• Nenhum resultado encontrado

Capítulo 2 – Referencial Teórico

2.1 Processos de Aquisição/Aprendizagem de Segunda Língua

2.1.3 O Fator Idade

Penfield e Roberts (1959, apud Santos, 2001, mimeo) foram os pioneiros a pesquisar sobre a idade ideal, predisposta biologicamente para se aprender línguas. O argumento destes neurologistas para explicar a facilidade que têm as crianças para aprender uma língua era a acentuada plasticidade do cérebro da criança, a qual vai diminuindo com a idade. Eles

reportaram evidências de crianças que readquiriram as habilidades lingüísticas que haviam perdido após terem sofrido danos e doenças que afetaram áreas do hemisfério cerebral esquerdo, conhecido como área da fala. Estas crianças, graças à sua admirável plasticidade cerebral, transferiram para o hemisfério direito as funções da língua. São raros os adultos que recuperam a fala diante do mesmo quadro, em decorrência da perda da plasticidade cerebral. Conforme recomendam, a idade mais propícia para se começar a aprender a segunda língua é entre 4 e 10 anos. (Santos, 2001, mimeo)

Como o fator idade exerce influência na aquisição da segunda língua? Segundo Ellis (2008), desde que a aquisição de segunda língua, doravante ASL, passou a ser considerada uma área de estudo independente, essa questão tem chamado a atenção de pesquisadores. Entre eles, destacam-se Krashen, Long e Scarcella (1976, p. 161, apud Ellis, 2008, pp. 19-20), os quais, após uma extensa revisão bibliográfica de estudos sobre o tema, chegaram às seguintes conclusões:

1. Nos estágios iniciais da aprendizagem da sintaxe e morfologia, os adultos aprendem mais rapidamente que as crianças;

2. As crianças mais velhas aprendem mais rapidamente que as crianças menores nesse mesmo cenário de aprendizagem lingüística;

3. As crianças que aprendem a segunda língua por exposição natural durante a infância alcançam maior grau de proficiência na segunda língua do que aqueles

que começam a aprender a língua na fase adulta30.

Ellis (op. Cit.) afirma que os que aprenderam a língua por exposição natural desde crianças aprendem o sotaque muito próximo aos falantes nativos do que aqueles que iniciam sua aprendizagem na adolescência ou na vida adulta. Em contrapartida, argumenta Ellis, há fortes evidências de que a idade em que o aprendiz inicia seu contato com a segunda língua tem influência direta sobre a aquisição da pronúncia: quanto mais tardiamente começar, menor será a aquisição da pronúncia nativa.

Singleton (1989, apud Ellis, 2008, p. 23), após uma abrangente investigação sobre os efeitos do fator idade sobre a aquisição/aprendizagem da segunda língua em diferentes etapas da vida, pondera que os resultados revelam evidências persuasivas comprovando que aquele que aprende a segunda língua ainda na infância consegue atingir, em longo prazo, níveis de proficiência mais altos do que os que começam na adolescência ou na vida adulta. Entretanto,

30 Texto original: 1 Adults proceed through the early stages of syntactic and morphological development faster

than children (where time and exposure are held constant). 2 Older children acquire faster than younger children (again, in the early stages of syntactic and morphological development where time and exposure are held constant). 3 Acquires who begin natural exposure to a second language during childhood achieve higher second- language proficiency than those beginning as adults.

alerta Ellis, esta conclusão de Singleton não se aplica à aquisição das habilidades lingüísticas da leitura e da escrita na segunda língua. Citando os achados de Cummins e Nakajima (1987,

idem) sobre crianças japonesas que chegaram aos Estados Unidos entre a segunda e a oitava séries, afirma que os melhores resultados na modalidade de escrita e de leitura foram atribuídos às crianças com mais idade. (Ellis, 2008)

Os resultados da pesquisa sobre o fator idade na aquisição da segunda língua corroboram as conclusões de Krashen et al. (apud Ellis, 2008, p.21), mostrando que os aprendizes adolescentes e adultos aprendem mais rapidamente a segunda língua do que aqueles que começam na infância.

Alerta-nos DeKeyser (2000, apud Ellis, op. Cit., p. 21), porém, que esses resultados devem ser interpretados à luz da aquisição implícita ou explícita, pois os aprendizes mais velhos, e, portanto, mais desenvolvidos cognitivamente, têm vantagem sobre as crianças.

À parte a controvérsia da questão, há uma crença de que as crianças aprendem a segunda língua mais facilmente que adolescentes e adultos.

