• Nenhum resultado encontrado

Capítulo 2 – Referencial Teórico

2.1 Processos de Aquisição/Aprendizagem de Segunda Língua

2.1.4 O Fator da Personalidade

A hipótese do filtro afetivo de Krashen (1987) postula que as emoções do indivíduo afetam diretamente o processo de aquisição/aprendizagem da L2, inibindo-o ou ajudando-o.

34 Texto original: [..]–learners who start learning an L2 in adolescence or as adults learn more rapidly than those

who start in childhood. [..] The greater cognitive development of older learners is advantageous where explicit learning is concerned, as the results of the experimental studies show. (Ellis, 2008, p. 21)

Bloom et alli. (1964, apud Brown, 2007, p.153) analisaram o desenvolvimento da afetividade humana e classificaram por níveis as manifestações no campo afetivo. Estes pesquisadores chegaram à conclusão de que o campo afetivo revela-se por níveis e o primeiro nível da afetividade começa com a noção de receptividade. Quando o aprendiz de segunda língua é receptivo ele dedica sua atenção ao meio no qual está inserido: permanece atento àqueles com quem está se comunicando e às nuanças da língua. O segundo nível é a manifestação da resposta; o aprendiz está disposto a responder aos estímulos comunicativos do contexto, quer aquiescendo apenas, quer respondendo voluntariamente e sente, a partir da resposta, uma satisfação compensatória. O terceiro nível é o da interiorização de valores, conceitos, crenças, comportamentos e de valoração de pessoas; o aprendiz atribui valor ao ato comunicativo e intercâmbio interpessoal. (Brown, 2007)

A extroversão e o seu oposto, a introversão, são características da personalidade que atuam sobre a aquisição da segunda língua. Entretanto, a literatura revela que pesquisas diferentes ao analisar os efeitos do mesmo traço de personalidade chegam a conclusões divergentes. Aliás, reza a crença que o aluno extrovertido é aquele de quem se espera os melhores resultados na aquisição da segunda língua, pois a cultura ocidental valoriza o estereótipo do extrovertido. Todavia, Wong-Fillmore (1979, apud Lightbown e Spada, 2006, p.61) observou ao pesquisar a aquisição de segunda língua em situações específicas que o aprendiz que observa e guarda o silêncio pode alcançar maior sucesso na aquisição. Neste caso, pede-se aos professores que tomem em conta a cultura à qual pertence o aluno estrangeiro e usem cautela na avaliação deste aluno, evitando julgá-lo segundo estereótipos, pois, a propósito do aluno que, segundo o viés da nossa cultura, parece ter um comportamento passivo e reservado em sala de aula, pode estar se comportando de modo respeitoso e cortês, segundo as normas da sua cultura.

Outro traço da personalidade que influencia a aquisição da segunda língua é o desejo de comunicar-se. Esta é uma predisposição interna que impulsiona alguns aprendizes a buscar e outros a evitar a comunicação na segunda língua. Um dos atributos marcantes da personalidade que está vinculado ao sucesso na aquisição de segunda língua é permitir-se correr riscos. Brown (2007, p.160) reconhece que: “Os aprendizes têm que se permitir poder jogar um pouco, se dispor a arriscar palpites sobre a língua e correr o risco de estarem errados35”. Na verdade, o aprendiz de segunda língua teme as conseqüências negativas dos erros que venham a cometer. Em sala de aula, eles tentam evitar a qualquer custo a nota

35 Texto original: Learners have to be able to gamble a bit, to be willing to try out hunches about the language

baixa, a reprovação do professor, a gozação dos colegas, a própria punição e vergonha que impõem a si próprios ao errar, a frustração ao constatar que não conseguiram comunicar o que pretendiam, a rejeição do grupo, enfim, temem perder a identidade. (Beebe, 1983 apud Brown, 2007, p.160)

Vale ressaltar que a ação do professor é crucial para que essas barreiras e temores sejam vencidos. O professor deve ter em conta a necessidade de se construir uma relação de afetividade entre ele e seus alunos, de modo que os aprendizes tenham confiança no professor e reconheçam nele o interesse em que aprendam a L2, porque esta aquisição é importante para o progresso do aluno estrangeiro no contexto escolar. Para que esta estrutura afetiva seja construída, Dufeu (1994, apud Brown, 2007, p. 160) afirma que o professor deveria:

[..] criar um clima de aceitação que estimule a autoconfiança dos aprendizes, incentivando-os a experimentar e descobrir a língua-alvo, permitindo-lhes correr riscos

sem que se sintam envergonhados36.

