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Um breve comentário sobre a Sociologia urbana de Max Weber A brief essay on Max Weber‘ Urban Sociology

No documento Sociabilidades Urbanas (páginas 39-55)

Jesus Marmanillo Pereira Resumo: O presente texto tem como objetivo mapear as principais contribuições de Max Weber para os estudos de Sociologia urbana. Para tanto, valemo-nos da análise de suas principais obras e das contribuições de comentadores como Bendix (1986), Sell (2010), Colliot-Thélène(2016), Pierucci(2003) entre outros. Nesse sentido, buscamos explanar a relação que o autor faz entre a cidade e a emergência do capitalismo na Europa ocidental, evidenciando a perspectiva histórica e compreensiva característica da sociologia weberiana. Palavras-chave: cidade, história, racionalização da vida

Abstract: The present text aims to map the main contributions of Max Weber to the studies of urban sociology. For this, we use the analysis of his main works and the contributions of commentators such as Bendix (1986), Sell (2010), Colliot-Thélène (2016), Pierucci (2003) among others. In this sense, we seek to explain the author's relationship between the city and the emergence of capitalism in Western Europe, highlighting the historical and comprehensive perspective characteristic of Weberian sociology. Keywords: city, history, rationalization of life.

Embora tenha ganhado muito destaque nos estudos do campo da Sociologia política, da Sociologia da religião, jurídica e econômica, entre outras, a Sociologia compreensiva parece não ter obtido a mesma notabilidade no âmbito da Sociologia urbana. Partindo da hipótese de que esse viés pode apresentar uma rica contribuição para o desenvolvimento de problemáticas e pesquisas nas cidades, o presente texto visa elencar algumas contribuições teórico-metodológicas de Max Weber no âmbito da pesquisa urbana, destacando os principais textos e aspectos da biografia do autor.

Para tanto, nossos passos iniciais foram orientados pelas contribuições de autores como Freitag (2006), Domingues (2000), Sousa (2010) e González (2014), entre outros que tomam o texto ―Conceito e categorias de cidade‖ como material analítico para compreender a perspectiva analítica urbana de Max Weber. Seguindo a mesma linha desses autores, Sell (2010) defende a Sociologia urbana de Weber, destacando a importância do autor na construção de uma definição sociológica de cidade, no referido material. Contudo nos valeremos também dos escritos ―As causas do declínio da cultura antiga‖ e ―Capitalismo e sociedade rural na Alemanha‖, do livro ―História agrária romana‖ e o próprio ―Conceito e categorias de cidade‖, com os quais buscaremos contextualizar as principais características teóricas, metodológicas e biográficas do autor.

A escolha do material de análise se pautou na própria perspectiva relacional e histórica do autor que, ao longo de sua obra, apresenta uma série de dinâmicas e inter- relações entre os aspectos das atividades produtivas e funções do âmbito político e administrativo, assim como as características e dinâmicas das composições sociais que marcam a cidade ocidental. Desse modo, é importante enfatizar que, embora o autor seja

dotado de uma erudição que lhe possibilita transitar e comparar uma série de cidades e agrupamentos – não só ocidentais, mas também de outras partes do mundo –, nos limitaremos ao âmbito da cidade ocidental por meio de um processo que se desenrola na economia, mas que também perpassa o âmbito da política e desemboca em momentos de concentração e desconcentração populacional na cidade e no campo.

Nesse sentido, sistematizamos nosso estudo em três partes, nas quais serão abordadas: 1) a relação entre a biografia do autor e a questão da cidade; 2) algumas características da abordagem weberiana a respeito das cidades; e 3) as possibilidades e apropriações relacionadas aos estudos nas cidades.

