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Gêneros brasileiros: a chanchada e a pornochanchada

2. Transitando entre Semiótica e Linguística: o filme como

2.3 Gêneros cinematográficos

2.3.5 Gêneros brasileiros: a chanchada e a pornochanchada

Como se pode ver, há muito a ser questionado sobre a definição do que vem a ser gênero cinematográfico, situação que se acirra mais quando aparecem outros gêneros ou subgêneros, geralmente derivados dos denominados “clássicos”. Talvez essa “dificuldade” em classificar tão rigidamente deriva do próprio caráter diverso da realidade (ou da vida humana), tão dinâmica e, por isso, tão alheia a classificações muito definitivas. Talvez o gênero filme fuja a classificações “puras” em função de a vida que ele “retrata” também possuir essa característica.

Ainda sobre a classificação dos gêneros cinematográficos, há, além dos gêneros clássicos, os subgêneros que “surgem, muitas vezes, devido a inúmeros factores e cumplicidades: ao nível narrativo, temático, iconográfico ou estilístico, de duração, de condições de produção ou de modos de difusão” (NOGUEIRA, 2010, p. 44).

Um questionamento gira em torno dos limites “seguros” de se delimitar se o elemento derivado é uma variação de um gênero ou um novo gênero. Em outras palavras, até que ponto uma variação passa a ter estilo e formato próprios, de tal maneira que tenha uma identidade, designando e delimitando a sua existência, e não utilizando o gênero que lhe deu origem apenas como modelo, ou servindo como uma fase deste? É no bojo desses questionamentos que se encontram a chanchada e a pornochanchada, que a seguir serão problematizadas, quanto à sua classificação, ou não, como dois gêneros supostamente nacionais. Ambas foram introduzidas nesta pesquisa para ajudar a analisar se o espaço de representação do Brasil ou do brasileiro

em filmes nacionais segue ou reforça discursos arbitrários em termos de estereótipos.

2.3.5.1 Chanchada

A chanchada é considerado um subgênero que tem suas origens na categoria de musical. Esse subgênero foi produzido pelo estúdio Atlântida entre as décadas de 1940 a 1960 e é extremamente influenciado pelo Teatro Popular de Revista. Como tal, é marcado por cenas curtas e episódicas, regadas de escárnio e humor, que traduziam todos os acontecimentos do ano em uma espécie de retrospectiva burlesca aliada a uma linguagem popular, a qual garantiria a assimilação fácil pelo público espectador (SILVA e FERREIRA, 2010). Daí, ter um subgênero do gênero musical considerado nacional: a chanchada (como musical carnavalizado), assim como os subgêneros e gêneros, é derivada de gêneros clássicos e possui uma hibridização de temáticas, de narração etc.

Esse subgênero musical, por estar ancorado no Carnaval e no que esse evento representa, veio promover uma inversão entre o clássico e o popular, entre o sério e o cômico, de forma a coroar várias vozes que se alternam, resistem e aparecem nas tramas de forma irônica e satírica. No entanto, embora possa parecer que a chanchada tenha representado um espaço de subversão em uma dada época da sociedade, dando voz às minorias, ela também não escapou da lógica mercadológica, sendo, inclusive, considerada uma cópia vulgar dos filmes hollywoodianos, por estar alinhada ao código de produção norte-americano e aos interesses comerciais das elites. Para Silva e Ferreira (2010, p. 148), a chanchada “produziu arquétipos que refletiam o quadro social brasileiro por tipos característicos, ainda que estilizados”, como os malandros, tipicamente cariocas, que eram retratados como extremamente felizes, a ponto de esses autores afirmarem que:

O gênero chanchada se apropria da conjuntura sócio- cultural urbana e popular da cidade do Rio de Janeiro, materializando-se em filmes musicais que têm como pano de fundo a cosmovisão carnavalesca. A tradição de criar tramas em que o carnaval carioca é o motivo do enredo vai alcançar seu auge nas chanchadas musicais produzidas pela Atlântida a partir da década

de 1940, quando estes filmes se cristalizarão no imaginário popular, tornando-se a marca registrada do estúdio. (SILVA e FERREIRA, 2010, p. 151)

Observa-se que, de certa forma, os críticos consideram realmente a chanchada como um gênero nacional, embora ainda que derivado dos musicais hollywoodianos, por se mesclar com características e efeitos relacionados ao Carnaval e por possuir personagens caricatos e temas recorrentes, como o malandro, a alegria, o parvo (ou pessoa simplória em sua trama).

