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5.2 PRINCIPAIS ATORES ENVOLVIDOS

5.2.5 O Ministério Público

5.2.5.1 Breves considerações sobre a judicialização dos conflitos sociais e das políticas

Na análise do caso do lixão do Bairro das Flores convém abordar a temática da judicialização dos conflitos sociais e das políticas públicas. O tema é já considerado usual nos debates doutrinários nacionais, especialmente quando se observa que a consecução da realização dos direitos sociais, que deveriam ser concretizadas no campo destas políticas públicas, tem de sê-lo através de postulações judiciais, ante a inação do Estado ou de sua ação em desacordo às leis e aos interesses de dada sociedade.

42 Observação verbal obtida em entrevista realizada com a presidente da ONG Mãos Que Criam, na sede da

Vários autores tratam da matéria no campo das ciências jurídicas, como por exemplo Dias (2007), Nogueira (2008), Coradini & Silveira (2010), Freire Júnior (2005), Appio (2005) dentre outros, bem como no campo da antropologia, como Cardoso de Oliveira (2010) e Mello (2010).

O intento desta menção não é de aprofundamento na matéria, mas o de destacar uma característica deste conflito socioambiental envolvendo o caso do lixão de Benevides. O ordenamento jurídico brasileiro possui vasta gama de direitos assegurados ao cidadão, mas verifica-se a cada dia a dificuldade de serem atendidas as demandas legais no país, gerando um certo abismo entre o que se é consagrado nas leis e sua concretização na prática, através das políticas públicas.

Mas o que são, afinal, políticas públicas? Para Grau (2000) “A expressão políticas públicas designa todas as atuações do Estado, cobrindo todas as formas de intervenção do poder público na vida social” (GRAU, 2000, p.21).

Appio (2005) entende que as políticas públicas podem ser consideradas “ [...] como instrumentos de execução de programas políticos baseados na intervenção estatal na sociedade com a finalidade de assegurar igualdade de oportunidades aos cidadãos, tendo por escopo assegurar as condições materiais de uma existência digna a todos os cidadãos” (APPIO, 2005, p. 136).

Freire Júnior (2005) observa que as políticas públicas são os meios necessários para a efetivação dos direitos fundamentais, uma vez que pouco vale o mero reconhecimento formal de direitos se ele não vem acompanhado de instrumentos para efetivá-los. Para o autor, muitas podem ser as políticas públicas a serem planejadas e executadas pelo Estado, sendo impossível a catalogação de todas (como por exemplo, saúde, educação, moradia, lazer, resíduos sólidos etc), pois “[...] do mesmo modo que os direitos fundamentais são

inexauríveis, não podem as políticas que pretendem implementá-los ser previamente estabelecidas” (FREIRE JÚNIOR, 2005, p. 48).

A doutrina divide-se a respeito da procedência ou não do controle judicial das políticas públicas, alguns até invocando que se trata de uma afronta à democracia, outros, um atentado à separação dos poderes constante do texto constitucional, e há aqueles que afirmam que tal judicialização têm ocorrido de forma acentuada e até exagerada.

Mas para fins de realização deste trabalho, que aborda temática de ordem socioambiental e de promoção dos direitos humanos das crianças, há de se filiar à corrente que vislumbra a possibilidade de lançar mão de medidas judiciais para a obtenção dos direitos almejados. Pois como bem questionou Freire Júnior (2005, p. 68): “ Qual o direito que não é

justiciável? Retirar essa característica (justiciabilidade) é transformar o direito em um mero favor ou uma obrigação moral”.

Isto porque há de se levar em consideração a realidade no país, em que diversos motivos são frequentemente alegados para a não realização de políticas públicas e para o descumprimento dos ditames legais voltados ao cidadão comum e à coletividade. A judicialização das demandas podem contribuir para que os interessados façam jus ao que lhes é legalmente assegurado (e no caso dos direitos humanos das crianças e dos adolescentes, do que lhes é assegurado através de instrumentos internacionais e nacionais de proteção (aqui incluídos dispositivos constitucionais e infraconstitucionais, ou outros não expressos, mas que refiram-se aos direitos fundamentais das crianças.

O contrário deste entendimento talvez possa parecer uma atitude de acomodação frente às omissões políticas, postura que não é aceitável no que diz respeito à proteção do direito de vulneráveis, de minorias, e nem de conflitos socioambientais, como é o caso do lixão em Benevides (estes últimos, de titularidade coletiva ou difusa).

O fato é que há uma inegável dimensão política nos conflitos sociais, há muito já realçada, também por outras ciências, como a Antropologia do Direito (CARDOSO DE OLIVEIRA, 2010). É inegável a compreensão desta dimensão, para melhor se verificar que, no sistema jurídico brasileiro, muitas das vezes as demandas sociais tem de ser judicializadas para sua concretização.

Neste sentido, Barros (2008) testifica que, a partir do momento em que se constitui uma omissão ou mesmo uma insuficiência na implementação de políticas públicas, justifica- se a sua judicialização e efetivo controle pelo Poder Judiciário com vistas a preservar direitos. Destaca a autora que uma das formas de provocação daquele poder no sentido de atendimento das demandas pelo poder público é justamente a Ação Civil Pública.

Como já explicitado, a judicialização apresenta-se como uma das formas de solução dos conflitos sociais, mas não a única. Tanto é que já foi ressaltada a viabilidade das formas extrajudiciais na solução das demandas ocorridas na sociedade, sendo modalidade bastante utilizada pelo Ministério Público.

No caso do lixão de Benevides, restará demonstrado que houve uma necessidade real de tentar solver a questão através da via judicial, mas também ficou claro no presente caso, que as medidas extrajudiciais deflagradas pelo Ministério Público Estadual, auxiliaram indubitavelmente a obtenção do resultado almejado, que era não somente o de buscar uma adequação da municipalidade à lei, mas principalmente, o de alcançar a melhoria da vida das

pessoas do lixão, em especial a das crianças, na medida em que fossem sanadas as irregularidades ambientais ocorridas no lugar.