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Perícia psiquiátrica: algumas considerações sobre a chamada ‘periculosidade’ nos

2 CRIMINOLOGIA, SAÚDE MENTAL E SEMI-IMPUTABILIDADE: A REALIDADE

2.6 Perícia psiquiátrica: algumas considerações sobre a chamada ‘periculosidade’ nos

A psiquiatria forense tem como objeto de atuação e estudo aqueles indivíduos que, pelas características de sua condição mental, têm modificada a juridicidade de suas ações e interações sociais. Para tanto, segundo Fontana-Rosa (1996), a psiquiatria forense busca – por meio de diligências – a reunião de dados relativos ao funcionamento mental do indivíduo em causa. Esses dados, obtidos também mediante o trabalho de profissionais a ele correlato, como o neurologista, o psicólogo e outros, serão organizados e utilizados pelos psiquiatras forenses para, resumidamente, avaliar a capacidade do agente para reconhecer e compreender o valor de suas ações. Ao final da referida avaliação, o profissional tem a complexa tarefa de definir se predomina a saúde mental ou se aquele sujeito está ou esteve acometido por alguma doença mental.

Para Fontana-Rosa (1996; p. 171-2),

A diferença essencial entre a atividade irracional e a humana é que esta é complicada com a consciência de seu valor social ou moral. Em outros termos, a atividade humana normal visa ao mesmo tempo ao máximo de eficácia e de adaptação; esta já não é só instintiva, mas consciente e inteligente, isto é, o agente julga, avalia, aprecia a ação e enquadra a solução do problema presente que lhe propõe a realidade dentro de normas da sociabilidade. Essa qualidade é que confere validez jurídica do ato.

À luz das ideias acima apresentadas, presumimos que a capacidade civil do indivíduo está diretamente relacionada aos seus recursos para distinguir ‘por que’, ‘para que’ e ‘como’ irá realizar suas ações. Caso estejam preservados os recursos pessoais do indivíduo para, a partir desses itens, dirigir-se em sua vida social, verifica-se, então, a manutenção de sua idoneidade jurídica.

Para a doutrina jurídica, perito é aquele profissional que, em principio, é caracterizado por ter aspectos científicos, morais e culturais suficientemente bem desenvolvidos para proceder a um exame ou avaliação que visam a esclarecer fatos jurídicos. A proposta é que o perito consiga avaliar o estado mental de um indivíduo e as consequências desse estado para o próprio avaliado, assim como para a sociedade. Pois, é sabido que alguns doentes mentais podem causar prejuízos não só a eles mesmos, mas também a outros.

Assim, Fontana-Rosa (1996) afirma que a prática profissional do psiquiatra forense pouco difere daquela que é realizada em outras situações. A única diferença é que ela tem seu objetivo ligado à esfera forense, e de seus resultados poderão partir decisões também ligadas aos foros judiciais. Ou seja, o psiquiatra clínico não inicia uma avaliação de estado mental objetivando, a priori, definir a capacidade civil do avaliado.

Outra diferença encontrada entre a prática clínica e a prática pericial refere- se ao sigilo que cada uma das atividades exige, pois o perito tem obrigação de divulgar àquele que fará uso do laudo pericial para tomar decisões os dados colhidos essencialmente necessários ao processo. Em contrapartida, na prática clínica, o médico assistente tem o dever de manter o sigilo em relação aos dados aos quais tiver acesso. Além disso, a frequência com a qual dados inverídicos são fornecidos pelos avaliados na prática pericial é muito maior do que na atividade clínica. Isso não significa que o perito parte do pressuposto de que o periciando está mentindo, mas apenas que essa é uma questão a ser levada em consideração.

Em psiquiatria forense o perito se reporta, inicialmente, aos autos do processo para, posteriormente, contatar aquele que é o objeto da avaliação. Além de prontuários e exames, outros documentos produzidos pelo periciando poderão ser

utilizados para clarificar seu modo de funcionamento mental. Após, é feito um exame de estado mental do paciente, que não difere do realizado pelo psiquiatra clínico. Caso surjam dúvidas em relação à veracidade dos fatos apresentados pelo periciando, o perito pode solicitar uma avaliação psicológica. Nessa, o psicólogo forense irá, além dos procedimentos de entrevista, lançar mão de instrumentos psicológicos que favoreçam descrição precisa do modo como o periciando funciona mentalmente, e não do modo como ele fala que funciona.

Toda essa investigação tem por objetivo levar o perito a sustentar uma hipótese diagnóstica e propor um prognóstico ao periciando. Essas conclusões devem comportar também impressões pessoais, além de se fundamentarem em publicações científicas pertinentes ao caso. Por fim, o perito costuma fazer conclusões claras e breves o suficiente para que os operadores do direito possam fazer uso. Nessa parte, o responsável pela perícia deve apresentar as respostas aos quesitos que deram origem à avaliação. Caso não seja possível responder a algum quesito, o perito deve justificar o motivo que impossibilitou a resposta. O objetivo final da perícia psiquiátrica forense ocorrida na área criminal é definir a responsabilidade penal do autor dos fatos.

Algo relevante a respeito da ideia de periculosidade é que esse termo (que talvez não seja o melhor para ilustrar aquilo a que se propõe) refere-se à probabilidade do autor em reincidir naquele delito, ou mesmo cometer outros diferentes.

Cohen (1996; p. 82) lembra que

(...) a periculosidade é algo intrínseco a qualquer ser humano, e, portanto, somos todos potencialmente perigosos; o que ocorre é que, na sua grande maioria, os seres humanos conseguem frear esses instintos destrutivos que os transformam em perigosos.

Apesar da ciência atualmente não possibilitar uma previsão precisa a respeito da probabilidade de reincidência em relação a atos delituosos, é possível inferir existência de periculosidade não só mediante o exame do estado mental do sujeito, mas também mediante análise do histórico daquele que é objeto da avaliação.

A periculosidade, assim como qualquer outro traço ou característica da personalidade, tem caráter mutável e contingencial, estando associada a fatores internos e externos ao indivíduo. Dessa forma, a periculosidade não está associada diretamente ao delito em si, mas à falta de compreensão do autor ou à incapacidade de se determinar ante essa compreensão. O que é usual, principalmente no senso comum, é a direta associação entre doença mental e periculosidade. Essa relação é preconceituosa, pois podemos encontrar ausência de periculosidade nos casos mais graves de esquizofrenia.

Atualmente, a periculosidade ainda é atribuída apenas como característica de doentes mentais que cometeram delitos, o que não ocorre com criminosos que não apresentam (em princípio) patologia psíquica.