na Austrália, como um período de estudos no estrangeiro, seguido de uma experiência laboral no país de destino, antes do regresso à origem, se pode transformar num beneficio de médio prazo para o país de origem. Este brain drain de curta duração é, de facto, um investimento no capital humano feito no país de destino dos fluxos migratórios e o regresso à origem e à recuperação de um investimento. Para estes autores, esta forma de circulação migratória tenderá a aconte- cer à medida que as diferenças de desenvolvimento entre a origem migratória e o des- tino se forem atenuando.

3.

BRAIN DRAIN E POLÍTICAS DE ATRACÇÃO DE PROFISSIONAIS

No documento Imigrantes Qualificados em Portugal (páginas 48-52)