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2 CRIMINOLOGIA, SAÚDE MENTAL E SEMI-IMPUTABILIDADE: A REALIDADE

2.5 Medida de segurança

O artigo 26 do Código Penal Brasileiro (Brasil, 1940) diz que:

É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.

Logo, alguém que transgrediu o código penal e apresenta transtornos mentais não é considerado criminoso. Para esses casos o código penal prevê a aplicação de ‘medida de segurança’ que compreende, de acordo com o artigo 96 do

mesmo decreto-lei: “I - Internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico ou, à falta, em outro estabelecimento adequado; II - sujeição a tratamento ambulatorial”.

O artigo 97 do CP preconiza que, em se tratando de agente inimputável, o juiz determinará sua internação. Porém, quando estiver em questão alguma situação em que, nos casos de imputabilidade, ela seria punida com detenção, o magistrado poderá aplicar a medida de segurança em regime ambulatorial. Em ambos os casos, a medida de segurança é por tempo indeterminado, devendo essa ser interrompida apenas quando for verificada a cessação da periculosidade do autor do delito. Essa verificação é realizada mediante perícia médica-psiquiátrica, e tem prazo mínimo de um a três anos para ocorrer. A medida de segurança (em teoria) tem caráter preventivo em relação à ocorrência de novos delitos e não punitivo pelo ato delituoso realizado. Diz o artigo 99 do CP que “o internado será recolhido a estabelecimento dotado de características hospitalares e será submetido a tratamento”.

Zarzuela (1988; p. 22), em um dos poucos livros no Brasil que versam sobre a semi-imputabilidade, elucida as diferenças e peculiaridades existentes entre crime e contravenção penal. Diz o autor que o crime é “(...) qualquer ação ou omissão típica, antijurídica e culpável”. Para Zarzuela a ‘ação’ deve ser caracterizada por uma atividade que o sujeito realiza conscientemente visando a determinado objetivo, ou seja, uma manifestação de vontade em que o agente exterioriza algo que existe em si com o objetivo de transformar a realidade externa e alcançar uma condição previamente pensada.

Já o ‘tipo’ refere-se a algum comportamento tipicamente previsto na lei penal. Dessa ideia que se origina o artigo primeiro do Código Penal Brasileiro: "não haverá crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal".

Tal premissa dá origem também ao terceiro aspecto do crime que é a antijuridicidade. Esse pré-requisito refere-se à contradição existente entre a lei e o comportamento apresentado.

O último requisito essencial de um crime é a culpabilidade. Para Zarzuela (1988) a culpabilidade refere-se à ligação mental existente entre o sujeito e seu comportamento. Assim, para que haja culpabilidade o indivíduo deve apresentar recursos para compreender a licitude ou não do seu comportamento e, posteriormente, determinar-se a partir dessa compreensão. Tal aspecto mostra-se como o mais polêmico e contraditório, pois comporta em maior grau características não apenas objetivas, mas também subjetivas: a ausência da presença simultânea de ação, tipicidade, antijuridicidade e culpabilidade implica inexistência de crime.

A culpabilidade, então, refere-se ao descumprimento intencional e voluntário da lei. Assim, apenas as pessoas que reúnem condições pessoais para determinar- se nesta ou naquela direção a partir do entendimento da lei e reconhecendo as consequências de seus atos é que se mostra culpável. Essa ideia nos arremessa a premissa de que a culpabilidade, logo, também a imputabilidade, é anterior ao ato ilícito.

Zarzuela (op. cit.; p. 28) define imputabilidade como

(...) a capacidade que possui um indivíduo de entender o caráter criminoso do fato e de conduzir-se de acordo com esse entendimento. Em outras palavras, imputabilidade é o conjunto de atributos inerente à pessoa sadia e mentalmente desenvolvida, isto é, dotada de capacidade intelecto-volitiva.

A partir dessas ideias, verificamos que a culpabilidade é um pressuposto necessário para que para que seja possível a imputabilidade de um agente.

Para os juristas, então, interessa saber a respeito das condições mentais mais ou menos normais do indivíduo para que esse possa determinar quais os procedimentos cabíveis: pena ou medida de segurança. Um dos critérios para essa

análise e decisão é a periculosidade do sujeito e a outra é a responsabilidade daquele que executou tal comportamento.

Lembra Zarzuela, ainda na mesma obra, que a ação humana só assume características de delito quando está em contraposição aos interesses jurídicos. Para o autor, não é uma determinada entidade nosológica que faz o homem delinquente (apesar desse poder explicar os fatores subjetivos que impelem o homem a agir de forma antissocial). Logo, a perícia psiquiátrica pode até determinar o grau e a natureza da patologia do sujeito, mas nada deve afirmar sobre a valoração jurídica do fato em questão.

