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Mapa 9: Sugestão para a redivisão territorial da Amazônia Legal, segundo o trabalho

1.2 Brasões de armas

Da mesma forma que as origens míticas da bandeira, a história dos brasões segue os modelos de representação totêmica das sociedades antigas. Segundo Pereyra (1947), foram os assírios os primeiros a usar divisas em seus escudos. As armas dos reis da Assíria eram uma pomba de prata. Os cartagineses tinham por emblema uma cabeça de cavalo; os romanos uma loba, um corvo e depois uma águia. Os godos, por sua vez, usavam um urso e os francos um leão. Os chineses tinham em seus estandartes militares a figura de um dragão. A esses antigos escudos de combate dava-se o nome de “broquéis”.

Como o brasão apóia-se em simbolismos, verifica-se nele a influência religiosa, militar, supersticiosa ou heróica desde os primórdios da humanidade, conforme explica Waldemar Baroni Santos (1978, p. 11):

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No caso dos Estados satélites podemos citar a bandeira da Romênia, cujo brasão de armas ao estilo dos símbolos comunistas fora retirado. Nações como a República do Congo e o Benin na África e o Camboja na Ásia reformularam suas bandeiras, após esse período. A Albânia retirou de sua bandeira a estrela dourada em 1991, que representava o partido comunista, assim como também o fez a Iugoslávia retirando de sua bandeira a estrela vermelha em 1992, após o esfacelamento de seu território.

A superstição e o devotamento religioso nasceram com o próprio homem. O totemismo, que consiste no culto aos animais, às plantas e a objetos que lembrem figuras religiosas, já era comum ao homem primitivo [...]. Na história dos brasões, suas mais curiosas formas têm seu radical na mitologia grega, romana e etrusca, ou tão somente nos usos e costumes das maiores nações do mundo antigo [...] convém lembrar as lendas que contam a ação dos deuses que, por castigo ou prêmio, transformavam os seres humanos, de sua predileção, em animais e plantas, pois estes mesmos animais e plantas vão dar origem a muitos brasões.

Guilherme de Almeida (In: RIBEIRO, 1933, p. 361) assim trata da origem heróica dos brasões:

A origem dos brasões de armas remonta às primeiras brumas da Idade Média, quando foi das Cruzadas. Então, no território fracionado da Europa, em cada gleba, um castelo cravava no céu a dentura de forte das ameias. Nela morava um senhor absoluto e, à vontade dele, os povoados se amontoavam. Quando ia à Palestina, esse pequeno monarca levava consigo um cortejo pomposo de vassalos. Para se distinguirem, os soldados desses minúsculos exércitos pintavam de uma certa cor os seus broquéis. Ao voltar da Terra Santa, o cavaleiro a quem Marte sorria colocava sobre o escudo os troféus que alcançara, e assim os oferecia aos olhos do seu soberano e ao coração de sua dama. Depois, religiosamente guardava, em recordação de seu passado de bravura, aqueles símbolos marciais.

A etimologia da palavra brasão provém do verbo alemão arcaico blasen, que significa, “tocar trombetas” (SANTOS. W. B., 1978; LUZ, 1999). Fato este que os decretos dos soberanos eram lidos em praça pública pelos arautos, que chamavam a atenção dos ouvintes com trombetas, enfeitadas de bandeirolas blasonadas.

Ao estudo dos brasões30 dá-se o nome de “heráldica”, que é considerada ciência (sic) e arte dos brasões (PEREYRA, 1947; SANTOS. W. B., 1978), cujo verdadeiro sentido etimológico é o saber dos heraldos,31 oficiais que dirigiam os torneios desportivos e fiscalizavam a qualidade dos cavaleiros; exerciam um cargo parecido com os mestres de cerimônias, pois estavam encarregados de publicar oficialmente os torneios e de anunciar de viva voz os nomes dos combatentes. A missão desses personagens foi estendendo-se, posteriormente, por mandato dos reis, a determinar os escudos de armas que correspondiam a cada família e das que teriam direito a usá-las.