O encontro entre a cidade e a sociologia histórica weberiana

Max Emil Maximilian Weber nasceu em 21 de abril de 1864 na cidade de Erfurt capital do estado da Turingia, que fica localizado na região central da Alemanha. Ele foi filho de Max Weber25 que, segundo Turner (2016), descendia de luteranos refugiados da Áustria que se estabeleceram como fabricantes de tecidos no Oeste da Alemanha (BENDIX, 1986). O pai do sociólogo foi advogado e juiz na cidade de Erfurt. Já a sua mãe, Helene Fallenstein, era descendente de imigrantes huguenotes franceses. Embora os dois pais tivessem uma ligação com o protestantismo, Cohn (2003) e Turner (2006) notam que possuíam personalidades diferentes e influenciaram o jovem Weber de maneiras distintas. Isso tornou-se mais perceptível após 1869, quando a família mudou- se para Berlim e o pai entrou na vida política e usufruiu de um estilo de vida burguês e liberal, marcado pelo materialismo, barganhas, hedonismo e acordos; enquanto Helene Fallenstein teve uma vida focada em interesses humanitários e religiosos. Nesse ambiente, Max Weber foi inserido em um ciclo social composto por grandes destaques da política e do mundo intelectual, tais como Georg Simmel, Georg Lukács, Wilhelm Dilthey, Theodor Mommsen e outros importantes nomes que visitavam a casa de sua família.

Associada às influências de seus pais, sua formação também foi marcada por sua participação no Evangelischer Social-Kongress (Congresso Social Evangélico) e na Verein für Sozialpolitik (Associação para a Política Social), organizações que reagiam contra o excesso de industrialização na Alemanha e realizavam pesquisas sobre problemas sociais (COLLIOT-THÉLÈNE, 2006; TURNER, 2006). Tais espaços projetaram Max Weber para o ambiente acadêmico e para pesquisas focadas nas condições dos trabalhadores rurais, mais especificamente para a pressão das lógicas capitalistas sobre as tradições culturais do mundo rural alemão.

Tendo como foco o avanço da racionalização da vida e da economia capitalista, Max Weber direciona seu olhar para o mundo rural, preocupando-se tanto com a tensão existente entre a tradição e a lógica do lucro, quanto com a referência da cidade – símbolo máximo da racionalidade econômica. Assim, considerando que ―não existe uma sociedade rural separada da comunidade urbana social‖ (WEBER, 1997, p. 121), o contexto vivido pelo autor é também o do encontro entre a tradição e a racionalização, ou seja, o do desencantamento. A cidade, portanto, é um cenário e um tema coadjuvante que aparece nos textos ―As causas do declínio da cultura antiga‖, ―Capitalismo e sociedade rural na Alemanha‖, do livro ―História agrária romana‖ e também no ―Ética protestante e o espírito do capitalismo‖. Trata-se de ethos que emergiu, em diferentes tempos históricos, culturas e formas de economia que estavam em conflito com o cotidiano rural.

Em um breve resumo, sabemos que Weber defendeu sua tese de doutorado, focada nas organizações econômicas medievais, em 1889. Depois, iniciou um estágio

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profissional nas províncias a leste do rio Elba, onde teve contato próximo com os problemas sociais e políticos da sociedade agrária da região. Essa experiência resultou no livro ―A situação dos trabalhadores agrícolas no Elba‖, publicado em 1892. Ao mesmo tempo, pesquisou e escreveu ―A história agrária romana e seu significado nas leis públicas e privadas26‖, que foi publicado em 1981. Sua carreira como professor foi iniciada como Privadozent na Universidade de Berlim em 1883 (COLLIOT-THÉLÈNE, 2006). No ano seguinte, tornou-se professor titular na Fribourg-en-Brisgau e, em 1896, tornou-se titular na Universidade de Heidelberg.

Enfim, a experiência de vida em Elba, a vivência acadêmica, o contato com filósofos, historiadores e intelectuais e as aspirações humanitárias e solidárias possibilitaram a esse sociólogo perceber, primeiramente, o processo de racionalização da vida em um contexto bastante próximo, no Leste Alemão, atrelado ao ethos protestante. Trata-se de um processo característico do Ocidente e diretamente vinculado ao surgimento dos Estados modernos e das cidades, um tema que será abordado mais detidamente nos volumes do livro ―Economia e sociedade‖.

