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Capítulo 2 – Referencial Teórico

2.1 Processos de Aquisição/Aprendizagem de Segunda Língua

2.1.7 O Papel Social do Professor

“Ora esses alunos falavam… e alguns até saberiam escrever. Mas a sua fala e a sua cultura tinham o som do silêncio numa pauta de uma língua só. Não entre os educadores e os professores. Porque esses, em geral, não desistem de comunicar, de se angustiar, de esbracejar em busca de formação, de experimentar caminhos novos, de procurar uma luz que lhes diga por que erraram e em quê… Gente que lida com

gente, não pode esperar…”

Dulce Pereira43

Há uma crença generalizada de que os falantes de outras línguas exclusivamente por estarem em contato com a língua portuguesa em solo brasileiro, antes mesmo de chegarem à escola, já a terão aprendido “na prática” 44. (Granier, 2000)

Entretanto, o referencial teórico em que se embasa esta pesquisa nos mostra o contrário, isto é, os mecanismos de aquisição/aprendizagem da segunda língua não se igualam àqueles que permitem a aprendizagem automática da primeira língua. De acordo com Mateus

et alli.(2009, p. 130) a aquisição da segunda língua é específica e exige tempo45 porque:

implica adquirir um novo sistema de sons, um vasto vocabulário novo, um conhecimento pragmático associado a um novo conjunto de regras gramaticais e, muitas vezes, uma construção diferente do discurso.

É incontestável que a língua e a cultura presentes em sala de aula sempre terão ascendência sobre a práxis do professor e o desempenho dos alunos aprendizes da segunda

43 Dulce Pereira é autora do Texto apresentado no Colóquio sobre Políticas de Língua e Diversidade, realizado na Fundação Calouste Gulbenkian, a 7 de Novembro de 2006. È Coordenadora, com Maria Helena Mateus e Luísa Solla, do Projecto do ILTEC, financiado pela Fundação C. Gulbenkian, Turmas bilíngües na Escola Portuguesa, desde Março de 2007.

44 Grifo da autora.

língua. O efeito da língua e da cultura manifesta-se diretamente nas interações em sala de aula, favorecendo ou bloqueando o desempenho destes alunos. Portanto, quando professores do ensino fundamental e médio ensinam alunos estrangeiros, aprendizes de português como segunda língua e pertencentes a diversas culturas e países, há que se refletir sobre a sua prática pedagógica: como construir um ambiente de aprendizagem eficiente em sala de aula? Um modo de abordar construtivamente a diversidade lingüística e cultural introduzida na sala de aula pela presença do aluno estrangeiro é procurar assimilar as diferenças, buscando nelas fontes de informações e conteúdos que enriquecerão a todos os participantes em sala de aula (Cummins, 1996). É plausível admitir-se que tal medida venha a acelerar e tornar mais suave a assimilação da língua e da cultura majoritárias por estes alunos.

A discussão acima é confirmada por Almeida Filho (2000, apud Pessini, 2003, p. 75) que aponta o apoio do professor como fundamental para organizar cenários e oportunidades pedagógicas que estimulem o aluno a ter uma atitude pró-ativa na aquisição da língua-alvo:

“o prover/intensificar a parte agente do professor no processo de ensino/aprendizagem, ajudando o aluno a humanizar-se e a centrar seu esforço na construção de sentido, no que parece ao aluno mais relevante a partir de um esforço autogerido que ele fará com o nosso concurso. Ensinar é criar situações engajantes, melhorando as chances de que possa haver compreensão do discurso trazido ou criado na sala para e com participantes na língua de sua opção”.

De acordo com o pensamento de Almeida Filho (op.Cit.) o trabalho que o professor pode desenvolver em sala de aula para acolher a diversidade lingüística, representada pelos alunos usuários de outra língua, deve ser o de promover um ambiente significativo de aprendizagem e de contribuir para o engajamento destes alunos à comunidade da cultura-alvo. Este sentimento de aceitação e pertencimento que o professor contribui para formar no AE propicia um terreno fértil para que ele siga apropriando-se do sentido na língua- alvo.