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A palavra “brasão” significa o conjunto de ornamentos interiores e exteriores que constituem as insígnias privativas de um Estado, uma corporação, de uma autoridade civil ou eclesiástica ou de família nobre. Também se expressa com esse termo o corpo de regras da ciência (sic) que explica os escudos, figuras e ornamentos heráldicos e regras de sua disposição (PEREYRA, 1947, p. 39-40).

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Por isso é verossímil que o nome desses oficiais proceda da raiz har, do antigo alemão haren, gritar, chamar (PEREYRA, 1947, p. 38). Luz (1999, p. 72) afirma também que era o velho grito francês haro, que os normandos atiravam aos ventos, como um desafio, antes das batalhas.

Pereyra (1947) complementa esta explicação ao afirmar que a heráldica estuda as armas ou armarias, vozes que não designam de nenhum modo instrumentos para ofender ou defender-se dos inimigos, mas que, procedendo da palavra latina arma, em sua acepção de insígnia, se referem aos emblemas honoríficos privativos de famílias nobres ou de corporações e entidades pertencentes às hierarquias da Igreja ou do Estado. Era também um sinal de distinção entre o soberano e seus vassalos.

De fato, as primeiras regras da heráldica surgiram durante a segunda cruzada (1147-1149) e se popularizaram logo após os cavaleiros retornarem de Jerusalém para suas respectivas pátrias (ZNAMIEROWSKI, 2004). Quando estavam no Oriente, entre o furor da luta e as estratégias militares da época, os combatentes notaram que a tradicional estilização de animais mitológicos e naturais, o uso de figuras simples ou os elementos de alto contraste podiam ser excelentes signos de identificação e diferenciação de suas distintas ordens e origens. O campo ideal para se inserir essas “peças” era o escudo, embora como visto anteriormente, as figuras em escudos já eram pintadas muito antes da época das cruzadas. Quando o elmo foi inventado para proteger a cabeça e face dos guerreiros, e, por conseqüência, a ocultação de sua identidade no furor da batalha, surgiu então uma necessidade implícita de se criar signos para a identificação dos oponentes.

Para facilitar essa identificação, o número de “tinturas heráldicas” usadas nos escudos fora limitada a seis: quatro cores (vermelho, azul, verde e preto) e dois metais (ouro e prata),32 proibindo-se colocar metal sobre metal ou cor sobre cor. Um dos artifícios pré-heráldicos mais incorporados ao escudo, assim como nas bandeiras, foi a cruz cristã, precisando-se recorrer aos mais diferentes arranjos e divisões para distinguir os que a usavam. Outros emblemas heráldicos populares eram o leão, a águia, o grifo, o cavalo, a flor-de-lis, a rosa e as armas de guerra.

A cavalaria pesada também revolucionou a maneira de guerrear e as armas e armaduras tinham um custo muito elevado, do qual poucos podiam pagar; assim também os cavaleiros tornaram-se uma classe privilegiada (RIBEIRO, J. G., 2003). Como já mencionado, quando retornavam da Terra Santa, muitos cavaleiros que

32 Na terminologia heráldica, as cores adquiriram nomes próprios derivados do francês antigo: ao

vermelho dá-se o nome de goles; ao azul blau; ao verde sinopla; ao preto sable; ouro e prata são designados respectivamente or e argent.

comandavam essas tropas também passaram a usar esses escudos e as bandeiras que carregavam como símbolos de proteção.

Os escudos e armaduras passaram a ganhar desenhos também para identificar seus cavaleiros à distância e distingui-los dos demais e, à medida que suas famas e conquistas aumentavam, estes símbolos eram concedidos pelos reis àqueles que com bravura haviam defendido seu reino. Aos poucos, com o desenvolvimento da sociedade feudal, os brasões tornaram-se hereditários. Foi assim que entre os séculos XI e XIII a heráldica vai desenvolver pela forma como a conhecemos hoje, criando suas próprias regras e estabelecendo-se nos reinos e regiões, já com uma classe de especialistas (os arautos), que se tornaram imprescindíveis para os governantes.

