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Capítulo 2 – Referencial Teórico

2.2 Bilingüismo

2.2.1 Breve Histórico sobre o Bilingüismo

Em linhas gerais, o bilingüismo é um fenômeno que se manifesta na maioria dos países. Grosjean (1982, p.1) acrescenta que “além de estar presente no mundo todo, o bilingüismo é um fenômeno que existe desde os primórdios da linguagem na história humana46”.

Se há um fator que contribui sobremaneira para o estabelecimento do bilingüismo é o fator migratório. O fenômeno da migração ocorre sempre que um grupo de pessoas movimenta-se em direção a outro travando contato com as pessoas que já habitam aquele sítio geográfico (Grosjean, 1982).

Numa perspectiva global, o que tem ocorrido ao longo da historia é que o movimento das pessoas resulta no contato entre grupos humanos e as línguas faladas por estes grupos, fazendo surgir, por conseguinte, algum tipo de bilingüismo.

46 Texto original: “Not only is bilingualism worldwide, it is a phenomenon that has existed since the beginning

As primeiras pesquisas sobre bilingüismo, entre o final do século dezenove até 1960, embora sem o devido cuidado de controlar variáveis como nível sócio-econômico e de escolarização dos participantes, revelaram que, como regra geral vigente, os bilíngües apresentavam deficiências em relação aos monolíngües; aqueles apresentavam baixo rendimento escolar, resultados inferiores nos testes de inteligência e não se ajustavam socialmente.

Nos anos 60 Peal e Lambert, sabedores da crença vigente sobre os prejuízos do bilingüismo na cognição, realizaram pesquisa na comunidade bilíngüe canadense com o objetivo de diminuir os efeitos negativos do bilingüismo sobre os processos de aprendizagem. O que os intrigava era o fato de que grande parte da população do planeta, por uma questão de garantir sua sobrevivência, tornava-se bilíngüe. Embasados na literatura da época, Peal e Lambert (1977) esperavam encontrar os resultados prejudiciais do bilingüismo. Entretanto, essa pesquisa revelou resultados surpreendentes sobre as vantagens do bilingüismo. Os testes de inteligência verbal e não-verbal realizados com o grupo bilíngüe e o monolíngüe constataram que o bilingüismo poderia estar afetando favoravelmente a estrutura e a flexibilidade do pensamento, pois os bilíngües conseguiram escores significativamente mais elevados nesses testes.

Segundo Lambert (1977, p.16) os estudos realizados pelo mundo afora, na diversidade de ambientes lingüísticos e empregando distintas metodologias, confirmaram que os bilíngües, quando comparados ao grupo de controle monolíngües, apresentam vantagens nos testes de criatividade, flexibilidade cognitiva e do pensamento, ou seja, demonstram uma maior capacidade de reorganização auditiva do material verbal e uma manipulação mais flexível do código lingüístico e das operações concretas do pensamento:

O que era preciso era a confirmação de outros cenários e de estudos que adotassem diferentes abordagens metodológicas... as confirmações começaram a surgir a partir de pesquisas bem estruturadas e conduzidas pelo mundo, a saber: de Cingapura (Torrance e outros. 1970), da Suíça (Balkan, 1970), da África do Sul (Ianco- Worrall, 1972), de Israel e Nova Iorque (Ben-Zeev, 1972), do oeste do Canadá (Cummins e Gulustan, 1973) e utilizando uma abordagem completamente diferente

daquela de Montreal (Scott, 1973)47

47 Texto original: What was needed was confirmation from other settings and from studies using different

approaches. ... confirmations have started to emerge from carefully conducted research around the world, from Singapore (Torrance et al. 1970), Switzerland (Balkan, 1970), South Africa (Ianco-Worrall, 1972), Israel and New York (Ben-Zeev, 1972, Western Canada (Cummins e Gulustan, 1973) and using a quite different approach, from Montreal (Scott, 1973)

A literatura sobre bilingüismo tem demonstrado desde os primeiros estudos nesta área sua influência nos processos cognitivos (Romaine, 1989, pp. 99-100). Nesse sentido, o enfoque da pesquisa tem alternado, ora ressaltando os efeitos negativos, ora os positivos nesses processos. Romaine (idem) cita Hakuta (1986) que identificou que a ênfase da pesquisa na primeira metade do século XX estava voltada para o efeito negativo do bilingüismo. Romaine (op. Cit., p. 99) cita ainda Balkan (1970), na revisão da literatura dos estudos mais recentes de bilingüismo, chama atenção para os efeitos positivos do bilingüismo no desenvolvimento cognitivo.

Para exemplificar os antagonismos de opinião dos pesquisadores com relação ao bilingüismo, Romaine (ibidem) cita Jaspersen (1922) e Lambert (1977):

“Em primeiro lugar, esta criança não aprende bem nenhuma das duas línguas, pelo menos não tão bem quanto aprenderia uma delas, se limitasse a aprender uma língua apenas. [...] Em segundo lugar, o esforço mental empregado para dominar duas línguas em vez de apenas uma, certamente interfere diminuindo a capacidade da criança em aprender outras coisas que poderiam e deveriam estar sendo aprendidas.”

