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2. Transitando entre Semiótica e Linguística: o filme como

3.3 Brasil, o país do futuro

Nas décadas de 60 e 70, depois do Golpe Militar de 64, foi se criando um discurso em que o Brasil aparecia como sendo o país do futuro (principalmente no governo Geisel), como se tudo corresse sempre a nosso favor. Havia uma campanha governamental, encontrada em cadernos, livros didáticos e propaganda televisiva, com o slogan “esse é um país que vai pra frente!”, que, além de mostrar a diversidade étnica e cultural, ainda fomentava o espírito de fraternidade que compõe o país, conforme a Figura 52 abaixo:

Figura 53: Propaganda institucional do governo Geisel dos anos 70, a qual era atrelada à musica do Grupo Musical “Os incríveis”, com o refrão “este é um país que vai pra frente//de uma gente amiga e tão contente// Este é um país que vai pra frente// de um povo unido e de

grande valor//é um país que canta, trabalha e se agiganta// é o Brasil do nosso amor.” (Disponível em: http://youtu.be/JPQnfjZ_kgM, acessado em 12/03/2013, às 22h56min).

No entanto, isso não correspondia à realidade, pois os brasileiros assistiram ─ não só durante esse período, como também nos que se seguiram a ele (décadas de 80 e 90) ─ às consequências desastrosas de uma hiperinflação, de planos econômicos que nunca davam certo e que ainda endividavam mais o país. Toda essa situação fez com que muitos brasileiros sofressem de depressão e ansiedade (ARANTES, 2004, p. 26), pois, embora o Brasil tivesse um território considerável, uma diversidade cultural, étnica e natural invejáveis, o país não conseguia alcançar o patamar dos países desenvolvidos. A imagem que a campanha pretendia mostrar era de uma identidade que não condizia com a realidade e, por isso, não se firmou.

O que intrigava é que não éramos uma África do humanitarismo à distância (seríamos modernos?) e nos tornamos o país “quase” desenvolvido. Desse processo, surgiu o conceito de “brazilianization”, que expressa não “a separação das culturas pela raça, mas a separação das raças por classe” (LIND apud ARANTES, 2004, p. 31). E o que ainda é pior, o sentimento de hostilidade por essa situação não afeta os que estão no topo da pirâmide social (nas classes A e B), mas se marca fortemente entre os que estão na base (classes C e D): ou seja, os pobres não demonstram hostilidade ou sentimentos de raiva em relação aos ricos, mas aos próprios pobres; a projeção que fazem é de, um dia, se tornarem ricos e “subirem de classe”. Soma-se a essa situação o fato de que os indivíduos de classe superior se veem sempre sem obrigações cívicas com as demais classes e com o país. O termo “brazilianization” foi usado por Lind de maneira negativa e sinalizava como se isso fosse algo associado à identidade brasileira, relacionado à segregação entre favelas e grupos de elite. A esse respeito, Cocco (2012, p. 48) afirma:

En el ámbito de la sociología urbana, la metáfora está siendo utilizada para señalar la degradación de la relación salarial y, sobre todo, del tejido urbano, atravesado, por una parte, por los procesos de gentrificación y, por otra, por las dinámicas perversas de la segregación espacial: favelas y, al mismo tiempo, «comunidades cerradas» [gated cities] en los marcos de ese impresionante paisaje que nos ofrece el barrio carioca de São Conrado. Allí se oponen, frente a frente, los edificios lujosos a lo largode la playa y el monumental anfi teatro natural como marco de la imponente favela de la Rocinha.

De uma forma geral, brazilianization se tornou um eufemismo para quarto mundo, no qual fica evidente a promiscuidade financeira e econômica das autoridades que tornam o Brasil um lugar, sob olhar estrangeiro, fora da lei, pois “a legislação tanto pode ser aplicada ou não; ora vale a informalidade clientelista, ora as leis de mercado.” (ARANTES, 2004, p. 74).

Essa situação toda mostra que os discursos estereotipados sobre o Brasil, principalmente os relacionados à violência e à segregação de grupos desfavorecidos economicamente, não brotaram do nada e não foram construídos sem algum fundamento real. Contudo, o que esta pesquisa questiona é o motivo de essa característica perpetuada discursivamente ter se tornado aquela que representa a identidade de todos os brasileiros por filmes.

4. O Brasil pela Comissão do Oscar

Como mostrado anteriormente, a Comissão do Oscar não possui critérios explícitos sobre o que os filmes devem apresentar para, verdadeiramente, participarem do processo de seleção. Dessa forma, muitos produtores, diretores e roteiristas se pautam pelas características que os filmes brasileiros “acatados” e que ganharam a estatueta possuem para poderem também ter chances de vencer.

Como o fato de concorrer ao Oscar já impulsiona não só a bilheteria, como a venda dos produtos de merchandising, patrocínio etc., esse aspecto já é suficiente para que todos ligados ao cinema invistam na premiação.

Por tudo isso, este capítulo pretende mostrar e fazer reflexões sobre a brasilidade dos filmes acatados pela Comissão de seleção do Oscar. A análise inclui a identificação das práticas discursivas da comunidade discursiva da Comissão do Oscar e o modo como elas contribuem para a reificação de um espaço discursivo estereotipado de brasilidade.

O Brasil teve 5 (cinco) filmes acolhidos pela Comissão do Oscar (O pagador de promessas, Prodtel, 1962; O quatrilho, Paramount, 1995; O que é isso, companheiro?, Miramax, 1997; Central do Brasil, Vídeo Filmes, 2000; e Cidade de Deus, Imagem Filmes, 2002), os quais fazem parte do corpus desta pesquisa.

Neste contexto, este capítulo pretende: 1) identificar estereótipos de brasilidade (corrupção, hipersexualidade, violência, ausência do Estado, exoticidade, futebol, pobreza) e como eles aparecem no enredo dos filmes; 2) relacionar o emprego de técnicas cinematográficas, assim como de trilhas sonoras, como recursos importantes para a subjetivação do leitor/espectador; e 3) identificar elementos incluídos na narrativa que tentam dar um caráter de verdade ao que é mostrado, simulando realidades, as quais poderiam confundir os leitores/espectadores sobre o limite entre a ficção e a realidade do que está sendo contado.