Nessa obra, é possível verificar que, para Weber (2003), a Sociologia era uma ciência interpretativa da realidade, preocupada com a busca de conexões e significações culturais e das causas pelas quais elas se desenvolvem historicamente. Nesse sentido, a narrativa histórica ganha um destaque, de forma que, segundo Colliot-Thélène (2006, p.62), ―na obra weberiana, parece difícil de distinguir entre escritos históricos e escritos propriamente sociológicos.‖

De modo geral, o seu método estava organizado em quatro pontos: 1) estabelecimento de leis; 2) análise e exposição ordenada de agrupamentos individuais de fatores historicamente dados e de combinação concreta e significativa; 3) reconstrução histórica explicativa; e 4) avaliação de outras possibilidades. Ao contrário das tradições sociológicas cuja etapa final é a elaboração de leis e regularidades, o ponto de partida do método weberiano é justamente o ―teste‖ dessas leis ou, para usar a terminologia da Sociologia compreensiva, desses tipos ideais. O papel da História é fundamental no segundo e terceiro pontos, quando são analisadas as circunstâncias únicas, reais e hipotéticas, de desenvolvimento de tais leis em determinados processos históricos27.

Por conta desse viés analítico, Oliven (1980) percebe que Max Weber encara a cidade como uma variável dependente, ou seja, a compreende de acordo com fatores históricos e como resultado de determinadas condições econômicas, políticas e sociais, relacionadas às mais diversas circunstâncias, assim, ele a entende como a materialização da objetivação dessas condições. Esse autor explica que, na verdade, Weber reformulou ―um conceito que é construído por uma série de circunstâncias ou condições necessárias para a existência e desenvolvimento de cidades‖ (OLIVEN, 1980, p. 15).

Para compreender a cidade como objetivação das diferentes condições, analisaremos a seguir os principais aspectos dos escritos ―As causas do declínio da

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Segundo Cohn (2003), a maior parte da produção que deu visibilidade acadêmica a Max Weber foi publicada em intervalos de três anos (1903-1906; 1911-1912; 1916-1919). No primeiro período, destaca- se a obra ―A ética protestante e o espírito do capitalismo‖; no segundo, destaca-se o texto ―Sobre algumas categorias da Sociologia compreensiva‖; e no último, o autor dedicou-se aos temas religiosos, produzindo a obra ―Ética econômica das religiões mundiais‖. Segundo Colliot-Thélène (2006), a obra de Weber não se constitui tanto de livros, mas de uma série de artigos. Grande parte deles foi organizada por Mariane Weber, que publicou a obra póstuma ―Economia e sociedade‖, em 1922.

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Sobre isso, Aron (2000) explica que o procedimento pelo qual se chega a uma casualidade histórica comporta, a título de método essencial, a construção do que teria ocorrido se um dos antecedentes não houvesse existido ou se tivesse sido diferente. Dessa forma, a análise das circunstâncias hipotéticas se fundamenta no fato de que a construção do irreal é necessária para compreender o real.

cultura antiga‖ e ―Capitalismo e sociedade rural na Alemanha‖, assim como trechos do livro ―História agrária‖ e do clássico ―Conceito e categoria de cidade‖.

Da cidade antiga à cidade do desencantamento

Em 1986, Max Weber ministra uma conferência intitulada ―Die sozialen Gründe des Untergangs der antiken Kultur‖, na Universidade de Heidelberg. No Brasil,

esse texto foi traduzido e difundido como: ―Causas sociais do declínio da cultura antiga‖, importante contribuição por meio da qual é possível ter uma ideia do processo de decadência das cidades romanas e de proliferação da vida rural na Europa.

Uma primeira observação feita por Weber (2003) é que a cultura antiga é essencialmente urbana e possui uma característica de autossuficiência em relação à compra de produtos de outras cidades. Segundo o autor:

Economicamente, também a cidade antiga se baseia originariamente na troca – no mercado da cidade – dos produtos da indústria urbana com os frutos da estreita orla agrícola circundante. Essa troca direta, imediata entre produtores e consumidores, cobre, no essencial, as necessidades, sem importação do exterior (WEBER, 2009, p.39).

Dessa forma, a relação entre campo e cidade é de aproximação e pensada enquanto uma unidade necessária para a autonomia local, diferenciando-se, portanto, da ideia de separação e da complexa e moderna divisão do trabalho entre cidades. O autor explica que enquanto, geralmente, se pensa o citadino como pessoa que não satisfaz as próprias necessidades alimentares cultivando o seu solo, o cidadão pleno da Antiguidade é um agricultor que possuía um lote de onde extraía sua produção alimentar (WEBER, 1999). Em uma escala mais ampla, era possível visualizar que essas cidades ―autônomas‖ estavam localizadas nos litorais e possuíam um tímido comércio internacional que atendia a uma pequena camada das classes possuidoras. Ademais, existia também uma economia natural de camponeses bárbaros nos interiores do continente (IDEM, 2003). A conexão e o comércio entre todos esses locais ocorriam pelos mares e rios, considerados as principais vias de deslocamento da época.

