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Os tratados territoriais na formação do Brasil colonial

Mapa 9: Sugestão para a redivisão territorial da Amazônia Legal, segundo o trabalho

4.3 Os tratados territoriais na formação do Brasil colonial

A constituição do “corpo da pátria” (MAGNOLI, 1997) começou a tomar forma com os tratados territoriais entre as Coroas de Portugal e Espanha, cuja volatilidade

83 Somente após a célebre expedição de Pedro Teixeira (composta por cerca de dois mil homens, os

quais percorreram a região amazônica de 1637 a 1639) é que Portugal passaria a se ocupar, efetivamente, com a área (ALVES FILHO, 2000). Teixeira havia chegado inclusive a Quito e surpreendido as autoridades espanholas com tal feito.

da linha de Tordesilhas não mais condizia o real espaço ocupando pelos colonizadores das duas metrópoles no século XVIII.

O Tratado de “Utrecht” (1713) delimitou a soberania portuguesa sobre as terras brasileiras compreendidas entre as duas margens do rio Amazonas, estendendo-se ao rio Oiapoque e na qual a França renunciaria às terras do Cabo Norte. Em 1715 termina o conflito luso-espanhol pela posse da Colônia de Sacramento, que se torna efetivamente área portuguesa. A fundação da Colônia de Sacramento (1680) causara grande irritação por parte dos espanhóis e alcançara os dois objetivos principais da colonização lusa da área: estabelecer o uti possidetis (posse por direito ou uso), respeitando efetivamente os territórios ocupados e delimitar a posse dos Estados tomando como base os cursos d’água e os relevos conhecidos.

O fim da divisa meridional da linha de Tordesilhas consagra a partir de então o uti possidetis, na qual as linhas de fronteira passariam a ser demarcadas pela ocupação humana, baseando-se nos acidentes geográficos relevantes, como rios, lagoas ou divisores de águas. Vingava assim o princípio de ocupação efetiva nas margens do Prata e do Amazonas. O interesse nacional dos povos tendia, aos poucos, a substituir o interesse dinástico entre países da Europa e, na América, emanava o conceito do uti possidetis (CARVALHO, 1959, p. 10).

Para resolver tal impasse nas tensões geopolíticas da área, assina-se em o “Tratado de Madri” (1750), na qual Portugal (por uma série de negociações) devolve a Colônia de Sacramento aos espanhóis, recebendo em troca o reconhecimento dos territórios do Sul, pela linha de (Monte) Castilhos Grande da margem esquerda do rio Uruguai a área de nascentes do norte do rio Ibicuí, o território das Sete Missões, as margens orientais dos rios Paraná e Paraguai seguindo margem direita do rio Guaporé e Madeira, que entra ao sul do rio Amazonas (ou Marañón), onde “desaparecia definitivamente o fantasma do Meridiano e consolidavam-se juridicamente as conquistas dos bandeirantes no interior do nosso continente” (CARVALHO, 1959, p. 12). Complementam Andrade e Andrade (2003, p. 27) que “só no século XVIII é que se consolidaria a administração portuguesa na Amazônia, graças à ação enérgica do marquês de Pombal e à vitória diplomática alcançada por Portugal, com o Tratado de Madri (1750)”.

O referido tratado ainda consagrou as divisas não reconhecidas de fato, como os limites naturais do rio Guaporé (o que acarretaria problemas de interpretação da

fronteira com a Bolívia no século XIX), onde a ocupação portuguesa em sua margem direita fora impulsionada pela descoberta de ouro na foz do rio Galera (1713) e nas margens dos rios Coxipó com o Cuiabá, onde em 1719 fundava-se o arraial de mesmo nome (elevada à vila oito anos depois).

Com relação à ocupação portuguesa na área, Magnoli (1997) argumenta que a capitania do Mato Grosso, enquanto entidade geopolítica, emanou da luta pelo estabelecimento da fronteira do Guaporé, onde sua trajetória de construção como segmento fronteiriço foi marcada pelos esforços de intercomunicação do Planalto Central com o Pará. Por volta de 1740 já se achava estabelecida essa ligação com a bacia do Amazonas, onde Cuiabá exerceria ponto estratégico, com o propósito de estruturar o poder Real de modo a fiscalizar os impostos e manobras espanholas na América (ALVES FILHO, 2000).

Os espanhóis ainda tentaram cassar e anular a soberania da Coroa portuguesa sobre os territórios conquistados em 1750 com o “Tratado de El Pardo” (1761), mostrando assim a hesitação dos dois governos, já que este acordo ordenava a restauração dos territórios afetados ao status quo, até que outro tratado fosse estabelecido.

Por conta destas “indefinições”, desde 1762 foram travadas diversas disputas no campo diplomático, acarretando inclusive batalhas, na Colônia do Sacramento, Rio Grande, ilha de Santa Catarina (entre 1767-1777 sob domínio espanhol) e Mato Grosso até ser assinado o “Tratado de Santo Ildefonso” em 1777, que manteve a linha limítrofe do Tratado de Madri e garantiu a Portugal a posse da área da ilha de Santa Catarina, o Rio Grande do Sul até a zona fronteiriça da Lagoa Mirim e à Espanha a Colônia de Sacramento e dos “Sete Povos das Missões”, passando dessa forma a ocupar das duas margens do rio da Prata.

Dessa vez o protesto partiu por parte da Coroa portuguesa, que se sentiu prejudicada com a aquisição espanhola da zona das missões, cujas penetrações interiores trariam dificuldades à manutenção das fortificações lusas no sul, onde o fornecimento de carne e animais de tração às prospecções auríferas de Minas Gerais ganhava destaque. Com isso, é assinado em 1801 o “Tratado de Badajóz” reconhecendo definitivamente a posse castelhana na Colônia de Sacramento; a retomada dos Sete Povos das Missões e as fortificações no Arroio Chuí, firmaram o poder lusitano na atual fronteira do Rio Grande do Sul (mapa 3).

No que se refere ao quesito econômico, na alvorada do século XIX, a colônia brasileira apresentava dificuldades oriundas da estagnação do sistema de mineração (1709-1789), que criou uma economia “atrasada”, anulando qualquer atividade manufatureira, tanto da colônia quanto da metrópole, pelo fato de não se criar nas regiões mineiras novas formas permanentes de atividade econômica, a não ser pelas culturas de subsistência. Esse marasmo, tanto do ponto de vista econômico quanto de integração espacial, na nova etapa da economia colonial foi assim traduzido por Furtado (2005, p. 96):

Observada em conjunto, a economia brasileira se apresentava como uma constelação de sistemas em que alguns se articulavam entre si e outros permaneciam praticamente isolados. As articulações se operavam em torno de dois pólos principais: as economias do açúcar e do ouro. Articulada ao núcleo açucareiro, se bem que de forma cada vez mais frouxa, estava a pecuária nordestina.

A elasticidade do sistema pecuário integrava o centro açucareiro nordestino com as periferias distantes de São Paulo e do Rio Grande do Sul; no norte estavam os outros dois sistemas autônomos, o Maranhão e o Pará, este último vivendo quase que exclusivamente do extrativismo. Estava delineada assim, a geografia econômica do Brasil no início do século XIX.