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4. Monismo e Dualismo II institutos similares na resolução do problema da

4.4 Breve análise do regime de internamento de imputáveis em estabelecimentos

No caso de internamento de imputáveis portadores de anomalia psíquica (artigo 104.º e sgs, do CP) verificamos a opinião de Maria João Antunes. A autora refere que em Portugal, onde o século das luzes se repercutiu também a nível legislativo, Mello Freire, ao elaborar o projeto de Código Criminal, de 1789, denota a preocupação em tratar diferentemente “dementes” ou “loucos”, designados como inimputáveis, como também os “furiosos” cujo “delicto fosse cometido antes do furor ou demência - não serão castigados […], porque neste estado o castigo seria inútil, e serviria mais de horror, do que de emenda ou exemplo” 473.

No antigo artigo 103.º do Código Penal, atual artigo 104.º, é nos indicado, no n.º1, que o tribunal tem a possibilidade de ordenar o internamento de um delinquente não declarado inimputável, em estabelecimento destinado a inimputáveis, por tempo correspondente à duração da pena, se se demonstrar que, em virtude da anomalia psíquica que sofre (atualmente “de que sofria já ao tempo do crime” 474) o regime dos estabelecimentos comuns lhe é prejudicial, ou que ele perturba seriamente esse regime. O artigo pressupõe, desde logo, que a anomalia psíquica em causa seja contemporânea da prática da infração, sem que tenha, contudo, levado à declaração de inimputabilidade. No contexto do Código Penal de 1982 esta circunstância compreende-se

472 idem, p.123.

473 ANTUNES, Maria João – O internamento de imputáveis em estabelecimentos destinados a inimputáveis, p.9.

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por duas razões: a declaração de inimputabilidade (artigo 20.ºn.º1) exige uma ligação entre a

anomalia psíquica e o facto concretamente praticado 475; a tradicionalmente denominada

“imputabilidade diminuída” só leva à declaração de inimputabilidade preenchidos que estejam os pressupostos do artigo 20.º n.º2.

É admissível, no nosso OJ a hipótese de o portador de uma anomalia psíquica não ser declarado como inimputável em relação ao facto praticado – o que torna possível o internamento deste agente num estabelecimento destinado a inimputáveis, se se mostrar que, em virtude da anomalia psíquica de que este já sofria ao tempo do crime, o regime dos estabelecimentos

comuns é prejudicial, ou que ele perturba seriamente esse regime – atual artigo 104.º n.º1 476.

De acordo com este último instituto questionamos se estas situações de internamento de imputáveis portadores de anomalia psíquica se consubstanciam em casos indivíduos considerados imputáveis diminuídos. Após a breve análise deste instituto, e voltando à questão

da imputabilidade diminuída, de acordo com o pensamento de Eduardo Correia 477, a declaração

de inimputabilidade não abrange todo o campo da imputabilidade diminuída, mas só aquela que é proveniente de anomalia psíquica grave, cujos efeitos o agente não domina sem que por isso possa ser censurado. Solução que encontra justificação no seguinte: “sempre que o delinquente consiga demonstrar que, a despeito de todos os esforços que efetivamente fez – na medida em que tal lhe era exigível – para se sobrepor a uma tendência e conservar a sua liberdade de avaliação e decisão perante ela, não pôde dominá-la e foi por ela irresistivelmente conduzido ao crime, deve então considerar-se que tal delinquente não atinge aquela normalidade biológica e psíquica, não detém aquela capacidade de valoração dos seus atos e de decisão de acordo com a valoração feita, que está na base da imputabilidade” 478. Ganha aqui, ao mesmo

tempo, o princípio da culpa: sendo purificado, uma vez que remetem para o domínio da inimputabilidade as hipóteses em que seria particularmente problemática a afirmação de que o

agente podia alguma coisa pelo seu carácter 479.

Relembramos que o autor Figueiredo Dias, parte antes de pressupostos distintos. O autor indica- nos que alargamento dos casos de inimputabilidade, nos casos de imputabilidade diminuída não

475 ANTUNES, Maria João – O internamento de imputáveis em estabelecimentos destinados a inimputáveis, p.13.

476 idem, p.14-15.