A inclusão de considerações sobre a chanchada nesta pesquisa se justifica pelo papel que ela desempenha na formação de uma identidade do cinema brasileiro e do brasileiro no exterior, assim como a promoção da reificação dos estereótipos que se impõem ao brasileiro e ao Brasil nos dias atuais. No entanto, cabe ressaltar que não há chanchadas ou filmes que possuem elementos atribuídos a esse subgênero indicados pelas Comissões do MinC ao Oscar no período sob análise.

2.3.5.2 Pornochanchada

A partir da década de 1970, são produzidos, no Brasil, filmes com apelo erótico, os quais foram, posteriormente, classificados como pornochanchada. A designação desses filmes por essa nomenclatura, criada por críticos com adição do prefixo pornô-, atribui a eles um aspecto negativo, ao mesmo tempo em que faz ligação com a produção, das décadas de 1940 e 1950, de musicais carnavalescos. Esse rótulo abrigou uma variedade enorme de filmes dos mais diversos gêneros cinematográficos, remetendo a musicais, mas também ao apelo ao erotismo e à sexualidade. Daí vem o problema dessa classificação, descrito nas palavras de Freire (2010, p. 563), segundo o qual a pornochanchada era um termo:

(...) bastante abrangente e maleável, o prefixo “pornô” fazia referência a toda produção marcada pelo apelo sexual, enquanto o radical chanchada dava conta de todos os filmes considerados de baixa qualidade.

Em outros termos, “pornochanchada” passou a designar, então, “um certo modelo de filmes como se fosse um gênero”, diz Freire (2010, p. 563). Além disso, por causa da censura do período de ditadura, esses filmes, embora não possuíssem cenas de sexo explícito, eram considerados impróprios e proibidos pela sociedade, com transmissão pela TV tarde da noite, o que reforçava ainda mais esse rótulo de ser erótico. Essa configuração foi considerada como sendo soft pornô (de origem italiana), um gênero marcado pela insinuação (burlesca) e não pela exibição de cenas de sexo (NOGUEIRA, 2010, p. 54).

Devido a todos esses fatores, muitos críticos, ao tratarem da pornochanchada, a apontam como um “gênero” cinematográfico brasileiro entre aspas, assim considerado por ter sido utilizado como um sinônimo de baixa qualidade artística, como já afirmado anteriormente. Disso se infere que é preciso ainda mais estudo para averiguar se a produção cinematográfica brasileira da década de 1970 é um novo gênero, ou não, e enumerar as suas características peculiares.

Outro fator importante a ser levado em conta é a hipótese de que a baixa qualidade desses filmes estaria ligada à falta de estímulo financeiro do governo à produção cinematográfica, uma vez que o cinema poderia ser, para os militares que governavam o país nessa época, um divulgador “perigoso” de ideias subversivas. Diante do expressamente proibido, o erótico, até certo ponto, era permitido e, por isso, a pornochanchada foi explorada à exaustão. Isso leva a um outro questionamento: será que a temática desses filmes não funcionaria como válvula de escape ou mudança de foco de questões políticas?

A pornochanchada, além do que se afirmou anteriormente, por agregar uma diversidade temática muito grande, também contribuiu para a formação de uma identidade nacional temporalmente localizada e reforçou a estereotipia do brasileiro como um indivíduo hipersexuado, como vários filmes dessa época mostraram. Acredito que a contribuição maior tenha se dado para atender a uma determinada demanda social em relação ao momento histórico que a sociedade brasileira estava passando de censura e de privação dos direitos de expressão. De qualquer maneira, por se associar a um traço de identidade nacional, constitui, historicamente, uma certa “brasilidade”.