A diversidade pode ser encarada como um recurso positivo e cabe ao professor investir na sua experiência pedagógica para selecionar o que é mais favorável para esta situação específica de ensino. Para tanto, o professor deve estar atento aos fatos como o de que as diferenças entre as línguas tipologicamente distantes, como por exemplo, o português e o mandarim, interpõem grandes obstáculos à aquisição/aprendizagem de L2, e o professor deve ter em conta esse choque lingüístico pode desencadear alterações psicológicas no aluno estrangeiro como ansiedade ou angústia por estar em um ambiente onde ele não domina a língua que é falada em sala de aula. (Mateus, Caels e Carvalho, 2009)

O enfoque desta pesquisa está voltado para aquisição natural da segunda língua, quando esses alunos, usuários de línguas minoritárias, chegam à escola e não sabem falar português. Aprendem-no, a princípio, funcionalmente, a partir do uso e do emprego diário da língua em sala de aula por meio da interação com seus pares e professores.

O professor da escola de ensino fundamental e médio quando atende em sua sala de aula o aluno estrangeiro, na maioria das vezes, não tem a formação e a experiência para adotar uma atitude consciente e assertiva em prol da aquisição de Português como segunda língua, em diante PL2, pelo aluno estrangeiro.

Esse professor não é necessariamente um especialista em língua portuguesa; por mais que seja um falante nativo do português, sua formação acadêmica é oriunda de outras áreas do conhecimento, afora o português. E mesmo quando o professor é de português língua materna, em diante PLM, é necessário salientar que a construção da prática docente do professor de PLM diverge da do professor de PL2. Este, além da sua formação em PLM, adquiriu conhecimentos específicos nas áreas de aquisição e ensino/aprendizagem de L2.

No âmbito da sala de aula dois tipos de discurso estão presentes: o naturalista e o pedagógico. O primeiro tipo está voltado para a comunicação e o segundo tem um enfoque na aprendizagem da língua. Qual o mais apropriado? Em última instância, é o professor que detém o controle sobre o tipo de discurso que prevalecerá em sala de aula. É ele que atribui o direito de quem participa, é ele que inicia, prolonga, interrompe, acrescenta e termina interações. Quanto aos alunos, o professor também detém o turno da palavra; é ele que dá a vez ao aluno: escolhe aquele que incluirá ou excluirá das conversações, das atividades propostas no ambiente de sala de aula. Em contrapartida, o professor também pode agir como facilitador fazendo uma escolha consciente para preservar atitude mais independente dos alunos. Em última instância, a atitude do professor perante seus alunos tem influência no tipo de discurso prevalente em sala de aula. Quando ali há a presença do aluno estrangeiro, o professor precisa saber que esse aluno necessita do contato com os dois tipos de discurso. Aprender o discurso naturalista é vital para o aluno estrangeiro. É linguagem de interação com seus pares; fazendo uso desse discurso, esse aluno vai tomando consciência de que é aceito e pertence ao grupo majoritário da sua faixa etária, ou seja, ambos falam a mesma língua. À medida que se fortalece o pertencimento ao grupo, vai melhorando sobremaneira a motivação do aluno em sedimentar as propriedades da nova língua, favorecendo a aprendizagem do discurso pedagógico. Esse é o momento propício para que o professor, intencionalmente, introduza o discurso pedagógico, explicitando as regras da língua, e convidando o aluno, a

partir do que ele já sabe e pratica, a descobrir e formular, com suas próprias palavras, a regra implícita na interação. (Ellis, 2008)

É mister que o professor leve em conta que o progresso na aquisição de segunda língua do aluno estrangeiro depende da relação mútua de confiança que se constrói em sala de aula. Neste sentido, Terzi (2001, apud Grellman, 2006, p.86) apresenta-nos alguns pontos de reflexão:

A confiança mútua pressupõe o respeito mútuo: respeito do professor para com o aluno como ser humano, o conhecimento que traz consigo, sua maneira de aprender, seu ritmo de aprendizagem; [..] confiança do professor em que o aluno deseja aprender e que, portanto, oferecerá um feedback contínuo para que o adulto possa adequadamente direcionar sua prática [..]

É importante lembrarmos que de acordo com o princípio da inclusão, a escola deve acolher o aluno estrangeiro, representante legítimo de uma minoria lingüística, étnica e cultural, e criar condições para que ele se desenvolva integralmente. A asserção anterior está embasada em legislação do CEDF que atribui à escola a função de matricular e dar tratamento especial ao aluno estrangeiro.