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Breve Análise dos Perfis dos Juízes Históricos

CAPÍTULO I O JUIZ E O ATO DE JULGAR

1.2 ANÁLISE DE FIGURAS JUDICIAIS PARADIGMÁTICAS

1.2.6 Breve Análise dos Perfis dos Juízes Históricos

208

Cardozo recebeu grandes elogios de Jerome Frank, notável realista. Em primeiro momento, agradece e saúda o jurista, para, no momento seguinte, em discurso proferido na Ordem dos Advogados de Nova Iorque, se distanciar de Frank e seus colegas. Ao mesmo tempo que seus estudos apontam a existência de elementos subjetivos nos julgamentos, também constatam a relevância da uniformidade e do respeito ao sistema legal. FISHER III, William W.; HORWITZ, Morton J.; REED, Thomas A. (Orgs.). American legal realism. Oxford: Oxford University Press, 1993. p. 172.

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CARDOZO, Benjamin. The nature of the judicial process. New York: Dover Publications, 2005. p.27.

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FRANK, Jerome. Courts on trial: myth and reality in american justice. New Jersey: Princeton University Press, 1973. p. 285.

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Loopholes, no original.

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São quatro os efeitos: 1) Não há razão para alterar uma regra que não causa dano; 2) Há regras às quais a comunidade é apegada, e o magistrado não as alterará ainda que acredite não serem sábias; 3) Os juízes não tem o ferramental para examinar – e alterar – regras historicamente enraizadas e estabelecidas na comunidade, sob o ponto de vista de suas consequências pretéritas e futuras; e, finalmente, 4) é inegável que existe um elemento muito forte de confiança nos precedentes. Seria, nesse último ponto, injusta qualquer alteração no precedente, sem o devido motivo, pois há uma confiança estabelecida naquele entendimento. FRANK, op cit., p. 285.

213

Ibid.,, p. 157.

214

FRANK, Jerome. Courts on trial: myth and reality in american justice. New Jersey: Princeton University Press, 1973. p. 158.

Esses “juízes” que foram destacados na história de forma arbitrária compõem um painel de características de cada uma dessas épocas. Ao mesmo tempo em que explicam o cenário vigente, também delineiam certos perfis que os definem. Com esses perfis, não se pretende demonstrar um desenvolvimento linear da função judicial, pois tratar-se-ia de proposta histórica superficial. O patamar atual desse cargo possui uma origem muito mais rica e vasta do que um punhado de épocas possa explicar. Contudo, essa pequena seleção auxilia não só na compreensão atual de tal desempenho da atividade, bem como evidencia a razão de ser da exigência de motivação dos atos judiciais.

O iudex unus, por exemplo. Ele não era qualquer magistrado. Das duas funções possíveis, a que exercia era a mais distinta e certamente a de maior poder, no âmbito processual. Ele valorava a prova, e de suas decisões dificilmente cabia recurso.215 Certamente era homem que refletia a cultura de sua época, e ainda podia se valer do rico conhecimento do

consilium, cujos entendimentos não eram vinculantes, lembrando, ainda que com certa

impropriedade, os laudos periciais modernos.

O seu poder advinha da nomeação pelo pretor, com base na concordância de ambas as partes. Era escolhido, portanto. E, curiosamente, com tanto poder em suas mãos, não há registro histórico de que incorresse em frequentes abusos dele. Soa possível que a a existência da responsabilização civil do magistrado, aliada ao reconhecimento, pelo próprio iudex unus, da relevância de sua função, evitasse maiores abusos. Ainda assim, como se viu, essa figura não se manteve durante os sistemas jurídicos romanos posteriores.

Supõe-se, sem exagero, que a mera ideia de que tinha acesso a tanto poder já era temível. Caracteriza-se, portanto, esse primeiro juiz, como alguém com mínimo conhecimento legal, mas com ampla cultura. Dispensava-lhe a motivação de seus atos, pois havia outras formas de controle, e não se esperava dele nada além de que cumprisse sua promessa de julgar conforme a verdade. Era, antes de tudo, um juiz responsável, pois sabia muito bem as consequências de não decidir, ou de fazê-lo sem o devido cuidado.216

215

LASPRO, Oreste Nestor de Souza. A responsabilidade civil do juiz. São Paulo: RT, 2000, p. 24.

