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BREVE PANORAMA SOCIOPOLÍTICO DA UNIVERSIDADE (1960 A 1980)

Conforme já sinalizamos, os memoriais de 1960 que compõem nossos dados revelam uma padronização em termos de conteúdo e de estrutura. Percebemos nesse fato uma espécie de apagamento do sujeito, que passa a se constituir na escrita por meio de tópicos que visam reconstituir sua trajetória de formação e profissionalização. Diante disso, e partindo do entendimento de que o contexto sociohistórico e cultural interferem na formação e evolução dos gêneros do discurso, tentamos encontrar justificativas na história da universidade. A seguir, descrevemos brevemente o contexto sociopolítico em que a universidade estava inserida entre as décadas de 1960 e 1980.

De acordo com a história oficial do Brasil, o período político que vai de 1964 a 1985 de o i ado de Regi e Milita . Se, po u lado, i e ia os de ao i io de um dos períodos mais fecundos na história da educação brasileira, com a larga atuação de grandes educadores, principalmente no que concerne ao processo de consolidação do ensino superior e aos esforços pela democratização do ensino básico e pela erradicação do analfabetismo; por outro lado, a partir de 31 de março de 1964, com a deflagração do golpe militar, testemunhamos a imposição de um governo anti-democrático sob a égide da ideologia da segurança e do desenvolvimento nacional. No âmbito educacional, os efeitos dessa ditadura atingiram diretamente os intelectuais da época, entre professores universitários e aqueles que atuavam politicamente em setores da educação, os quais foram

perseguidos, demitidos, exilados. Inclui-se nesses conflitos a resistência representada pelos militantes da União Nacional dos Estudantes (UNE), que experimentaram a força bruta do governo por meio dos tantos confrontos com a polícia, nos quais eram frequentes a pancadaria, prisões e até mortes de estudantes.

A promulgação do Decreto-Lei nº 47730, em 26 de fevereiro de 1969, que definiu infrações disciplinares praticadas por professores, alunos, funcionários ou empregados de esta ele i e tos de e si o pú li o ou pa ti ula es e p e iu pe as pa a os ditos su e si os , sufo ou os o i e tos de esist ia ealizados po p ofesso es e estuda tes. As penas eram de demissão ou dispensa e impedimento de assumir cargos de mesma natureza por um determinado período, para professores e funcionários; e para os estudantes, entre outras penalidades, estavam previstos desligamento e proibição de se matricular em outros estabelecimentos de ensino por prazo determinado.

Conforme podemos observar no Quadro 4, da seção 4, na década de 1960 foram criadas 31 universidades no Brasil, entre as quais quase metade correspondia à esfera federal. Isso revela, paradoxalmente, a grande expansão das universidades no país, ocorrida nessa década de repressão política. Podemos até questionar até que ponto as ações e ideologias político-sociais interferiram nesse processo de expansão. Ou mesmo se essa expansão vinha acompanhada de um desejo de modernização do ensino superior. Para Cu ha , p. , as a zes do p o esso de ode izaç o do e si o supe io e o t a - se a d ada de , ua do o B asil, po eio do Mi ist io da Ae o uti a, ha ia solicitado os serviços de um consultor norte-americano para auxiliar no planejamento de criação de um instituto tecnológico. Para o autor:

[...] fomos buscar nos conflitos políticos durante os primeiros anos do regime instituído pelo golpe militar de 1964 o motor da modernização do ensino superior, que teve seu fulcro justamente na lei 5.540/68. Esses

30 Cabe transcrever aqui o conteúdo do Artigo 1º desse decreto, no qual são enumeradas as ações que o stitue i f aç o dis ipli a po pa te do p ofesso , alu o, fu io io ou e p egado de esta ele i e to de ensino público ou particular. Desse modo, incorre em infração dis ipli a a uele ue: I – Alicie ou incite a deflagração de movimento que tenha por finalidade a paralisação de atividade escolar ou participe nesse movimento; II – Atente contra pessoas ou bens, tanto em prédio ou instalações, de qualquer natureza, dentro de estabelecimentos de ensino, como fora dele; III – Pratique atos destinados à organização de movimentos subversivos, passeatas, desfiles ou comícios não autorizados, ou dele participe; IV – Conduza ou realize, confeccione, imprima, tenha em depósito, distribua material subversivo de qualquer natureza; V – Sequestre ou mantenha em cárcere privado diretor, membro do corpo docente, funcionário ou empregado de estabelecimento de ensino, agente de autoridade ou aluno; VI – Use dependência ou recinto escolar para fins de subversão ou para praticar ato contrário è moral ou à ordem pública. (Decreto-Lei nº 477|69).

