• Nenhum resultado encontrado

4. Monismo e Dualismo II institutos similares na resolução do problema da

4.3 Breve análise do sistema de Vicariato na execução

Quanto ao sistema de vicariato na execução 457, as alterações de 1995 colmataram a lacuna

existente em matéria de execução da pena e de medida de segurança privativas da liberdade, aplicadas ao agente pela prática de factos distintos, através da adoção de um princípio de

vicariato na execução 458. A partir deste sistema, disciplinado no artigo 99.º Código Penal, no

mesmo processo, o mesmo agente ser acusado por mais de um crime e é possível, por um deles, ser declarado inimputável e internado – verificada a sua perigosidade; e, pelo outro crime

cometido, pode o tribunal considerá-lo imputável e condená-lo a uma pena de prisão 459. Nestes

casos, o regime de vicariato permite-nos o seguinte: aplicar a medida de segurança, sendo que esta deve ser executada antes da pena de prisão e nela descontada (solução mais favorável à

453 idem, p. 136.

454 DIAS, Jorge de Figueiredo – Temas Básicos da Doutrina Penal, p.133. 455 idem, p.134.

456 idem, ibidem.

457 DIAS, Jorge de Figueiredo – Direito Penal, Parte Geral, Tomo I. p.103. Sistema consagrado no art.99.º do nosso Código Penal.

458 ANTUNES, Maria João – Penas e Medidas de segurança, p.123.

104

socialização do delinquente); no cumprimento da segunda sanção devem ser imputados todos os efeitos úteis que com a execução da primeira sanção tenham sido alcançados; terminado o cumprimento das sanções no seu todo devem ser aplicadas as medidas de substituição e os incidentes de execução que possam favorecer a socialização, nomeadamente a suspensão da

execução, libertação condicional ou prestação de trabalho 460.

Apesar de Taipa de Carvalho nos indicar que o âmbito de aplicação do artigo 99.º do Código Penal não inclui os “semi-imputáveis”, nem os delinquentes por tendência ou alcoólicos e

equiparados 461, Maria João Antunes justifica o princípio o vicariato dizendo-nos que ele é

fundamental num sistema de reações criminais dualista – ou seja, a existência de solidariedade entre penas e medidas de segurança – quando existe a “descrença na eficácia da pena, fixada em função da culpa, para poder realizar a missão preventiva que também cabe ao direito penal: muitas vezes a duração daquela não é suficiente para garantir o êxito preventivo – v.g., os casos de imputabilidade diminuída e de delinquência por tendência; outras, é necessário também um tratamento pedagógico e terapêutico do delinquente que, pela sua natureza, não pode realizar-se durante o tempo de cumprimento da pena – v.g., o caso do delinquente alcoólico ou toxicodependente” 462. Nestas hipóteses, diz-nos a autora, a pena tem de ser completada por medidas que visam combater a perigosidade do agente, constituindo estas intervenções pedagógicas, terapêuticas ou inocuizadoras. Este é um sistema que apresenta vantagens no sentido de impedir que a pena seja agravada para fazer face a preocupações preventivas só resolvidas com o abandono do princípio da culpa – facilitando o tratamento (preventivo) do delinquente perigoso na execução da medida de segurança, uma vez que estão à disposição meios médicos e sócio-terapêuticos que, habitualmente, não estão disponíveis

durante a execução da pena 463.

O direito espanhol consagra uma solução “vicarial” para casos de imputabilidade diminuída: para além da pena privativa da liberdade, o tribunal pode aplicar uma medida de segurança de internamento a executar antes da pena – internamento. Posteriormente este pode dar como extinta a pena que falte cumprir depois de feito o desconto, ou reduzir a duração desta, tendo em consideração o bom resultado do tratamento. Também o direito suíço aplica esta solução para os mesmos casos, a duração da privação da liberdade é imputada na pena e cabe ao juiz

460 DIAS, Jorge de Figueiredo – Direito Penal, Parte Geral, Tomo I. p.104-105.

461 CARVALHO, Américo A. Taipa de – Direito Penal, Parte Geral, p.122; GARCIA, M. Miguez; RIO, J. M. Castela – Código Penal, Parte geral e especial, p.447.

462 ANTUNES, Maria João - O internamento de imputáveis em estabelecimentos destinados a inimputáveis p. 127-128.

105

decidir se, e em que medida a pena – entretanto suspensa – é executada depois de o agente ter

sido libertado ou de ter cessado o tratamento 464.

Ainda nas palavras da autora “[…] as penas e as medidas de segurança visam a ressocialização do delinquente e se este objetivo é mais bem conseguido através das últimas, porque na execução da medida de segurança atende-se de uma forma muito particular ao tratamento individual do condenado, o que torna a influência da sanção muito mais intensa” 465.