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Oreste Nestor de Souza Laspro identifica com precisão a responsabilidade do juiz nos períodos processuais romanos. No caso particular do iudex unus, ele alinha algumas possibilidades. O iudex que se omitia de sentenciar era a primeira dessas ocorrências. Precisamente a faculdade de pronunciar rem sibi non liquere, e deixar de julgar sob o argumento de que o direito não lhe parecia líquido lhe escusava de seu dever e afastava sua responsabilidade. Outro caso de responsabilização do iudex apresentava-se quando, na condemnatio, procedia à condenação de quantia maior ou menor que a exigida, ou desrespeitava os limites fixados na fórmula. Ou seja, deveria atender os limites contidos na fórmula, ou responderia por essa transgressão perante as partes. A última possibilidade alinhavada é a do iudexque se comporta como depositário infiel, apropriando-se da coisa litigiosa, equiparando-se ao ladrão. O que é certo, contudo, é que o iudex unus não era, nessa época, reponsabilizável por decisão que viesse a ser considerada injusta. Tudo conforme LASPRO, Oreste Nestor de Souza. A responsabilidade civil do juiz. São Paulo: RT, 2000. p. 29-32.

Já na Revolução Francesa, vários séculos após, a figura do juiz é emblemática. Situado no epicentro de um dos mais sangrentos movimentos populares da história, a função judicial, no período pré-revolucionário, estava vinculada à figura do rei, mas ainda exercida como privilégio e recaindo, com frequência, em evidentes arbitrariedades. Após, o receio da recorrência da manifestação era tão grande, que o juiz é transformado em mero burocrata, sem qualquer função criadora da lei. Se, naquele primeiro momento, ao magistrado não se exigia motivação, era porque estava imbuído do poder real. Já depois, tal exigência foi cristalizada na Lei 16-24, de agosto de 1790, em seu artigo 15. E mais: no artigo 12, no caso de qualquer necessidade interpretativa da lei, o juiz deveria consultar o “corpo legislativo.” Caracterizava- se, aquele primeiro julgador, como arbitrário ou prepotente, e o segundo, como amordaçado. Em novo salto histórico, apresesentou-se o juiz que desempenhou funções na Alemanha nazista e, logo após, o magistrado do Pós-Guerra. Em ambos os casos, fortes traços ideológicos quedaram evidentes. Novamente, um ponto de divisão fundamental (o fim da II Guerra Mundial) efetuou uma divisão de águas. No entanto, diferentemente do verificado na Revolução Francesa, os juízes, depois de 1945, na Alemanha ocupada, não atravessaram mudança tão radical. A questão da ideologia revelou-se, a partir de então, problema fundamental no desempenho da função – a serviço de quem está o juiz? A serviço de quem está a lei? Afinal, ainda que os juízes tivessem liberdade para seguirem suas mentes – e não a tinham –, que espaço interpretativo possuíam, se até mesmo os doutrinadores da época davam razão ao führer? A ideologia havia contaminado a todos, e pouca ou nenhuma diferença haveria com a total liberdade dos juízes. O que se viu, na realidade, depois de 1945, foram criminosos de guerra, verdadeiros genocidas, com sentenças de 1 dia de prisão para cada morte provada. Os juízes que assim decidiam encontram a caracterização nada singela de

cegos pela ideologia nazista. A motivação revela-se irrelevante, pois o sistema já fora

corrompido desde seu gérmen fundamental.

No fim dessa carreira, acha-se a perspectiva realista dos norteamericanos acerca de como decidem os magistrados. Talvez não se trate de um juiz específico, ou talvez seja ele o julgador daquele país, naquela época. A valorização da figura desse indivíduo demonstra não só uma preocupação com a liberdade que ele encontra no exercício do cargo, atualmente, bem como evidencia consternação de como isso pode afetar os jurisdicionados. Nessa quadra, configura-se também como estudo interdisciplinar dessa função, carreando, para as luzes do Direito, conceitos antes exclusivos da Psicologia.

O realismo não logrou êxito em atingir o desejado adjetivo do juiz verdadeiro. Apenas galgou-se mais um degrau na longa escadaria do estudo dessa função. O que se

verifica, com essa breve análise, é que todas essas figuras não podem ser esquecidas quando do estudo do desempenho da função judicial hoje, e do rastro da importância da motivação das decisões, que pode ser acompanhado até muitos séculos atrás. Elas revelam as diversas facetas que o julgador pode apresentar conforme sua época: foi ela, acima de tudo e de todos, que construiu o juiz.