Enfim, por mais diferenças que possamos identificar entre os tipos de produção e comunicação nos diferentes espaços, os grandes proprietários romanos não eram agricultores que viviam no campo dirigindo o próprio negócio, mas homens que habitavam a cidade, exercendo a política e vivendo de rendas provenientes das terras que eram cultivadas pelos colonos e administradas pelos Villicus. Por mais óbvio que pareça, é bom destacar que essa ideia de cidadão não se limita ao fato de habitar na cidade, mas está também diretamente associada ao direto político. Isso demonstra a concepção complexa de Weber a respeito da cidade, por meio da qual busca sempre uma definição sociológica que problematize os seus aspectos quantitativos (número de edificações) tomando como referência às relações e formações sociais - nos âmbitos das atividades produtivas, dos aspectos políticos administrativos e dos contextos históricos desse espaço.

Nesse sentido, uma importante observação em relação às cidades na antiguidade romana diz respeito ao fato de que o trabalho livre na área urbana coexistia com o trabalho servil agrícola nas áreas rurais. Assim, ―ao lado da livre divisão do trabalho mediante o intercâmbio no mercado urbano, havia ao mesmo tempo divisão obrigatória do trabalho pela organização da produção em economia fechada nas senhorias rurais‖ (WEBER, 2003, p.41).

Sobre isso, Weber pondera que, se na Idade Média o trabalho livre significou uma maior divisão do trabalho e, consequentemente, uma possibilidade de dilatação do mercado e ampliação da área geográfica de trocas, o trabalho servil seguia no sentido

contrário, pois concentrava e acumulava escravos e vassalos para se especializarem em ofícios servis. Desse modo, enquanto na Idade Média o trabalho livre e o comércio venceram, na Antiguidade, o baixo preço de homens obtidos por meio das guerras inibiu o desenvolvimento industrial e gerou uma concentração gradativa de escravos nas mãos de um número menor de proprietários.

Nesse sentido, de modo geral, seguiu-se o caminho oposto ao da complexificação da divisão do trabalho, pois se desenvolveu uma economia cada vez mais dependente dos proprietários de escravos, já que eles conseguiam produzir para a própria subsistência e também para o mercado. Sobre esses atores sociais, Weber explica:

[...] São os proprietários de escravos que sustentam as necessidades cada vez maiores da vida, o aumento do comércio, o desenvolvimento da produção para o mercado. Não que o trabalho livre houvesse desaparecido por completo; mas as empresas escravistas eram o único elemento progressivo. Os escritores agrários de Roma vêem no trabalho dos escravos a base evidente da organização do trabalho (WEBER, 2003, p. 43).

O autor esclarece que esse foi o momento em que os proprietários de escravos se tornaram o suporte econômico daquela sociedade. Esse fato repercutiu em um processo de concentração de mão de obra e ruralização da vida que ganhou forma nas grandes propriedades de terras, as quais eram arrendadas, especuladas e serviam para a produção agrícola.

Para compreender o detalhamento desse processo, é importante considerar que o mundo do trabalho escravo foi diretamente influenciado pelo fim da tendência expansionista romana28, que gerou uma redução no aprovisionamento do mercado de escravos. Além disso, a própria estrutura social agrária não permitia que o escravo possuísse família, ou seja, impedia-o de se reproduzir biologicamente como mão de obra. Sobre a situação e as mudanças na vida dos escravos, o autor explica que muitos ainda eram trabalhadores no campo, submetidos ao poder ilimitado dos senhores de terra. Contudo, informa que

[...] uma coisa mudou radicalmente. Encontramos os escravos romanos vivendo no quartel ―comunista‖; mas os servos da época carolíngia vivem nos ―casarios‖ (mansus servilis), em terra cedida pelo senhor, como pequenos lavradores sujeitos à prestação pessoal nas glebas. O servo foi devolvido para a família, e com a família se apresenta, paralelamente, a propriedade pessoal. Esta dispersão dos escravos fora do ―oikos‖ aconteceu nos últimos tempos de Roma; e, com efeito, essa tinha que ser a conseqüência do decrescente auto- repovoamento do quartel de escravos. Mas, colocando o escravo como vassalo no seio da família independente, o senhor assegurava a renovação, e, portanto, uma provisão permanente de força de trabalho, que já não podia ser procurada na compra de escravos no mercado... (WEBER, 2003, p. 47, Grifos meus).

