• Nenhum resultado encontrado

Breve histórico da psiquiatria forense no Estado de São Paulo

2 CRIMINOLOGIA, SAÚDE MENTAL E SEMI-IMPUTABILIDADE: A REALIDADE

2.9 Breve histórico da psiquiatria forense no Estado de São Paulo

O início da Psiquiatria Forense no Brasil, segundo Rigonatti (2003), ocorreu em 04 de junho de 1835, época imperial, quando foi promulgada a lei que determinava que tanto as crianças quanto os ‘alienados’ eram inimputáveis. Em face de tal demanda surgiu no Rio de Janeiro, capital do Brasil naquele tempo, duas importantes obras que passaram a influenciar o pensamento de juristas e psiquiatras: Raça Humana e Responsabilidade Penal no Brasil, de autoria de Nina Rodrigues, e Os Menores Alienados, escrito por Tobias Barreto.

Algumas décadas mais tarde, em 1864, no interior do Estado de São Paulo, nasceu Francisco Franco da Rocha, que, em sua juventude, seguiu para o Rio de Janeiro para realizar sua formação em Medicina e Psiquiatria. Ele foi aluno do

6

Atualmente os manicômios Judiciários existentes no Brasil são denominados Hospitais de Custódia e Tratamento Psiquiátrico.

médico João Carlos Teixeira Brandão, orientado pela corrente francesa de Psiquiatria.

Almeida (2008) diz que em 1830 foi criado o Código Criminal do Império do Brasil, que previa no parágrafo 2º do artigo 10, que os loucos de todo gênero – salvo se tivessem lúcidos intervalos e neles cometessem crime – não poderiam ser julgados criminosos. Esta lei fez com que os loucos que haviam cometido crimes passassem a ter duas destinações: ou seriam entregues às suas famílias ou recolhidos a casas destinadas especificamente a eles, cabendo esta decisão unicamente ao Juiz de direito responsável pelo caso.

O Código Penal de 1890, criado sob a influência do Código Criminal do Império do Brasil, previa que aqueles que apresentavam ‘imbecilidade nativa’ ou ‘enfraquecimento senil’ fossem absolutamente incapazes de imputação. Além disso, as pessoas que ‘se acharem em estado de completa privação dos sentidos e de inteligência’ durante o cometimento do crime, não poderiam ser consideradas criminosas, segundo Almeida (op. cit.). Ante tal determinação legal, quando um cidadão era isento de culpabilidade devido a fatores mentais, assim como na legislação anterior, ele era entregue à sua família ou internado em hospital de alienados para a segurança do público em geral.

Em 1903, ainda segundo Almeida (2008), o médico psiquiatra Teixeira Brandão passou a atuar como legislador e, com isso, conseguiu a aprovação do Decreto 1132, que regulamentou a assistência aos alienados do Distrito Federal (Rio de Janeiro). Assim, por motivo legal, foi decretada a obrigatoriedade da perícia médica para identificação de insanidade, bem como a criação de alas especiais para a internação dos loucos infratores.

Brandão. Márcio Nery, também psiquiatra e professor na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, entendia que era impossível alguém ser louco e criminoso, visto que a loucura excluía a responsabilidade e, consequentemente, a criminalidade. Assim, este médico afirmava que o louco infrator era um paciente a ser tratado como qualquer outro e não como um prisioneiro, mesmo que, pelo fato de ele não possuir livre-arbítrio, o delito cometido atentasse contra a ‘moral e os bons costumes’.

Porém, Franco da Rocha, seguindo as ideias de seu professor Teixeira Brandão, reconhecia que era um erro inadmissível e militava pela classificação dos loucos infratores em: perigosos e não perigosos. Quando um louco era classificado como perigoso, deveria ser internado em ala especial de asilo de alienados. Esse entendimento foi transformado em legislação pelo decreto 1132 de 1903, que ficou conhecido como ‘Lei de Alienados’. O decreto em questão, diz Almeida (2008; p. 143), preconizava em seu artigo primeiro que “O indivíduo que por doença mental, congênita ou adquirida, comprometer a ordem publica ou a segurança das pessoas, será recolhido a estabelecimento de alienados”. Em outra parte, o mesmo decreto reconhecia como contravenção.

Conservar soltos, ou guardados sem cautela, animais bravios, perigosos, ou suspeitos de hidrofobia (...); Deixar vagar loucos confiados à sua guarda, ou, quando evadidos de seu poder, não avisar à autoridade competente, para os fazer recolher; Receber em casa particular, sem aviso prévio à autoridade, ou sem autorização legal, pessoas afetadas de alienação mental.

