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Mapa 9: Sugestão para a redivisão territorial da Amazônia Legal, segundo o trabalho

4.6 A República e o sistema federativo

Passada a Proclamação da República (1889), a nova constituição, adotada em 1891, estabelecia que cada província se tornaria, automaticamente, um Estado federado (mapa 5), “sem levar em conta o nível de desenvolvimento econômico e cultural de cada uma delas” (ANDRADE; ANDRADE, 2003, p. 48).

A autonomia foi ampliada de tal forma que os Estados podiam eleger seus representantes em forma de presidentes provinciais ou governadores; passaram a ter legislação própria no que se refere às leis adjetivas, onde a justiça passou a ser estadual, mantida a unidade dos direitos substantivos. Os Estados, a partir de então, sob o aval desse modelo constitucional poderiam ter símbolos próprios (bandeira, hino, brasão de armas) sem omitir os símbolos nacionais.

Essa mentalidade federativa teve forte influência da constituição norte- americana, conforme ressaltam Andrade e Andrade (2003, p. 49):

A influência americana e da constituição dos Estados Unidos foi tão grande que no artigo 1º da Constituição de 1891 ficou estabelecido que o país se denominaria Estados Unidos do Brasil [...] a constituição fora elaborada em termos e idéias modernas, mas não se adaptava bem à realidade brasileira. Isso se devia ao fato da diferença econômica e social no qual viviam as províncias (Estados) no Brasil, na grande centralidade que envolvia o período do Império e de certo despreparo das elites locais para exercer o poder autônomo ante o novo regime. Outro fato relevante para essa diferença inter-regional é que o Brasil era um país predominantemente agrário e constituído da ascensão de uma elite de proprietários rurais. Enquanto as províncias do Sudeste viviam o período áureo do café – que começou a ser plantado em larga escala em meados do século XIX – a região Norte do Brasil começava a viver a opulência da extração do látex para a fabricação da borracha.91 Santos e Silveira (2005, p. 33-34) resumem esse período de sucessão do meio natural para o meio técnico no espaço geográfico brasileiro:

91 Explica Furtado (2005) que a imigração estrangeira, que se direcionou para a região cafeeira do

Sul-Sudeste do Brasil, deixou disponível o excedente da população nordestina para a expansão da produção da borracha. Ainda, segundo Antonio Filho (1995, p. 44) “a expansão do processo

Todavia, em enormes pedaços do território, como a Amazônia, impunha-se o meio natural, com significativos estorvos à exploração e posse. A produção e o comércio da borracha, baseados na possibilidade de investimento público, permitiram o crescimento de Belém e Manaus. Ao café devem São Paulo e Santos sua fortuna. O cacau criou uma verdadeira rede de cidades, assim como o porto de Ilhéus [...] Formavam-se verdadeiros circuitos interiores, cada qual dominando uma dada extensão do território com os meios limitados que dispunham. A inexistência de transportes rápidos era responsável por um isolamento quebrado apenas pelos transportes marítimos. Como essas aglomerações viviam sobretudo do comércio, a hierarquia entre elas dependia das relações com o estrangeiro. Mas ainda não havia uma integração [a nível nacional].

Além das diferenças regionais na formação interna da federação brasileira no que tange às diferenças sociais e econômicas, a situação das fronteiras nacionais era outro problema a ser resolvido, particularmente na Região Norte, onde a “questão fronteiriça” gerou certa tensão entre o Estado brasileiro e seus vizinhos no início do século XX.

4.6.1 As últimas questões fronteiriças

Com o alvorecer do século XX, os últimos problemas de fronteira no Brasil – herdados desde a colonização – começam a se resolver, com a disputa do Amapá, a conquista do Acre e a seção de territórios na fronteira com a Guiana Inglesa, em Roraima, à época parte norte do Estado do Amazonas.

O Amapá fora alvo da cobiça francesa desde o final século XVI e o Brasil independente herdara o conflito pela posse e jurisdição da área com um problema residual vigente: qual era o verdadeiro rio Oiapoque segundo o Tratado de Utrecht? Essa missão cartográfica caberia justamente ao incessante trabalho diplomático que seria realizado por José Maria da Silva Paranhos Júnior – o Barão do Rio Branco (1845-1912). Outra situação havia acirrado a disputa entre franceses e brasileiros:

Em verdade, o que o Amapá era mesmo era uma praça de guerra. [...] E como autêntica praça de guerra (uma espécie de guardião das fronteiras) permaneceria até a descoberta da mina de ouro de Calçoene, no último quartel do século XIX. Ora, representando já em 1876 0,4% da produção mundial de ouro, Calçoene não fica muito distante da fronteira da Guiana Francesa... Esse fato tem uma dupla conseqüência. De uma parte, possibilita o início do povoamento oficial do Amapá; de outra, reacende a fogueira das vaidades francesas [...] (ALVES FILHO, 2000, p. 25).

monoextrator do látex da seringueira, depois de atingir o auge nas Ilhas e no Baixo-Amazonas, deslocou-se para a Amazônia Ocidental, alcançando o Acre, transformando-se no novo ‘Eldorado’ da borracha após 1900”.

