• Nenhum resultado encontrado

2. Noções de Imputabilidade, Inimputabilidade e Imputabilidade Diminuída

2.2 Conceito de Inimputabilidade em razão de anomalia psíquica

2.2.5 O Artigo 20.ºn.º1 do Código Penal, pressupostos de aplicação

A conexão biopsicológica é o primeiro requisito da inimputabilidade: o agente tem de sofrer de

uma anomalia psíquica 187. Como referimos, esta expressão é uma designação ampla, optou-se

pela mesma ao invés de se enumerar doenças e estados psíquicos anómalos suscetíveis de fundamentar a inimputabilidade. Aqui são abrangidas as situações temporárias provocadas por fatores exógenos como o álcool. Eduardo Correia afirma que toda a anomalia psíquica, mesmo acidental, deve determinar a inimputabilidade, desde que produza o efeito psicológico requerido

(excetuam-se os casos de anomalia psíquica pré ordenada ou actio libero in causa) 188. A

intervenção de especialistas é exigida nos termos do artigo 163.º Código Processo Penal, por forma a adquirir elementos através de um conhecimento técnico ou científico do qual o operador

do direito pode não possuir 189.

A conexão normativo-compreensiva, consubstancia o segundo requisito, contemplando a incapacidade do agente, no momento da prática do facto e por força da anomalia psíquica, de avaliar a ilicitude deste e de se determinar de acordo com essa avaliação. Nesta fase é necessário uma comparação normativa entre o agir modificado daquele que é psiquicamente anómalo e o que se poderia esperar do “homem médio” que tem de responder socialmente pelo ilícito

praticado 190. Importa aferir como pode a formulação legal reconduzir à destruição, pela

anomalia psíquica, das conexões reais e objetivas de sentido entre o agente e o facto, num grau tal que se torna impossível a compreensão do facto como facto do agente. Tanto o juiz como o

prejudicar o juízo dos indivíduos e criar desejos anormais e antissociais, ao mesmo tempo em que diminuem a vontade da pessoa de resistir a eles (tradução livre da nossa autoria).

187 Dias, Figueiredo - Direito Penal, Parte geral, Tomo I, p.574.

188 GARCIA, M. Miguez; RIO, J. M. Castela - Código penal parte geral e especial, p.164 apud Actas, 1965, p.140-142 e sgs.

189 Vide CÓDIGO Processo Penal, artigo 163.º.

48

perito tem de tentar efetuar uma espécie de racionalização retrospetiva de um processo

psiquicamente anómalo 191.

Por último temos a conexão temporal, que se traduz no fundamento biopsicológico da inimputabilidade, ou seja, a anomalia psíquica, ter de se verificar no momento da prática do facto. Estamos perante o que se consubstancia no ponto de viragem na doutrina da inimputabilidade, isto porque ela deixou de ser um estado – constante, temporal, acidental - e passou a ser uma característica do concreto facto de um agente. Passa a ser a pessoa que, no momento da prática do facto, se encontra onerada de um substrato biopsicológico que se traduz

no facto concreto praticado e o torna num certo efeito normativo 192.

“A falta de imputabilidade existirá – como observa Beleza dos Santos – quando seja a anomalia mental a determinante da conduta do agente” 193, como tal, as consequências jurídico-penais da inimputabilidade são as seguintes: um agente, incapaz de culpa, não pode ser alvo de uma sanção penal – pena de prisão ou multa. Não se exclui, no entanto, a aplicação de uma medida

de segurança 91.º, fundada na sua perigosidade do mesmo 194.

Nas palavras de Maria João Antunes “o Direito Penal saído do Século das Luzes é um direito que assenta no princípio da responsabilidade moral e tem como destinatário o cidadão livre e senhor dos seus atos da Declaração dos Direitos do Homem de 1789, assim se compreendendo que o cidadão com tais anomalias seja um estranho para a justiça penal e que só aquele que, contra a vontade geral expressa na lei, escolheu livremente a via do crime seja sancionado através da aplicação de uma pena necessariamente ligada à culpa” 195.