Inicialmente, no código penal de vários países, inclusive no Código Penal Brasileiro de 1940, o que era aplicado era o ‘sistema duplo binário’, ou seja, a aplicação sucessiva de pena e medida de segurança. Essa ação era adotada porque se achava insuficiente somente a pena para aqueles que delinquiam repetidamente.

A questão central em relação a esse debate é a finalidade da pena, pois é sabido que o sistema duplo-binário no princípio da retribuição é incompatível com as medidas de segurança, visto que estas se baseiam na ideia de proteção social e não de culpabilidade. Em relação a esse assunto, Fragoso (1995) lembra que a pena aplicada pelo Estado visa à preservação da ordem e à segurança da convivência social. Nesse sentido, verificamos que tanto a pena quanto a medida de segurança têm a mesma finalidade: proteção de bens jurídicos visando à prevenção de crimes. A essência da pena é a retribuição do mal que o transgressor causou, por meio da retirada de seus bens jurídicos (como, por exemplo, a liberdade). Porém, não podemos deixar de reconhecer que a medida de segurança restritiva de liberdade imposta a inimputáveis – ou a semi-imputáveis – também ocasiona a perda de bens

jurídicos. Essa evidência foi o que, principalmente, levou o sistema duplo binário ao descrédito em todos os lugares nos quais havia sido instaurado.

Além da natureza marcadamente aflitiva do sistema em questão, a fragilidade do conceito de periculosidade e a completa falta de estabelecimentos apropriados, assim como de pessoal especializado para lidar com os presos em medida de segurança, contribuíram para a extinção da aplicação de medida de segurança seguida de pena. Em acréscimo, verificamos que, na prática, é impossível distinguir a pena privativa de liberdade da medida de segurança em regime fechado. Mas isso não é tudo. Ocorre que, atualmente, o preso que praticou mais de um delito, caso seja verificado mediante perícia psiquiátrica que ele era incapaz de compreender a ilicitude do ato, ou mesmo dirigir-se contrariamente ao delito no momento do ocorrido, ele será considerado inimputável ou semi-imputável.

Mas, além disso, caso tenha cometido outros delitos após a ação que o tornou inimputável, existem duas possibilidades: ou o juiz o considera totalmente inimputável, o absolve das penas e as converte, todas, em medida de segurança; ou, mediante o entendimento de que em outros atos delituosos o infrator tinha entendimento a respeito do mesmo, assim como capacidade para dirigir-se contrariamente ao ato praticado, sua decisão será a conversão em medida de segurança para alguns delitos e pena para outros. Essa escolha faz com que o tempo da pena passe a ser contado apenas no momento em que a perícia psiquiátrica verifica ‘cessação de periculosidade’, o que ocasiona o término da medida de segurança e, nesses casos, início da pena referente a outro crime que o infrator tenha cometido, o que é feito por meio da transferência do sujeito do HCTP para penitenciária.

Impõe-se aos inimputáveis a internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico, e, aos semi-imputáveis, o tratamento ambulatorial, para proteger a sociedade e as próprias pessoas que, sofrendo de anomalias mentais, praticaram fato que a lei define como crime.

Porém, o que se verifica no dia a dia das unidades prisionais e, particularmente, nos hospitais de custódia e tratamento psiquiátrico é que aqueles que lá chegam para cumprimento de medida de segurança raramente obtiveram, previamente, formas outras de promoção da saúde, prevenção de doença ou tratamento visando à saúde mental. O dito tratamento ambulatorial citado acima, quando ocorre, é de forma muito precária. Mensalmente, o semi-imputável em cumprimento de medida de segurança em regime ambulatorial vai à Unidade Básica de Saúde (UBS) ou ao Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) para buscar remédios e assinar um comprovante de que esteve naquele local.

Assim como dito anteriormente, a aplicação de medida de segurança pressupõe, em primeiro lugar, a prática de ação criminosa, ou seja, em desacordo com a legislação vigente; e, a periculosidade do autor do ato criminoso. Assevera Fragoso (op. cit.) que a ideia de periculosidade referida à personalidade de infratores da lei surgiu com o positivismo criminológico, sistema jurídico já mencionado anteriormente que se fundamenta na culpabilidade baseada no reconhecimento do livre arbítrio humano e, consequentemente, na responsabilidade moral. Assim, a periculosidade é um juízo que indica o reconhecimento de que o modo como o indivíduo está constituído mentalmente favorece elevada probabilidade de que ele realize novos atos criminosos. Assim, a periculosidade do agente é sempre presumida e, para a justiça, cessa apenas mediante sua constatação por meio de perícia médica.

2.6 Perícia psiquiátrica: algumas considerações sobre a chamada