Jaspersen (1922, p. 148)48

“Há, portanto, um conjunto crescente de evidências que contestam diretamente o senso comum sobre o fato de que se tornar bilíngüe [...] diminui naturalmente os recursos cognitivos da pessoa e reduz a eficiência do pensamento. Não obstante, pode-se contra-argumentar veementemente que há uma vantagem cognitiva indiscutível para crianças bilíngües no que tange à flexibilidade cognitiva.” (Lambert,

1977, p. 30)49

Hakuta (1986, apud Romaine, p.100) menciona que a pesquisa sobre bilingüismo está atrelada a certo viés político que ora valoriza o pluralismo étnico-cultural e ora reforça a assimilação da língua de interação. De modo que, se a política vigente apóia a imigração, o caráter positivo do bilingüismo é ressaltado, mas se, em contrapartida, há um apoio político ao ensino ser ministrado na língua majoritária, enviesando uma política lingüística a favor do assimilacionismo, os aspectos negativos do bilingüismo ficam mais evidentes50.

Atualmente, é consenso entre os autores que a idéia do efeito negativo do bilingüismo sobre o desenvolvimento acadêmico baseia-se em pressupostos questionáveis.

Mendes e Caels (2005, p. 5) reiteram que:

48Texto original: First of all the child in question hardly learns either of the two languages as perfectly as he

would have done if he had limited himself to one. […] Secondly, the brain effort required to master the two languages instead of one certainly diminishes the child’s power of learning other things which might and ought to be learnt.

49 Texto original: There is, then, an impressive array of evidence accumulating that argues plainly against the

common sense notion of becoming bilingual […] naturally divides a person’s cognitive resources and reduces this efficiency of thought. Instead, one can now put forward a very persuasive argument that there is a definite cognitive advantage for bilingual children in the domains of cognitive flexibility.

“a investigação produzida no domínio da educação bilíngüe aponta para a existência de uma correlação positiva entre o bilingüismo aditivo e o desenvolvimento lingüístico e cognitivo ou acadêmico. [...] os indivíduos bilíngües são mais conscientes da língua (habilidades metalingüísticas) e têm acrescida facilidade na aprendizagem de novas línguas”.

Gerbaut (1983, p. 169) afirma que “o surgimento do bilingüismo é uma resposta às necessidades sociais” 51 e o surgimento da educação bilíngüe se dá em resposta às demandas socioculturais responsáveis pelo bilingüismo.

Crianças bilíngües a partir da infância é uma realidade que está presente no mundo todo. Na África, por exemplo, quando observamos as famílias formadas por membros de várias etnias é muito comum encontrarmos crianças que falam línguas múltiplas, a saber: a língua materna, a língua paterna, a língua dos avôs maternos e a dos avôs paternos. O bilingüismo, ou mesmo o multilingüismo, ao contrário do que mostravam os resultados dos primeiros estudos feitos nessa área, atribuindo prejuízos no desenvolvimento intelectual das crianças bilíngües, hoje é considerado uma vantagem: pode abrir portas para várias conquistas de caráter pessoal, social e econômico. Estudos posteriores de psicólogos do desenvolvimento como Helen Bialystok (1991) chegaram a muitas conclusões fundamentadas em que o bilingüismo está relacionado ao sucesso acadêmico, desenvolvendo áreas como a consciência metalingüística. Em contrapartida, alguns estudos apontam atraso no desenvolvimento lingüístico entre bilíngües, porém essas limitações parecem estar mais relacionadas às circunstâncias de aprendizagem da língua do que propriamente à capacidade humana de aprender mais de uma língua.

Como observado no lócus dessa pesquisa, crianças em estágio de pré-bilinguismo matriculadas nas escolas sem o conhecimento prévio da língua portuguesa mostram retardo na aprendizagem do português como segunda língua, fato atribuído a pouca exposição desses alunos ao insumo da nova língua, ou seja, para eles o uso da língua portuguesa limita-se ao ambiente escolar. No entanto, observa-se também o reverso desta situação, isto é, quando o aluno passa longos períodos em contato com a segunda língua, por exemplo, em creches ou escolas de período integral diminuindo o insumo na língua falada em casa, nota-se também um declínio no desempenho dessa primeira língua.

Segundo Fillmore (1985), as atitudes dos pais perante a vida, a educação e outros valores somados à influência que o grupo da mesma faixa etária exerce sobre a criança contribui acentuadamente para o resultado escolar. A mesma autora comparou dois grupos significativos de crianças americanas; o primeiro era de origem mexicana e o segundo, de

origem chinesa. O que ela observou é que a meta dos pais das crianças mexicanas é que seus filhos fossem felizes. Já os pais das chinesas colocaram o enfoque no sucesso de seus filhos. Essas duas orientações originaram comportamentos diferentes nos alunos. Os mexicanos trabalhavam melhor em grupos menores do que em atividades que o professor estruturava para participação da classe toda. Os chineses estavam mais interessados em agradar ao professor, cumprindo toda e qualquer tarefa que este delineasse, com perfeição, mesmo aquelas entediantes. Estudos como este indicam que as diferenças culturais têm influência marcante sobre o desempenho das crianças. Em outras palavras, não é só o papel da escola, as ações que venha a empreender, que determinará o sucesso ou o fracasso desses alunos. Os fatores socioculturais, além dos que já foram mencionados, o reconhecimento das minorias étnicas pelo grupo majoritário, podem atingir a auto-estima de alunos que lutam para aprender a segunda língua como ferramenta de inserção na comunidade à qual agora pertencem. Sendo assim, não é o grau de bilingüismo de um aluno que vai determinar o bom ou mau desempenho na escola; o próprio bilingüismo é também afetado por esses fatores. Portanto, são os fatores socioculturais, econômicos e psico-interacionais que respondem pelo desempenho escolar desses alunos.