Após esta exposição acerca do conceito da inimputabilidade, da sua evolução e dos seus requisitos, podemos concluir que, na ocorrência de anomalia psíquica determinante da incapacidade para o agente, no momento da prática do facto, avaliar a ilicitude deste ou, apesar de ser capaz de tal, de se determinar de acordo com essa avaliação, opta-se pela exclusão da culpa e, nesse sentido, pela não aplicação de uma pena de prisão ao inimputável em razão de anomalia psíquica. “Um ato para ser voluntário deve derivar não só de uma deliberação da

191 Se esta for conseguida então o agente, apesar da anomalia psíquica de que eventualmente sofra, deve ser considerado imputável – em determinados processos psicóticos âmbitos mais ou menos latos do estado anímico permanecem intocados e o facto praticado pode ser considerado compreensível – caso contrário, se a tentativa falhar o agente é considerado inimputável. Conceção adotada por Figueiredo Dias. IDEM, p.580-581, cfr nota de rodapé número 43.

192 idem, p.581.

193 CORREIA, Eduardo – Direito Criminal I, p. 355, apud Beleza dos Santos – Imputabilidade, p. 108. 194 GARCIA, M. Miguez; RIO, J. M. Castela - Código penal parte geral e especial, p. 166.

195 ANTUNES, Maria João - Medida de Segurança de Internamento e Facto de Inimputável em Razão de

49

vontade, mas também de um prévio conhecimento da inteligência; de modo que o ato da vontade contém tanta bondade ou malícia, quanta foi conhecida pela inteligência. – Por isso, se a inteligência, por qualquer causa ou acidente, for perturbada a ponto de não poder apreciar a bondade ou a malícia do ato, este não é voluntário, e quem o praticou não é responsável por ele, nem deve ser punido” 196.

Neste sentido, e como se pronuncia António João Latas, no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, é comum a todas as perspetivas doutrinárias sobre o fundamento de impedimento ou exclusão da culpa que a inimputabilidade em razão de anomalia psíquica obsta à condenação

do agente respetivo com base na culpa 197.

Contudo, importa ter em atenção que se mostram excluídos da noção de inimputabilidade as situações em que o agente padece de anomalia psíquica à data dos factos mas esta não gera o efeito legalmente exigido – ou seja, por não poder estabelecer-se a relação causal entre a anomalia e o ato praticado pelo agente que o artigo 20.º n.º1 pressupõe, como, no mesmo acórdão, é exemplificado: se o agente que detêm a anomalia psíquica e esta o vai limitar/influenciar na sua relação com a propriedade alheia – ladrão - e pratica crime contra as pessoas. Ou, diferentemente, se padece de patologia de natureza sexual e pratica um crime

contra a natureza 198 – nestes casos enunciados facilmente percebemos que a anomalia psíquica

de que o agente padece em nada tem a ver com o facto que este praticou. Ainda no mesmo

sentido, também não se afere pela inimputabilidade do agente nos casos em que ele se encontra dominado por certos estados afetivos intensos, desde que, claro, tal estado não tenha subjacente nem, por qualquer forma, constitua efeito de anomalia psíquica que afetasse o arguido no

momento da prática dos factos 199.

Após a delimitação dos conceitos de imputabilidade e de inimputabilidade, bem como o conceito de anomalia psíquica, vamos agora debruçarmo-nos sobre parte do nosso tema, e delimitar o conceito de imputabilidade diminuída. Cabe apurar, nestes casos, se o agente sofre de uma patologia do foro mental ou psicológico, medicamente caracterizável como anomalia psíquica intrinsecamente grave, não acidental e cujos efeitos não domina, no momento da prática do ilícito típico e qual a influência dessa patologia nas capacidades cognitivo- intelectuais e volitivas, e que, em resultado dessa anomalia, o agente tem a sua capacidade de

196 Ac. TRC, de 23-09-2015, processo n.º 715/14.6JAPRT-A.C1, ponto I, apud Thiago Sinibaldi - Elementos de

Filosofia, Vol. II, p. 158.

197 Ac. TRE, de 20-05-2010, processo n.º 401/07.3GDSTB-A.E1, ponto 2.1. 198 idem, ponto 2.1 a).

50

avaliar a ilicitude do facto ou de se determinar de acordo com essa mesma avaliação, não

totalmente excluída, mas sim sensivelmente diminuída 200.

“O organismo humano, como todo o ser vivo, está sujeito a perturbações de ordem patológica, a anomalias da atividade, quer no aspeto fisiológico, quer no mental ou espiritual. […] Se existem casos de fácil apreensão, porque os sintomas de desarranjo mental são aparentes, como na loucura e demência, porque são percetíveis, em virtude da desordem no modo de proceder, como a prática dos atos incoerentes, violentos, extravagantes, sem motivos nem combinações, da desorientação nas ideias, juízos e raciocínios, e da perversão na sensibilidade, outros há que só os peritos, os especialistas, conseguem descobrir por meio de exames pormenorizados e demorados” 201.