Um brasão de armas geralmente é composto de dois elementos distintos: o escudo, que é a parte principal, e que contém os símbolos e divisões, onde são inseridas as figuras ou “peças heráldicas”, que podem ser homens, animais, coisas e monstros estilizados. Por sua vez, a chamada “ornamentação exterior” é composta por todos os elementos que cercam o escudo.33

A heráldica divide-se em três ramos principais: a chamada heráldica de

família, que trata dos brasões dos reis, duques e nobres; a heráldica eclesiástica,

que trata dos brasões dos papas, bispos, arcebispos, cardeais e a heráldica de

domínio, que é a de maior interesse para a análise geográfica, pois aborda os

brasões das aldeias, vilas, municípios, regiões, províncias e países e seus atributos característicos, como rios e mares, montanhas e montes, produção agrícola e industrial, monumentos históricos, plantas e animais típicos, na representação destes elementos no brasão.

Da mesma forma que as bandeiras, os brasões passaram do uso franco dos reis, eclesiásticos e nobres para as cidades e comunas, mais tarde representado também as regiões, províncias e países. “De fato, entre 1195 e 1295 muitos governantes europeus adotaram brasões de armas e bandeiras armoriais carregando uma ou mais figuras heráldicas” (ZNAMIEROWSKI, 2004, p. 72).

33 Dos ornamentos externos distinguem-se os suportes e tenentes, o manto, a divisa e o mote; a

coroa, o capacete, o paquife e o timbre. Os tenentes e suportes são animais, seres humanos, bestas ou coisas que sustentam externamente o escudo, com atributos do animismo. São representados, de preferência, ao natural, na própria cor, em sua posição mais nobre, um à direita, outro à esquerda do próprio escudo.

O atual brasão de armas da Alemanha deriva da águia negra em campo dourado do estandarte do Sacro Império Romano. Os três leões dourados em campo vermelho e o leão vermelho eram os respectivos símbolos dos reis da Inglaterra e Escócia; os três leões azuis da Dinamarca, o leão branco da Boêmia, negro de Flandres, púrpura de Leão (Espanha), segurando um machado da Noruega, a águia branca da Polônia e as bandeiras armoriais de Portugal e Espanha, além do campo de flores-de-lis sobre um fundo azul dos reis da França são exemplos dos brasões personificados que passaram a ser utilizados como símbolos nacionais mais tarde. Conforme ocorrera com as bandeiras no final do século XVIII, os brasões derivados das casas reais como símbolos nacionais foram substituídos no processo de identificação da soberania popular, associados com a idéia de República.34

Mais tarde, o próprio escudo da nação passou a se constituir em um forte elemento de propaganda, à medida que ia penetrando no cotidiano dos órgãos estatais; logo passou a ser também estampado no papel timbrado, na moeda e nos documentos pessoais dos habitantes de cada país.

Nota-se da mesma maneira que as bandeiras, que os brasões de armas foram cunhados e apropriados35 conforme se desdobrava a formação dos Estados nacionais durante os séculos XIX e XX, mais particularmente na segunda metade do século passado, quando a grande maioria dos territórios coloniais tornou-se de facto uma nação independente. Deve-se ressaltar que não apenas os Estados independentes possuem para si determinados símbolos nacionais, mas seus territórios e dependências (assim como os Estados em busca de independência) também criam, mesmo de forma não-oficial, suas próprias insígnias “nacionais”.

34 O brasão dos reis da França fora substituído por um emblema simples todo em ouro, que contém o

barrete frígio e um fasces (molho de varas com um machado) com a sigla R.F. (República Francesa) sobreposta. Caso semelhante aconteceu com a Itália no primeiro quartel do século XX, quando o brasão de armas da real “Casa de Savóia” fora substituído pelos ramos de louro e carvalho e a figura de uma estrela tendo a roda dentada (símbolo industrial) ao fundo, símbolos da República Italiana.

35 Como exemplo dessa apropriação das regiões históricas, podemos citar o brasão de armas da

República Tcheca, que foi instituído em 1919 e utiliza as armas das regiões históricas da Boêmia (leão em prata sobre campo de gules), da Morávia (águia axadrezada em prata e gules sobre campo blau) e Silésia (águia em sable sobre campo de ouro).

Figura 11: Bandeiras heráldicas cujas figuras e desenhos que influenciaram os brasões de armas dos Estados nacionais europeus (com exceção das armas do Reino da França).