477 idem, p.16, e nota de rodapé numero 8: como reconhece o autor Figueiredo Dias em DIAS, Figueiredo –

Jornadas de Direito Criminal, p.77.

478 idem, ibidem, p.16 apud CORREIA, Eduardo – Direito Criminal I, p.359. 479 idem, ibidem.

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são mais do que casos de imputabilidade duvidosa 480, porque uma vez que apesar de se

comprovar, efetivamente, a existência uma anomalia psíquica – geralmente leve (v.g. uma psicose, neurose) – não se torna, claras as consequências que daí devem fazer-se derivar, relativamente ao momento exigido. É pouco clara, ou parcial, a possibilidade que ao juiz se oferece de compreensão da personalidade do agente, o que leva a reconhecer que o legislador, dada a incerteza, e a fim de a eliminar, ofereça ao juiz uma norma flexível que lhe permita passar a considerar estas hipóteses de verdadeira inimputabilidade, na generalidade dos casos, ou ainda de considerar o delinquente imputável (consoante a compreensão se revelar ou não

possível ao essencial fundamento do facto) 481.

Em Portugal, a preocupação com a criação de estabelecimentos próprios para criminosos alienados evidencia-se pela primeira vez na lei 4 de julho de 1889 – criam-se enfermarias especiais no hospital de lisboa e dotam-se as penitenciárias de condições próprias para nelas serem tratados alienados, embora tenha sido salientada no Relatório da Comissão encarregada de elaborar o projeto de CP de 1861, a necessidade de criação de uma divisão especial de alienados com o nome de alienados criminosos. Com o Dec. Lei de 11 de Maio de 1911 surge a figura dos manicómios criminais – onde neles eram internados os delinquentes julgados irresponsáveis por alienação mental e os que enlouqueciam nos cárceres – figura que subsiste até 1979, no momento em que a Reforma Prisional, também de 1979, elimina e cria os hospitais

psiquiátricos prisionais 482.

Elisabete Monteiro refere que se denota algum alheamento do Direito Penal à realidade médico- psiquiátrica, “não se apurando um esforço sério para a adequação das soluções legais à evolução verificada” 483. A autora Maria João Antunes, dá-nos como exemplos o facto de o CP

não admitir, a título principal, ao inimputável portador de anomalia psíquica, de uma medida

de segurança não privativa da liberdade 484, e ainda o facto de o legislador admitir que “quem

tiver praticado o facto ilícito típico previsto no artigo 131.º do CP (homicídio) e for declarado inimputável em razão de esquizofrenia possa estar internado durante 16 anos, por causa do estado de perigosidade criminal que deu origem à sanção. Uma patologia em relação à qual o tempo de internamento médio, o adequado à cessação da perigosidade criminal, se cifra hoje

480 DIAS, Jorge de Figueiredo - Direito Penal, Parte geral, Tomo I, p.584. 481 DIAS, Jorge de Figueiredo – Liberdade Culpa Direito Penal, p. 197-198.

482 ANTUNES, Maria João – O internamento de imputáveis em estabelecimentos destinados a inimputáveis, p.20.

483 MONTEIRO, Elisabete Amarelo – Crime de Homicídio Qualificado e Imputabilidade Diminuída p.119. 484 ANTUNES, Maria João – Medida de segurança de internamento e facto de inimputável em razão de

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em valores muito inferiores, o que anula a garantia dada outrora pela determinação de um limite máximo de duração coincidente com o da pena prevista para o comportamento ocorrido”

485, como previsto no artigo 92.º, n.º 2 CP. Verificamos a mesma situação de alheamento, nos

casos de anomalia psíquica que implique a declaração de imputabilidade diminuída, onde é evidente pela resistência da jurisprudência portuguesa à aplicação do artigo 104.º do CP preferindo considerar apenas duas opções: declarar inimputável e aplicar medida de segurança, ou declará-lo imputável (ainda que diminuído) e condená-lo a uma pena, a cumprir em

estabelecimento prisional 486.

