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5. O artigo 132.º do Código Penal Homicídio Qualificado

5.5 Breve referência ao Homicídio Qualificado atípico

Ainda que não façamos uma extensa abordagem a esta discussão importa referir que surgem situações que, não sendo exatamente as situações descritas no n.º2, fazem com que se questione o princípio da legalidade, no sentido de percebermos se é possível constatarmos que estamos perante o artigo 132.º quando não se verificam as alíneas do n.º2. Sabemos que o recurso à analogia em Direito Penal é proibida, se esta agravar a pena do agente – que é o caso. Contudo, somos da opinião de que podem haver circunstâncias substancialmente análogas às descritas no n.º2 e que integrem o tipo de culpa do n.º1. Como é que esta situação se configura compatível com o princípio da legalidade? Ela é compatível porque, no n.º2, está consagrada a expressão “entre outras”, e dessa expressão podemos considerar que podem haver outras situações, fora aquelas que estão exemplificativamente enunciadas no n.º2, que podem integrar o mesmo tipo de culpa. Os exemplos padrão são típicos, e não exaustivos, por isso consideramos que é

551 MONTEIRO, Elisabete Amarelo – Crime de Homicídio Qualificado e Imputabilidade Diminuída p.42-43. 552 idem, p.43 apud PALMA, Maria Fernanda – Direito Penal, parte especial, p.43-44.

553 SILVA, Fernando – Direito Penal Especial, p.59.

554 MONTEIRO, Elisabete Amarelo – Crime de Homicídio Qualificado e Imputabilidade Diminuída p.43. 555 Relativamente ao tipo de dolo, acreditamos ser possível punir o homicídio qualificado a título de qualquer uma das formas de dolo previstas no artigo 14.º, cfr MONTEIRO, Elisabete Amarelo – Crime de Homicídio

Qualificado e Imputabilidade Diminuída p.44. e DIAS, Jorge de Figueiredo – Comentário Conimbricense do Código Penal: parte especial, tomo I. p.74.

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possível inserir outras circunstâncias. Naturalmente, que há um limite, estando perante uma circunstância nova, ou seja, não estando ela exatamente descrita em alguma das alíneas do n.º2,

esta tem de ter a mesma estrutura valorativa – o mesmo Leitbild 556. Não se tratam de exemplos

totalmente atípicos, até porque o intérprete não pode criar novos exemplos padrão, trata-se apenas de se verificar, em cada alínea, qual é a razão dos termos da qualificação, e demonstrar que essa mesma razão existe na outra circunstância a considerar (tem exatamente o mesmo conteúdo do desvalor que cabe no exemplo padrão – não se trata de um caso omisso, porque é

um caso que tem o mesmo conteúdo que cabe numa das alíneas) 557.

Contrariamente ao que supra referimos, o Acórdão do Tribunal Constitucional, processo n.º 1359/13, enuncia, no seu ponto I, a inconstitucionalidade quando se faz apelo direto à cláusula de especial censurabilidade ou perversidade, no caso de não se verificar nenhuma das circunstâncias previstas no n.º 2 do mesmo preceito – ou seja, os exemplos padrão -, violando assim, os princípios constitucionais da tipicidade, da legalidade, da segurança jurídica, da igualdade e da estrutura democrática do Estado de Direito, garantidos pelos artigos 2.º, 13.º,

29.º, n.º 1, 3 e 4 e artigo 165.º, n.º 1, alínea c), da Constituição da República Portuguesa 558.

Como refere Figueiredo Dias, a violação do princípio da legalidade, neste âmbito, só se verifica se fizermos “um apelo direto à cláusula de especial censurabilidade ou perversidade, sem primeiramente a fazer passar pelo crivo dos exemplos padrão e de, por isso, comprovar a existência de um caso expressamente previsto ou de uma situação valorativamente análoga”

559. Quando estamos perante uma situação, ainda que a mesma não esteja elencada nos

exemplos-padrão do n.º2 do artigo 132.º, se for composta pela mesma estrutura valorativa – Leitbild -, então, devido à expressão “entre outras” – contida no n.º2 do mesmo artigo - podemos considerá-la, ainda que não representada expressamente, como tendo a mesma estrutura valorativa de um dos exemplos padrão, gerando dessa forma o efeito indício da

556 “Este Leitbild há-de inferir-se de cada uma das concretas circunstâncias exemplificadas no n.º2 do artigo

132.º, devendo apreender de cada uma delas não apenas o seu especial grau de gravidade, mas também a sua própria estrutura valorativa. Esta estrutura valorativa deve ser surpreendida e extraída precisamente da ideia condutora agravante que subjaz a cada uma das circunstâncias mencionadas no n.º2. Aí o legislador realça como ideias condutoras agravantes: [v.g.] certas qualidades relativas à vítima, que podem residir no parentesco na linha reta; […] certas condutas qualificadas de execução do facto especialmente censuráveis, quanto ao modo de cometimento […] ou quanto ao meio utilizado [etc…]. No âmbito da estrutura valorativa de cada uma dessas circunstâncias, é possível enquadrar outras circunstâncias diversas das que estão exemplificadas, desde que revelem igualmente um especial grau de gravidade da ilicitude ou da culpa. Fora desse âmbito, discorda-se da possibilidade de admissão de novas circunstâncias suscetíveis de revelarem a especial censurabilidade ou perversidade do agente”. SERRA, Teresa – Homicídio Qualificado, p.73.

557 DIAS, Jorge de Figueiredo – Comentário Conimbricense do Código Penal: parte especial, tomo I. p.51-54. MONTEIRO, Elisabete Amarelo – Crime de Homicídio Qualificado e Imputabilidade Diminuída p. 45-50. 558 Ac. TC, processo n.º 1359/13, ponto I.

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especial censurabilidade ou perversidade a que nos reporta o n.º1 do mesmo artigo. Neste sentido, o Acórdão do STJ, de 18-01-2012, refere que: “este Leitbild retirado da análise das diversas circunstâncias exemplificadas no nº 2 do artigo 132.°, irá permitir delimitar a apreciação necessária à afirmação da especial censurabilidade ou perversidade do agente para a qualificação do homicídio. Não basta, todavia, um aumento essencial da ilicitude e/ou da culpa, que se expressam nas diversas circunstâncias do nº 2. É preciso que, a esse grau de gravidade do facto, acresça uma estrutura valorativa do mesmo facto correspondente ao Leitbild dos exemplos-padrão. Esta estrutura valorativa é extraída precisamente da ideia condutora agravante que subjaz a cada uma das circunstâncias mencionadas no nº2 ” 560.