No cenário educacional em que esta pesquisa foi realizada, a aquisição naturalista está em evidência e observa-se que a exposição à língua é suficiente para habilitar as crianças estrangeiras a “pegar” 31 a língua das crianças falantes da língua majoritária. Este fato, embora inconteste, não surpreende, uma vez que nesta faixa etária, o desenvolvimento lingüístico e o cognitivo acontecem pari passu. Um dos primeiros pesquisadores a defender a idéia de que a linguagem na criança, um de muitos sistemas de símbolos desenvolvidos na infância, se desenvolve simultaneamente com seu desenvolvimento cognitivo foi Piaget (1951; 1946 apud Lightbown e Spada, 2006, p.20). Ele postulava que a cognição humana apresentava um padrão de desenvolvimento mais intenso até a idade de 16 anos e menos intenso a partir daí. Segundo Piaget (1972; 1955; Piaget e Inhelder, 1969 apud Brown, 2007, p.65), o desenvolvimento cognitivo percorre os seguintes períodos, a saber: o primeiro, o sensório- motor, começa com o nascimento e estende-se até os dois anos; o segundo, o pré-operacional, dos dois aos sete anos; e o terceiro, o operacional, que ocorre dos sete aos dezesseis anos. Este último está subdivido em operacional concreto, dos sete aos onze e operacional formal, dos onze aos dezesseis.

Brown (2007) corrobora que a criança até os onze anos não tem as habilidades cognitivas totalmente desenvolvidas; de acordo com Piaget ela está no estágio das operações concretas. Neste estágio a criança ainda usa a lógica do raciocínio elementar; o seu

entendimento do mundo é filtrado pelas representações concretas que estimulem os cinco sentidos; motivem o interesse imediato, pois nas crianças a duração da atenção é breve: estão centradas no “aqui e agora” e que estejam aliadas ao lúdico e à atividade motora. Segundo a linha de raciocínio Piagetiana, os efeitos benéficos do fator idade, que propiciam maior facilidade na aquisição da segunda língua e posterior desempenho, estão aliados ao fato de que, neste estágio das operações concretas, as crianças não se detêm nas formas e regras da língua; sua atenção está mais voltada para as formas espontâneas e periféricas da língua: prestam mais atenção à linguagem não-verbal e à imitação do exemplo. E também, em termos de aquisição de segunda língua, isto significa que as crianças não têm consciência explícita de que estão aprendendo a língua, pois o fazem implicitamente; nem tampouco são conscientes dos valores sociais e atitudes veiculadas pela língua do outro.

Lightbown e Spada (2006) acrescentam que as crianças na faixa etária que antecede à puberdade têm mais insumo lingüístico, pois têm mais oportunidades de ouvir e usar a língua em ambientes nos quais não há pressão para que elas falem fluente e corretamente. Ao contrário, cada tentativa de emprego da segunda língua, mesmo quando mal sucedida, é elogiada, ou no mínimo aceita.

Portanto, se seguirmos a linha de raciocínio Piagetiana que postula que a cognição humana desenvolve-se rapidamente nos primeiros dezesseis anos de vida, aliada ao pressuposto de que geneticamente a espécie animal está programada para adquirir certos tipos de conhecimento e habilidades em tempos determinados na vida, poder-se-ia sugerir que os efeitos benéficos do fator idade, na faixa etária por volta dos onze ou doze anos, propiciariam maior facilidade na aquisição da segunda língua pelas crianças. (Brown, 2007)

Como propôs Scovel (1969), a subseqüente lateralização dos hemisférios cerebrais está relacionada à aquisição de segunda língua. Scovel sugeriu que a plasticidade do cérebro, enquanto está se processando a lateralização, desde os dois anos até por volta dos onze anos, início da puberdade, é responsável pela aquisição da segunda língua. Acrescentou ainda que ao término da lateralização, isto é, quando a criança atinge a puberdade, cessa também a possibilidade de o aprendiz conseguir o controle fluente e a pronúncia da segunda língua próxima ao do falante nativo da língua-alvo.

Dentre alguns dos autores que pesquisaram a correlação entre o fator idade e a aquisição de segunda língua, citados no escopo desta dissertação, é oportuno lembrar que não há consenso nem precisão quanto à idade que marca o início da puberdade. Scovel (1988, p.49) corrobora esse pressuposto quando afirma que “[...] a entrada na puberdade varia de

indivíduo a indivíduo e de acordo com o grupo social ao qual pertencem32”. Scovel (1988) com base nos estudos realizados com crianças nos Estados Unidos conclui que a média ponderada que delimita a idade do início da puberdade está aproximadamente entre os 9 e os 15 anos. McLaughlin (1978, p.57) afirma que o início da puberdade se dá aos 13 anos, embasado nos achados de Lenneberg (1967) sobre a lateralização dos hemisférios cerebrais, quando a transferência da função da fala, do hemisfério direito do cérebro para o esquerdo, está completa.