Já verificamos, com o que referimos até ao momento, que o sistema dualista é, politico- criminalmente, mais adequado a enfrentar o problema dos imputáveis perigosos ou por tendência, do que o sistema monista. Procurámos também, no capítulo das penas e medidas de segurança, demonstrar que estas tem o mesmo fim (fim-último) – a proteção dos bens-jurídico criminais. Para realizar este fim, o Direito Penal atribui às penas uma dupla função, de prevenção especial positiva – ressocialização – e negativa – de dissuasão individual do agente; e de prevenção geral positiva – de confiança comunitária na vigência das normas penais – e negativa – de dissuasão dos cidadãos em geral. No caso das medidas de segurança, a aplicação a imputáveis perigosos, o Direito Penal vai, através delas, desempenhar a função primária de prevenção especial de ressocialização e de neutralização da perigosidade do agente e a função secundária de prevenção geral positiva de pacificação social e de confiança da comunidade na

tutela dos bens jurídico-penais 466. Tanto a pena como a medida de segurança têm, hoje, uma

função de ressocialização ou recuperação social do agente. Embora se diferenciem na sua fundamentação e na decisão judicial da sua aplicação elas aproximam-se na sua execução – pois em ambos os casos o seu efetivo cumprimento deve orientar-se para a ressocialização do agente 467.

A esta convergência prática, a doutrina chama de monismo prático, resultado da substituição da conceção ético-retributiva pela conceção preventivo-ética da pena. Este monismo prático não foi algo imposto pelo exterior – pela necessidade de evitar uma descontinuidade no processo de execução da pena e da medida de segurança, mas sim um corolário natural da mutação substancial da conceção ético-retributiva pela conceção preventivo-ética da pena. Na nova conceção de pena tal descontinuidade não existe ou é substancialmente atenuada. O problema que se coloca é o de saber qual das reações criminais deve ser cumprida em primeiro

464 idem, p. 127. 465 idem, p.129.

466 CARVALHO, Américo A. Taipa de – Direito Penal, Parte Geral, p.119-120. 467 idem, p.120.

106

lugar, se a pena ou se a medida de segurança. Taipa de Carvalho refere que deve ser a medida de segurança, embora tanto a pena como a medida de segurança sejam orientadas para a recuperação social do agente, na modelação da execução da medida de segurança faz-se sentir, de forma acrescida, esta preocupação prática com a correção das tendências do imputável perigoso (ou imputável diminuído). Não é por acaso que as medidas de segurança também se

chamam medidas de segurança e tratamento 468.

Este problema, do sistema de vicariato na execução, só se coloca no caso de concurso de crimes, sendo duas as hipóteses possíveis: o agente comete um dos crimes num momento em que se encontrava num estado de inimputabilidade e pratica o outro crime num momento em que se encontrava num estado de imputabilidade; ou, é um agente que é imputável em relação a um dos crimes, sendo inimputável em relação ao outro - quando o mesmo agente pratica dois (ou mais) ilícitos criminais, mas em que a um deles só pode ser aplicada uma medida de segurança, por força da inimputabilidade, e a outro dos ilícitos criminais cometidos deve ser aplicada uma

pena, por se afirmar aqui na prática deste ilícito criminal a imputabilidade do agente 469. Esta é

a hipótese que configura o artigo 99.º do nosso Código Penal (o concurso de crimes). Outras hipóteses em que se poderia colocar o problema do vicariato seriam nos casos de delinquentes semi-imputaveis (imputáveis diminuídos) e dos delinquentes por tendência ou alcoólicos e equiparados. Em relação a estas categorias, já verificamos que não é possível aplicar uma pena e uma medida de segurança (em sede de complementação, por termos um sistema monista). Têm, como já vimos, que se verificar os pressupostos da delinquência por tendência para ser

aplicada a “pena” relativamente indeterminada 470, regime previsto no artigo 89.º e sgs do CP

e artigo 509.º do CPP 471.

Em relação ao Vicariato na Execução, estabelecido no artigo 99.º do CP (e no artigo 507.º do CPP), em primeiro lugar é executada a medida de segurança e a duração desta descontada na pena de prisão (como consta do artigo 99.ºn.º1 CP). É a substituição, ou o desconto, no tempo da pena, do tempo cumprido da medida de segurança, que leva a designar o sistema como um sistema monista prático, ou sistema vicarial, como também é designado. Outra questão que se pode colocar é a de se saber se, ao longo ou no termo da medida de segurança, o agente demonstrar, com a sua conduta, que já se encontra corrigido – socialmente recuperado – deve, ainda assim, iniciar o cumprimento da pena? Relativamente à medida de segurança, se já foi

468 idem, p.120-121. 469 idem, p.121. 470 idem, p.118. 471 idem, p.122.

107

cumprido o tempo previsto para esta, ela vai extinguir-se. Se, antes de terminar o período da duração da medida de segurança, a perigosidade criminal do agente, mediante prognóstico clinico-psiquiátrico, desaparecer, a medida de segurança deve cessar imediatamente, ou seja, desaparecida a causa, o efeito fica extinto. Uma vez cessada a medida de segurança três soluções surgem: ou o agente é colocado em liberdade condicional (como consta do artigo 99.ºn.º2 – se o tempo da medida de segurança cumprido equivaler a metade da pena, e esta libertação não for incompatível com a paz social); ou presta trabalho a favor da comunidade (no caso de o internamento não ter atingido a metade da pena, ou porque a libertação se opõe à paz social – tem de cumprir pena de prisão até ao máximo de dois terços desta, embora nesta hipótese, possa um ano ser cumprido em liberdade, com prestação de trabalho a favor da

comunidade – artigo 99.ºn.º4); ou cumpre parte da pena em que foi condenado 472.

4.4. Breve análise do regime de internamento de imputáveis em estabelecimentos destinados