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1. Análise de Discurso Crítica

1.7. Análise de Discurso Crítica e imagem

1.7.3 O tempo na narrativa

Outro elemento importante a ser observado nos filmes é o tempo verbal. O filme é narrado sempre no tempo presente. Sobre esse aspecto, recorro a Coroa (2005, p. 47) que, ao analisar a oração “Em 1940 eclode a guerra e Ted vai para o fronte”, designa essa construção como “um caso especial” do uso do presente, em perspectiva que retoma eventos passados, pois essa construção representa um presente histórico ou dramático

por caracterizar narrações destes dois tipos. A explicação mais comum – por sinal muito próxima da adequação – é a de que o falante se transporta psicologicamente para o passado e ‘vê’ o evento como seu contemporâneo. (grifo meu).

Saliento que Coroa, ao fazer essa afirmação, não estava relacionando-a ao filme, que, como todos sabem, provoca, literalmente, a visão do evento como seu contemporâneo, mas há uma especificidade desse tempo verbal, no qual, segundo ela (p. 47), estruturas desse tipo “têm enfraquecida sua característica dêitica de referência temporal: isto é reforçado pelo fato de muito frequentemente incluírem referência a tempo medido (datas).” O enfraquecimento da dêixis aqui também acontece, mas esta é complementada por elementos dêiticos visuais, como objetos, roupas e sotaques que

pertencem a determinado tempo histórico. O que, em outros termos significa, dizer que no filme os elementos dêiticos são pertencentes a outras semioses e não apenas à linguagem verbal.

Como já discutido nesta pesquisa, negligenciar os efeitos persuasivos que os elementos visuais provocam reforça o lado apenas descritivo desses elementos, que não tem compromisso com o engajamento do “leitor”. Recorrendo a Wallerstein (2004), podemos entender essa negligência como sendo uma busca de segurança, de certeza para análise de textos multimodais, uma vez que negligenciar a persuasão que a imagem provoca facilita a análise desses textos. É como se quem tateasse o elefante, no exemplo dado anteriormente, não fosse cego, mas escolhesse ser cego. Nesses textos, percebemos que os processos argumentativo-persuasivos e informativos são realizados de forma ímpar, sem fixidez de interpretação. Esse fato acaba por torná-lo bastante “escorregadio” em termos de uma possível contra-argumentação. A estrutura imagética impõe ainda um questionamento importante: como questionar a imagem que está sendo oferecida? Trabalhar com a imagem é transitar na incerteza.56 Poderíamos, no entanto, aprender muito com isso, como afirma Wallerstein (2004, p.12):

Si consideramos la incertidumbre como la piedra angular para construir nuestros sistemas de saber, quizá podamos construir concepciones de la realidad que, aunque sean por naturaleza aproximativas y nunca deterministas, serían herramientas heurísticas útiles para analizar las alternativas históricas que nos ofrece el presente em el que vivimos.

Ainda sobre a leitura ou consumo da imagem, nos termos de Fairclough (2001), em especial da imagem em movimento, o filme utiliza três processos de subjetivação particularmente importantes para o processo persuasivo.

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Em um trabalho de pós-graduação lato sensu, orientado por mim, MASCARENHAS (2006) afirma que o livro didático Análise Linguagem e Pensamento (FTD) deixou de ser usado na Fundação Bradesco pelo fato de que os professores dessa instituição de ensino não conseguiam trabalhar com os textos multimodais e os diversos gêneros propostos como atividade, pois as respostas eram abertas e variavam muito, o que reforça essa concepção sobre a especificidade da imagem.

1) Espectador voyeur – ocupa um lugar em que pode assistir ao desenrolar dos fatos sem participar da história/narrativa; as imagens passam à sua frente como se passassem em uma janela.

2) Espectador participante – também pode ser parte da narrativa, como um outro personagem que não a atrapalha, mas participa ativamente dos acontecimentos (com o uso de plano panorâmico57: movimento de câmera “motivado”, sem corte, geralmente utilizado em cenas de ação).

3) Espectador interpelado – os personagens demonstram saber que ele está lá observando o desenrolar da narrativa e realizam, em alguns momentos da narrativa, interações, por meio do olhar, de perguntas diretas (reação não-transacional).

Todos esses pontos de subjetivação propostos para o leitor desse gênero provocam uma série de efeitos para os quais nem sempre é possível para o espectador-leitor assumir um posicionamento mais crítico, mais distanciado.

Se Kress e van Leeuwen (1996) já alertam para a complexidade da construção de textos multimodais estáticos, quando o texto toma a perspectiva de imagem em movimento, o grau de dificuldade para distanciar a realidade da ficção se torna bem maior, pois as “sutilezas” utilizadas para a construção da narrativa existem em um grau mais complexo e plástico do que se revela à primeira vista. Como mostrado anteriormente, as imagens em movimento incluem não só o enquadramento, mas também provocam efeitos subjetivos, com a criação de planos cinematográficos, nos quais o movimento de câmeras, o uso da regra dos terços, os eixos do quadro, a regra de Hitchcock, as composições balanceadas e não balanceadas, os ângulos altos ou baixos, as tomadas de profundidade, os quadros fechados e abertos, os pontos focais, a regra dos 180º, a distância focal, etc.58 são usados de um modo intencional e altamente motivado, com dosagens de quantidade e qualidade de cada opção e os efeitos de sentido possíveis de serem esperados pelos leitores desse gênero.

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MERCADO, Gustavo (2011, p. 131).

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Algumas dessas composições serão tratadas neste trabalho e explicitadas de forma contextualizadas. No entanto, para melhor aprofundamento e conhecimento de todas essa “gramática da imagem em movimento”, sugiro Mercado (2011), que apresenta os conceitos com exemplos ricamente detalhados.

O movimento não só introduz uma falsa terceira dimensão (provocada pela noção de profundidade ou “plano Z”), como dá “textualidade” às imagens, havendo uma relação intrínseca entre o que acontece na história e o uso de uma composição específica. Dessa forma, assim como Kress e van Leeuwen (1996) afirmam a existência de uma gramática do visual, também deve ser sinalizada a existência de planos composicionais que regem as imagens em movimento, os quais poderiam servir como uma “gramática” das imagens em progressão textual (que inclui a elaboração de vídeos, filmes etc), como mostrado neste capítulo.

Termino esta subseção com a afirmação de Mercado (2011, p. 2) sobre a importância dos elementos da composição de um plano no processo de leitura/observação de imagens em movimento:

Tudo e qualquer coisa que é incluído na composição de um plano será interpretado por um público como

estando lá para alcançar um propósito específico com

o qual está diretamente relacionado e é necessário ao entendimento da história que o público está assistindo.