Acrescente-se o que diz McLaughlin (1978) a respeito da aquisição da segunda língua por crianças quando cita os estudos de Asher et alli. Estes pesquisadores reconheceram que a agilidade motora característica das crianças atua como aliada e facilitadora na aquisição da segunda língua. Assim sendo, a pronta resposta física das crianças às brincadeiras, jogos ou aos comandos age a favor da aquisição de L2 nesta faixa etária.

Precisamente, no ambiente escolar, o oposto ocorre com os alunos estrangeiros adolescentes, isto é, a aquisição da segunda língua por eles não ocorre com a mesma facilidade. Muito embora, na adolescência os processos intelectuais como o pensamento lógico, a abstração para entender regras, negociar sentidos ou empregar metalinguagem estejam mais maturados e a atenção mais prolongada, esta fase também é marcada por mudanças e transformações físicas, anatômicas, sociais e psicológicas que de per se já causam emigração do núcleo familiar e imigração para o mundo de seus pares também adolescentes (Scovel, 1988).

Estas alterações tanto físicas quanto emocionais desenvolvem nos adolescentes uma hipersensibilidade com relação ao ego, a auto-imagem e a auto-estima, e, passam a preocupar- se sobremaneira como os outros, especialmente seus pares, concebem estas mudanças. Nesse sentido, Scovel (1988, p. 93) citando Krashen (1975b), atesta que a aquisição da segunda língua revela algumas dificuldades características desta faixa etária e que corroboram o conceito de que o fator idade influencia na aquisição da segunda língua: alusão

O despertar da autoconsciência no adolescente, a sua relutância para revelar-se e o seu sentimento da vulnerabilidade, podem ter um grande impacto na aprendizagem de línguas. Da mesma forma como se comporta na presença de outras pessoas, ele pode tornar-se

muito relutante em cometer aquilo que ele pensa ser um “erro” 33 (Krashen, 1975b, p.221)

Em compensação, é possível alcançar-se ótimos resultados na aprendizagem de segunda língua quando se ensina aprendizes adolescentes. Os esforços intelectuais que estes

32 Texto original: puberty comes at different times for different individuals and social groups

33 Texto original: The adolescent’s resulting self-consciousness, his reluctance to reveal himself, his feeling of

vulnerability, may have a great effect on language learning. As in other forms of behavior involving other people, he may become very unwilling to make what he perceives to be an “error”.

jovens empreendem são agora sustentados pelo pensamento lógico mais elaborado, capacidade de abstrair regras e processar o sentido dos acontecimentos, vantagens que, se bem trabalhadas pedagogicamente, podem acelerar o processo de aprendizagem de L2.

Segundo Ellis, estudos recentes, como os de Snow e Hoefnagel-Höhle (1978, apud Ellis, 2008, p. 20) ratificam as conclusões de Krashen et al. sobre a agilidade com a qual os adolescentes e adultos aprendem a segunda língua em relação às crianças no início da exposição à segunda língua e postula que:

Os aprendizes de L2 que começam a aprendê-la na adolescência ou na vida adulta o fazem mais rapidamente do que os que começam na infância. [...] O desenvolvimento cognitivo mais sofisticado dos aprendizes mais velhos é uma vantagem quando se trata da

aprendizagem explícita, como mostram os resultados de estudos experimentais34. (Ellis,

2008, p. 21)

Brown (2007) corrobora que em se conseguindo cativar a atenção dos adolescentes, elevar sua auto-estima, afastar os temores relacionados à auto-imagem, à opinião dos outros sobre eles e à competição entre seus pares, ou minimizar as distrações características desta faixa etária, pode-se conseguir ótimos resultados para superar as dificuldades que se interpõem entre eles e a aquisição/aprendizagem de L2.

Em suma, a respeito do que foi aqui relatado sobre a influência do fator idade na aquisição/aprendizagem da segunda língua, e atendo-nos ao escopo desta pesquisa, interessa- nos saber quais são as implicações pedagógicas da idade sobre a aquisição/aprendizagem da L2, pois os alunos estrangeiros que freqüentam as escolas da rede do Distrito Federal são crianças e adolescentes falantes de línguas minoritárias, que têm necessidade de aprender a língua institucional da escola a fim de que possam avançar no processo de escolarização. De fato, Ellis (2008, p. 32) relata que os resultados das pesquisas de autores como Larsen- Freeman e Long sobre o fator idade, mostram que não há supremacia de crianças sobre adolescentes ou adultos na aquisição/aprendizagem de uma segunda língua, desde que se proporcione aos aprendizes a qualidade e a quantidade de insumos de língua adequados à faixa etária do aprendiz.