Assim, com a aprovação dessa lei, a loucura passou a ser associada diretamente à periculosidade, e o louco, que anteriormente vagava livremente pela cidade, tornou-se uma ameaça: este fenômeno passou a ser reconhecido como um problema tanto de saúde pública quanto de segurança. Porém, é preciso lembrar que, de acordo com Almeida (2008), até meados do século XIX, era comum ver

loucos vagando livremente pelas ruas do Brasil, sem que representassem qualquer ameaça aos cidadãos.

Após o término de sua formação médica, Franco da Rocha retornou a São Paulo e passou a fazer parte dos médicos que atendiam no Hospício de Alienados do Estado de São Paulo. Em 1897, assumiu o antigo Serviço de Assistência aos Psicopatas do Estado de São Paulo, diz Rigonatti (2003). Nessa época, a instituição mantinha seus trabalhos nas dependências do Hospital da Várzea do Carmo, localizado na capital paulista, com os quinze doentes mentais que haviam cometido delitos.

Desde sua chegada, Francisco Franco da Rocha passou a pleitear a fundação de uma nova instituição pública para abrigar os loucos do Estado. Em 1895, foi iniciada a construção daquele que seria inaugurado três anos depois com o nome de Hospício do Juquery, instituição que passou a ser dirigida, desde a sua fundação, em 1898, até o ano de 1923, por Franco da Rocha.

Mediante o conhecimento adquirido em sua prática e sob a influência dos teóricos já citados, Franco da Rocha publicou, em 1904, o livro Esboço de Psiquiatria Forense. Foi a primeira obra do país a ter em seu título o termo Psiquiatria Forense, segundo Almeida (2008). Esse livro teve como proposta central guiar os médicos no âmbito da Psiquiatria Forense diante da eventual perícia para verificação da sanidade de cidadãos que haviam cometido delitos. Para ele, toda loucura era proveniente de lesão cerebral, sendo hereditária ou não. Em relação a tal premissa, o psiquiatra pensava que o prognóstico era muito arriscado, pois, mesmo que o diagnóstico fosse conhecido, uma infinidade de intercorrências poderia desviar o rumo da ‘moléstia’. Assim, Franco da Rocha afirmava, categoricamente, que toda prudência era necessária quando o objetivo visava a

evitar ‘decepções’ no tocante à loucura, enfermidade entendida por ele como incurável. Embora a remissão dos sintomas parecesse efetiva, o psiquiatra achava prudente não a reconhecer como cura e, consequentemente, manter as medidas restritivas antes citadas.

Ainda que Franco da Rocha conhecesse os mais atuais autores da época e, além disso, fosse detentor de ampla experiência acumulada pelas décadas como diretor do Hospício do Juquery, dedicou-se pouco ao tratamento das doenças mentais. Suas medidas ficaram concentradas especialmente na suposta proteção da sociedade mediante a internação dos doentes mentais paulistas do início do século XX, diz Almeida (op. cit.).

Já na década de 1920, segundo Almeida (2008), foram inaugurados os primeiros Manicômios Judiciários do Brasil. Em 1921, no Rio de Janeiro e, em 1924, no Rio Grande do Sul e em Minas Gerais. Em São Paulo, o crescente número de loucos infratores internados no Hospício do Juquery – que em 1926, já contava 165 – fez com que no dia 13 de dezembro de 1927 fosse aprovado o projeto de lei que instituía o Manicômio Judiciário do Estado de São Paulo, posteriormente denominado HCTP ‘André Teixeira Lima’. Tal ação foi, em grande medida, influenciada pelo professor Alcântara Machado, docente do Departamento de Medicina Legal da Universidade de São Paulo.

Segundo Rigonatti (2003), o Manicômio Judiciário do Estado de São Paulo foi construído em terreno anexo ao Hospital do Juquery, com área total de 185 mil metros quadrados. Assim, em 1934, os primeiros 150 pacientes foram transferidos do Hospício do Juquery para o Manicômio Judiciário, cujo primeiro diretor foi o professor André Teixeira Lima.

de não haver imputabilidade àqueles acometidos por loucura e/ou inconsciência, ainda assim eles seriam responsáveis socialmente pelos seus atos. Ou seja, moralmente eles eram inocentes, mas socialmente responsáveis, o que passou a exigir que instituições fossem criadas para proteger a sociedade do perigo oferecido pelos loucos infratores, devidamente identificados por médico perito habilitado para tal.

Em 1983, o Manicômio Judiciário do Estado de São Paulo deixou de fazer parte do organograma da Secretaria da Saúde do Estado de São Paulo e teve a sua administração transferida para a Secretaria de Estado da Administração Penitenciária. Pensamos que esta mudança exige um rápido apanhado a respeito da história da entrada do psicólogo no sistema prisional.