Importante relembrar que, apesar de institutos como o artigo 104.º ou ainda como o instituto da pena relativamente indeterminada, o nosso sistema é um “sistema tendencialmente monista” ou de “via única de reações criminais” – ou seja, significa que se configura como um sistema que tendencialmente não aplica ao agente, pelo mesmo facto, uma pena e uma medida de segurança privativas da liberdade. Contudo, existem, efetivamente, algumas situações que encontramos no nosso Ordenamento Jurídico e que se consubstanciam em exceções a este sistema, tal como enuncia Maria João Antunes: “esta caracterização do sistema sancionatório pressupõe que seja tido em conta o regime da pena relativamente indeterminada (artigo 83.º e sgs do Código Penal), do qual decorre a natureza mista desta sanção” e ainda “a declaração de inimputabilidade, nos termos do artigo 20., n.º2, do Código Penal, como resposta à especial perigosidade dos delinquentes de imputabilidade diminuída; e o regime da execução da pena e da medida de segurança privativas da liberdade, previsto no artigo 99.º do Código Penal, para os casos em que o agente é condenado nas duas sanções pela prática de factos distintos”

487.

Este internamento de imputável é feito com base no artigo 104.º do Código Penal, que contempla situações de internamento de delinquentes imputáveis (diminuídos), portadores de uma anomalia psíquica em estabelecimentos destinados a inimputáveis. “Com o internamento de imputáveis em estabelecimentos destinados a inimputáveis a lei portuguesa dá cumprimento ao princípio político-criminal da humanização da execução da pena, enquanto torna possível ao delinquente um tratamento em estabelecimento adequado” 488. Estas são situações em que, devido à anomalia psíquica de que o agente padece, o regime dos estabelecimentos prisionais

485 idem, ibidem.

486 MONTEIRO, Elisabete Amarelo – Crime de Homicídio Qualificado e Imputabilidade Diminuída p.120. 487 ANTUNES, Maria João – Penas e Medidas de segurança p.17-18.

488 PEREIRA, Victor de Sá; SILVA, Alexandre Lafayette Estevão da - Código Penal Anotado e Comentado. p. 317 apud DIAS, Jorge de Figueiredo - Direito Penal II, As consequências jurídicas do crime, 1993, p.593-596.

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comuns lhe seria prejudicial (ou por ele seriamente perturbado) e, na ausência de estabelecimentos adequados para este tipo de delinquentes, estes são internados em

estabelecimentos para inimputáveis 489.

Carlota Pizarro de Almeida acredita ser imperioso “criar meios materiais para dar acompanhamento clinico adequado a detidos que dele necessitem – no quadro do sistema penal existente (veja-se disposto no artigo 104.º do Código Penal, por exemplo), ou nos termos de novo regime que permita fazer face, eficazmente mas sem distorções dos princípios, à perigosidade apresentada por indivíduos que, não sendo inimputáveis, se encontrem fortemente condicionados por patologias mentais” 490.

Posto isto, verificamos que, atualmente, para além dos casos em que o imputável diminuído é considerado como inimputável, e por esse motivo, é-lhe aplicada uma medida de segurança, o que vigora no nosso OJ é a aplicação exclusiva de penas a imputáveis diminuídos (não indo ao encontro, nestas circunstâncias, do tratamento da anomalia psíquica de que o agente imputável diminuído padece). Existem alguns institutos – os que enunciamos supra – que quase nos abrem caminho para a conceção de um sistema dualista neste tipo de situações. Importa agora, já tendo feito a referência dos conceitos necessários, aferir como se articula, atualmente, a questão da aplicação do artigo 132.º a imputáveis diminuídos, com base no já anteriormente discutido em relação à conceção de culpa dominante no nosso OJ.

489 LEAL-HENRIQUES, Manuel de Oliveira; SANTOS, Manuel José Carrilho de Simas - Código Penal anotado,

I vol. p. 1098.

490 ALMEIDA, Carlota Pizarro de – A Inimputabilidade por anomalia psiquica: Questões jurídicas de ordem

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