Em 1895, navios procedentes de Caiena atacam o povoado de Macapá e, para evitar uma crise diplomática maior, Brasil e França decidem resolver definitivamente a questão através de arbitramento em 1897, sendo nomeado o Barão do Rio Branco para defender os interesses brasileiros. Em 1900, o presidente da Suíça, país encarregado de julgar a questão, dá ganho de causa ao Brasil e o Amapá permanece brasileiro, sendo integrado ao Pará com o nome de Araguari.

Resolvida a questão amapaense, os problemas vigentes a demarcação da fronteira ocidental também afloravam com a questão do Acre, cujos problemas vinham desde o Tratado de Madri,92 sucedido pelo Tratado de Ayacucho (1867) já em pleno Império. Esse problema de demarcação e interpretação das fronteiras ocidentais brasileiras acarretaria conseqüências futuras, pois ainda permaneciam os resquícios de 1750, do qual prevalecera a tese do uti possidetis. Somava-se a isso, o problema geo-social da ocupação do território (boliviano) do Acre por imigrantes brasileiros no final do século XIX, em busca de trabalho e terras nos seringais da região; conseqüência dos períodos de grande seca no Nordeste entre 1877-1879 e 1888-1889.93

Em 14 de julho de 1899, o espanhol Luiz Galvez proclama o Estado Independente do Acre, apoiado por seringueiros e proprietários de terras; de certa forma, um protesto contra a criação por parte da Bolívia em 1898 de uma sede de arrecadação de impostos de Puerto Alonso. O governo boliviano reage de forma equívoca com relação ao controle e administração do território, com a cessão da área do atual Acre a um grupo norte-americano – o Bolivian Syndicate of New York – encarregado de sua colonização, recolhimento de impostos e exploração da borracha, em troca de auxílio militar e econômico ao país.

A reação do Estado brasileiro começa por contestar abertamente a presença estrangeira na região, inclusive propondo uma ruptura nas relações comerciais com

92

Segundo esse tratado, os limites ocidentais do Brasil eram, conforme transcreve Carvalho (1959, p. 218-219): [...] da Lagoa de Xaraies alcançava a bôca do Rio Jauru, para daí prosseguir até o Rio Guaporé, no ponto que recebe o Rio Saroré; seguindo o Guaporé até o Mamoré, e daí descendo os dois rios unidos até a passagem situada em igual distância do dito Rio Amazonas, ou Marañón, e da boca do dito Mamoré; desde aquela passagem continuará por uma linha Leste-Oeste até encontrar a margem oriental do Javari, que será seguido até o Rio Amazonas [...] O problema era aplicar a sanção jurídica à realidade geográfica, isto é, ao território compreendido entre os rios Madeira e Javari.

93 Para Cassiano Ricardo [s.d.] apud Carvalho (1959) a ocupação do Acre compreende três fases – a

primeira é a dos conquistadores portugueses e paulistas que para aí convergiram durante a marcha para o oeste; a segunda é a dos exploradores da região, dos regatões e das expedições de reconhecimento do Alto Purus e Alto Juruá; a terceira é a dos povoadores cearenses, em grandes e numerosas levas que se apossam do território.

a Bolívia. Em 1902, o gaúcho José Plácido de Castro (1873-1908) arregimenta alguns seringueiros e lidera um plano de resistência. No ano seguinte, com apoio logístico do Estado brasileiro, tomam Puerto Alonso e declaram novamente o Estado Independente do Acre, obrigando as forças bolivianas a se renderem.