Dessa forma, os senhores se liberavam dos investimentos com a conservação e manutenção dos próprios escravos, elevando-os à condição de lavradores, os quais eram considerados força de trabalho vinculada à gleba e ao senhor por meio da prestação de serviços. Contudo, é importante lembrar que a mão de obra não era inteiramente

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Segundo Weber (1994), esse contexto ocorreu durante os impérios de Augusto e Tibério que renunciaram a todo intento de expansão dos limites do Império Romano, produzindo, assim, a diminuição da oferta de escravos. Além disso, o freio da expansão também significou um retrocesso na produção de uma cultura urbana no Império, já que uma das estratégias de colonização romana era a fundação de cidades. Para Weber (1997), há uma grande semelhança entre a colonização americana e a romana já que ambas se valem da fundação de cidades ou do estabelecimento de feitorias rurais.

escrava, já que as fazendas também se valiam de determinado número de proletários obrigados a trabalhar por conta de dívidas contraídas ou de filhos e parentes que eram agregados por conta do paterfamiliar29. Enfim, tal contexto propiciou a formação dos primeiros laços de vassalagem, com do servo vinculado à família e a propriedade pessoal

Conforme mencionamos anteriormente, todo esse processo resultou na restrição da divisão do trabalho, na inibição do mercado urbano e, conforme aponta Weber (2003), em uma mudança do centro de gravidade da cidade para o campo. Após essas mudanças nas atividades produtivas, restou para a cidade o acúmulo de funções político-administrativas e a cobrança de impostos. Converteu-se, gradativamente, de centro de trocas comerciais para distrito administrativo cada vez mais dependente das áreas interioranas.

Assim, com o deslocamento do eixo econômico para o campo, não tardou que o debate político passasse a representar cada vez mais os interesses dos grandes proprietários de terra, por meio da alteração de direitos e busca de vantagens para o campo. Um exemplo disso é que os senhores de terra procuravam, de todas as formas, se isentar dos impostos e obter legitimidade para executar procedimentos civis e penais contra seus subordinados por meio da criação de uma competência jurisdicional da grande propriedade fundiária. Podemos também destacar que, com o tempo, os próprios proprietários passaram a fazer o recrutamento militar no senhorio, colocando-se como prestadores de um serviço público30.

Todo esse poder político e econômico dos senhores de terra associado às cidades que sobreviviam cada vez mais da cobrança de impostos gerou um processo gradativo de deslocamento de romanos da cidade para o campo. Estes eram habitantes que buscavam se libertar dos impostos em meio à situação de crise urbana oriunda da diminuição do aprovisionamento de escravos e obter novas possibilidades de vida nas fazendas. Temos, nesse deslocamento, o ápice do momento em que ―o centro de gravidade da população romana transladou-se da cidade litorânea para o campo interiorano auto-suficiente‖ (IDEM, 2003, p.43). Esse deslocamento é detalhado no livro ―A História agrária romana‖, no qual o autor narra:

Na era tardo-imperial, verificou-se em geral o fenômeno do transporte de quadros, móveis, revestimentos de mármore, decorações e ornamentos de diferentes tipos por parte dos proprietários, de suas casas na cidade para suas vilas no campo. Às vezes, mudavam tudo, deixando a casa da cidade completamente vazia (WEBER, 1994, p. 211).

Nesse contexto, em que os homens da cidade fugiam para o campo e lá ingressavam no regime de colonato, observamos o auge de uma crise urbana que foi iniciada com as mudanças na economia escravista, seguida de tensões no âmbito político-administrativo e que culminou em um processo de emigração e esvaziamento das cidades, demarcando, assim, três aspectos importantes.

Como forma de resistência a essas mudanças e manutenção da unidade do Império frente às forças que buscavam descentralização e autonomia militar,

No documento Sociabilidades Urbanas (páginas 39-55)