Quem já se dedicou a aprender uma língua sabe perfeitamente que os erros são o combustível que alimenta o processo de aquisição/aprendizagem da segunda língua, pois o progresso neste sentido pode ser sentido a partir do que se aprende com os erros. Contudo, os erros podem intimidar os aprendizes e induzi-los a erguer defesas como a inibição e a ansiedade. Essas defesas são traços de personalidade que impedem o desenvolvimento da competência comunicativa na língua-alvo. A inibição do aprendiz exerce uma influência negativa sobre a aquisição, pois o desencoraja a correr riscos, atributo necessário para progredir na aquisição. O aprendiz adolescente é mais vulnerável aos efeitos da inibição por que se torna mais autoconsciente e não aprecia revelar-se. Por conseguinte, o aluno estrangeiro que permanece calado na sala de aula pode proceder desta forma por não querer chamar sobre si a atenção do professor e dos colegas quando cometer erros. A ansiedade desempenha um papel afetivo muito importante na aquisição da segunda língua. Geralmente ela está vinculada a sentimentos de desconforto, frustração, dúvida, apreensão e preocupação e exerce um efeito negativo na aquisição da segunda língua. A pesquisa tem revelado que os aprendizes de uma língua nova, seja ela segunda ou estrangeira, experimentam ansiedade. Essa ansiedade pode deixá-lo apreensivo, pois quer expor suas idéias, comunicar seus

36 Texto original: [..] to create a climate of acceptance that will stimulate self-confidence, and encourage

participants to experiment and to discover the target language, allowing themselves to take risks without feeling embarrassed.

pensamentos, porém, não tem o domínio da língua-alvo ao ponto de expressar este nível de complexidade. Por outro lado, intimida-se com o julgamento externo, pois é importante para ele, socialmente, causar boa impressão nos outros. Enfim, cada novo exame é motivo de apreensão. Entretanto, foi demonstrado que certa dose de ansiedade pode ser benéfica e até mesmo facilitar o processo de aprendizagem, estimulando a motivação e o enfoque no sucesso. (Horwitz, Horwitz e Cope 1986; MacIntyre e Gardner, 1989, 1991, apud Brown, 2007, p. 162)

Gardner et alli., (2003 apud Lightbown e Spada, 2006, p.63) pesquisaram a relação entre a motivação do aprendiz e o sucesso na aquisição da segunda língua. A conclusão a que chegaram os pesquisadores é que há duas variáveis que concorrem para se analisar a influência que a motivação exerce sobre a aquisição da segunda língua. Em primeiro lugar, temos em conta alguns objetivos imediatos do aprendiz para a comunicação, como por exemplo, alcançar metas para a ascensão profissional ou crescer pessoal e culturalmente. Em segundo lugar, a atitude do aprendiz para com a comunidade que fala esta língua, pois, quanto mais favorável for, tanto mais o aprendiz estará motivado a continuar ampliando o contato com os falantes da língua-alvo. Neste sentido, as pesquisas mostraram que estas variáveis estão relacionadas com o sucesso na aquisição da segunda língua (Lightbown e Spada, 2006)

Os professores quando propiciam um ambiente de envolvimento em sala de aula, estabelecem a confiança mútua e aceitam a língua nativa e a herança cultural do aluno estrangeiro, dando enfoque à competência intercultural. Essa atitude pode ter um efeito direto na sua aprendizagem, aumentando a motivação e encorajando o risco. (NWREL37, 2003)

A afetividade, por meio do fator intrínseco da personalidade e das variáveis afetivas, as quais Krashen (1987) chamou de filtro afetivo, podem contribuir sobremaneira para o sucesso ou fracasso na aquisição da segunda língua.

Almeida Filho (1998, p.13) ressalta adiante a importância de se distinguir como estão organizadas as configurações individuais dos filtros afetivos de alunos e professores:

Em qualquer situação será necessário ainda buscar conhecer as configurações individuais dos filtros afetivos (as atitudes, motivações, bloqueios, grau de identificação ou tolerância com a cultura-alvo, capacidade de risco e níveis de ansiedade) de cada aprendiz e de cada professor.

37 A tradução (minha) da sigla NWREL: Northwest Regional Education Laboratory é: Laboratório de Educação

Em suma, esta configuração dos traços da personalidade de cada um e o grau de permeabilidade dos filtros afetivos exerce influência direta sobre o processo de aquisição/aprendizagem da língua-alvo.