Antes que a crise se agravasse, o governo brasileiro negocia uma indenização com o Bolivian Syndicate no valor de 110 mil libras esterlinas para a anulação do contrato com a Bolívia: proposta aceita. A segunda parte do plano diplomático brasileiro foi a de estabelecer relações com o governo boliviano através do “Tratado de Petrópolis”, firmado em novembro de 1903. Por esse tratado, o Brasil adquire a região do Acre pela quantia de 2 milhões de libras, comprometendo-se ainda a construir a estada de ferro Madeira-Mamoré (para escoar os produtos bolivianos pelo Atlântico), além de ceder terras do Mato Grosso e Amazonas à Bolívia, na linha de fronteira, fixando os limites das lagoas de Mato Grosso até os rios Mamoré e Guaporé.

A disputa territorial com a Guiana Inglesa, conhecida como “Questão do Pirara”, representa a derrota da diplomacia brasileira. Tanto o Brasil como a Grã- Bretanha pleiteavam as faixas territoriais à leste do atual Estado de Roraima e a questão foi arbitrada pelo rei italiano Vítor Emanuel II. O regente italiano acaba dando ganho de causa aos ingleses, que anexaram prontamente faixas de terra (no leste do atual Estado de Roraima) à Guiana em 1904 e a demarcação definitiva da linha de fronteira, apesar do trabalho do Barão do Rio Branco.

4.6.2 Da “República Velha” ao “Estado Novo”

Ultrapassada a fase governamental dos presidentes militares (1889-1894), os fazendeiros ascenderam ao controle do executivo nacional e o edifício republicano tendia ao domínio dos grandes proprietários rurais, particularmente no Nordeste; essa elite agrária sagrou-se pelo “coronelismo”, embora, conforme adverte Boris Fausto (2004), a República não era meramente um “clube exclusivo” dos grandes fazendeiros. As limitações constitucionais faziam do poder central um poder enfraquecido, já que os Estados dominavam o poder legislativo da União (exceto o poder judiciário) por meio do Senado e da Câmara dos Deputados.

Nas palavras de Andrade e Andrade (2003, p. 53), “enfraquecido pela federação só restava ao poder central um caminho nacional para recobrar seu antigo prestígio: aumentar os meios de circulação no país. Ou isso ou a fragmentação federativa do poder, como recurso único para manter a integridade nacional”.94 Nesse sentido, a República procurou promover no território, aliada ao capital dos grandes proprietários e a concessão aos grandes grupos estrangeiros o aumento da articulação ferroviária, incentivando as linhas de navegação e melhoramento dos portos, no desenvolvimento de centros de povoamento e por meio da colonização intensiva e sistemática a fim de procurar integrar as desigualdades do sistema federativo.

Entretanto, a hegemonia política e econômica de alguns Estados favorecia o tráfego das influências, destacando-se no cenário político nacional os Estados de São Paulo e Minas Gerais, que instauraram durante toda “República Velha” (1889- 1930) a chamada política do “café com leite”, e apesar das instabilidades políticas, conseguiram levar seus candidatos alternadamente à presidência da República nesse período. O descompromisso de São Paulo nessa política rotativa, como conseqüência, resultaria no golpe que levaria à ascensão de Vargas ao poder e, em contrapartida, São Paulo buscaria reverter o quadro com a Revolução Constitucionalista de 1932 (FAUSTO, 2004).

No contexto geral do início do século XX, as novas perspectivas mundiais, com a crise econômica gerada pela queda da bolsa de Nova York, em 1929, com a Revolução Russa de 1917 e o avanço do comunismo, o fim da Primeira Grande Guerra (1914-1918) e a ascensão de Mussolini e dos fascistas na Itália (1922), acenavam para a necessidade de novas reformulações políticas e novos processos de conquista e de manutenção do poder, o que também veio a refletir no quadro político nacional.

No plano econômico, a crise mundial de 1929 teve efeitos desastrosos na economia do país, sobretudo em São Paulo, onde a cafeicultura havia sido afetada; no outro extremo, a produção do látex para a fabricação da borracha nos Estados da

94 O sentimento separatista durante a Primeira República foi atenuado pela liberdade que gozavam

os Estados, mas evidenciou-se um grande desnível econômico entre eles e, devido ao sistema tributário, os estados produtores de café se tornaram mais fortes; daí o crescimento vertiginoso de São Paulo, que consolidou sua posição de Estado mais rico da federação, unindo a sua importância econômica a uma influência política (ANDRADE, 1999b, p. 111).

Amazônia também começava a passar por um período de estagnação.95 Destacavam-se, ainda no começo do século, o aumento do crescimento industrial e urbano, sobretudo na cidade de São Paulo e no Distrito Federal (Rio de Janeiro).96

4.7 As novas Constituições de 1934 e 1937 e a ascensão do “Estado Novo”