conflitos consistiam na imposição de medidas restritivas às instituições de ensino superior pelo governo autoritário, contra as quais se interpunham as mais diversas resistências. As medidas restritivas eram de vários tipos, desde a demissão de reitores e diretores, e expulsão de professores e estudantes, até o impedimento legal de certas experiências específicas de modernização do ensino superior, como a da Universidade de São Paulo (CUNHA, 2007, p. 21).

E é nesse contexto de o flitos e est iç es ue o go e o ilita -auto it io atua di eta e te o a po edu a io al, us a do au e ta a p oduti idade das es olas públicas com base na adoção de princípios da administração empresarial, além de, desde o início, apo ta pa a a p i atizaç o edu a io al SILVA JÚNIOR; SGUISSARDI, 2005, p. 12). Assi , a i te ç o e a de edifi a u siste a fede al de edu aç o supe io ue o t i u sse para a consolidação da segunda revolução industrial a realizar-se o pa s (SILVA JÚNIOR; SGUISSARDI, 2005, p. 12). Nesse ponto é que entram os diversos acordos entre o Ministério da Educação (MEC) e a United States Agency for International Development (USAID), com intuito de promover a reforma do ensino brasileiro.

Conforme Cunha (2007), foi e eio ao golpe ilita ue o motor da ode izaç o suste tou-se na lei 5.540/68, que fixa normas de organização e funcionamento do ensino superior e sua articulação com a escola média: a Lei da Reforma Universitária. Segundo Anísio Teixeira, em relação à reforma:

A surpresa maior está na supressão prática da cátedra e do professor catedrático. A real estrutura, não no sentido de organização administrativa, que hoje se vem chamando também de estrutura, mas no sentido de distribuição do poder quanto ao ensino da escola superior brasileira, era a estrutura do catedrático e da congregação. Estes dois órgãos eram os detentores do poder de ensinar (TEIXEIRA, 2005, p. 227, grifos do autor).

Assim, as mudanças substanciais trazidas pela Reforma estão no âmbito da reorganização didática e burocrática da universidade, principalmente no que concerne à substituição do cargo de professor catedrático pelo cargo de professor titular; e à institucionalização do sistema departamental nas universidades em detrimento do sistema de cátedras. Em Fávero (2000), vemos que tais mudanças não ocorreram de uma hora para outra, uma vez que a lei da reforma deu a palavra final num processo iniciado com o Decreto-lei nº 252, de 28 de fevereiro de 1967, que já havia instituído o sistema

departamental e reduzido a autonomia da cátedra. Nesse contexto, a Constituição de 1967, po sua ez, j ha ia e ogado o p i il gio de itali iedade da ted a, su stitu da as universidades públicas pela carreira docente constante de concurso de títulos e provas para os eis i i ial e fi al FÁVERO, , p. . Co essa dete i aç o, desapa e e legal e te a figu a do ated ti o o o ele e to e t alizado das de is es a ad i as, uma vez que o departamento passa a existir sob o princípio da co-responsabilidade de todos os membros dele integrantes (FÁVERO, 2000, p. 12).

No estudo dos memoriais, tal fato histórico pode ser inferido – ao mesmo tempo em que é uma justificativa – no Quadro 1, na seção 3, em que só vão aparecer memoriais inscritos para o cargo de professor titular a partir de 1972. Considerando o ano de produção do memorial, é possível situá-lo nesse período de conflitos sociopolíticos; seu conteúdo, entretanto, restringe-se às informações, topicalizadas, acerca da carreira acadêmico- profissional de seus autores. Seria esse um reflexo do silenciamento do sujeito imposto pelo Regime Militar? O fato é que, conforme veremos ao final desta seção, a escrita do memorial, o pe odo efe e te s d adas de e , passa a se ite izada pa a usa o te o de Heloisa Buarque de Hollanda em seu memorial) e restrita à apresentação dos eventos relativos aos períodos da formação e da atuação profissional do professor.