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Mas o que seriam então, tais cidades sustentáveis? Diante de tantos problemas, ambientais, sociais, políticos, dentre outros, encontrados no espaço das cidades, especialmente neste contexto de lixões e suas terríveis consequências (como muitas vezes a presença de crianças), seria ainda possível defender-se a existência de uma sustentabilidade para a cidade? O conceito de qualidade de vida urbana constante do referencial teórico do Ministério das Cidades, leva em conta elementos referentes à qualidade de vida, qualidade ambiental, pobreza, desigualdades sociais, exclusão social, vulnerabilidade social, desenvolvimento sustentável e sustentabilidade. Assim, a política urbana deve ser entendida como um conjunto de ações voltadas para se alcançar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana (DIAS, 2009, p. 54).

Para o Estatuto da Cidade, Lei no. 10.257, de 10 de julho de 2011, o direito à cidade sustentável é associado ao direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infraestrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações. (BRASIL, 2001, art. 2o, inc. I).

Mas o sentido de sustentabilidade das cidades que se pretende abordar no presente trabalho vai mais além do que o definido pelo texto legal. Ora, as cidades são um ambiente construído onde os recursos naturais já foram (e/ou continuam sendo) utilizados para a criação das aglomerações urbanas e seu sistema produtivo. Daí a dificuldade de se descrever um conceito de cidade sustentável. Além do mais, uma das linhas de cidades sustentáveis mais defendidas, é a que dá ênfase à priorização dos recursos naturais na política urbana, e esta interpretação subestima aspectos positivos relacionados com as vantagens da aglomeração de pessoas nas cidades, que são as que dizem respeito a vantagens pelo ambiente econômico e

social que este espaço construído proporciona para o desenvolvimento de várias atividades humanas voltadas ao bem estar das coletividades (VASCONCELLOS et. al., 2007).

Para Vasconcellos et. al. (2007) uma cidade sustentável “é um espaço no qual as pessoas e os negócios devem continuamente melhorar o ambiente natural, construído, e cultural, em nível local e em sua relação com o espaço vizinho (meio ambiente regional)” (VASCONCELLOS et. al., 2007, p. 14). Neste sentido, defendem que esta definição de conceito de cidade sustentável é multidimensional, e relacionado com mais de um nível geográfico, mediante a coexistência de três diferentes ambientes: o físico, o econômico e o social.

Assim, ao enfatizar os resultados do uso dos recursos locais para produção e consumo para o bem estar coletivo, assumimos que o conceito de sustentabilidade urbana é um desenvolvimento que proporciona à população local um nível mínimo aceitável de bem estar econômico e social sem, evidentemente, prejudicar as oportunidades de as coletividades das áreas adjacentes obterem um equivalente nível de bem estar. Assim em uma cidade, três diferentes ambientes coexistem: o ambiente físico (natural e construído), o ambiente econômico e o ambiente social. Cada um deles, individualmente ou em conjunto, justifica a existência de uma cidade. Os três tipos de ambiente geram vantagens e desvantagens para uma cidade, isto é, apresentam benefícios e custos. Todavia, os três tipos tem que ser considerados juntos, uma vez que mutuamente interagem e representam (ou expressam), ao mesmo tempo, objetivos e significados para as ações humanas na cidade” (VASCONCELOS et. al., 2007, p.14).

As cidades então devem funcionar como um sistema integrado, com uma estrutura em forma de gestão, governança, comércio, cultura , educação e comunicação, que facilitem a interação entre os diversos atores sociais que as compõem. Aí é que se destaca o aspecto político em torno do debate, pois esta estrutura é que vai intermediar a interação das pessoas com os ambientes que a conformam, e ela depende de ações orientadas que se dão exclusivamente no campo das políticas públicas (VASCONCELLOS et.al., 2007).

Assim, há de se concordar com o entendimento dos autores, pelo qual a busca da sustentabilidade urbana também é uma questão política, vez que diz respeito aos atores da cidade, vale dizer, às suas escolhas.

Isto nos leva a entender que a busca da sustentabilidade urbana passa necessariamente pelas escolhas políticas que os atores da cidade assumem. Se por um lado são os atores sociais que fazem as escolhas políticas, por outro lado são os atores políticos (que também são atores sociais) que molduram, através de legislações e políticas públicas, as ações do Estado e dos governos citadinos para a sustentabilidade urbana. (VASCONCELLOS et. al., 2007, p. 15).

No mesmo sentido, Coelho (2010) assinala que a gestão dos problemas ambientais urbanos deve implicar uma construção social em que a participação da sociedade signifique também assumir responsabilidades, na medida em que o Estado-Governo compartilha com a sociedade civil as responsabilidades das decisões e das execuções das políticas.

Neste contexto, passa-se à análise do cenário legal no país sobre algumas políticas de gestão de resíduos praticadas antes da entrada em vigor do atual texto que disciplina a matéria.

3 O CENÁRIO NACIONAL ANTES DA PNRS – ASPECTOS LEGAIS

Apesar de o Brasil ter incluído apenas recentemente em seu ordenamento jurídico uma legislação específica sobre resíduos sólidos, muitos dos problemas enfrentados pelos municípios brasileiros sobre a questão são os mesmos há décadas, e eram frequentes nos debates que lançaram as bases para a promulgação da lei. É bem verdade que alguns destes problemas socioambientais apontados pelos estudiosos, ainda perdurarão por algum tempo no cotidiano das cidades, até que os municípios brasileiros possam se adequar aos novos ditames legais.

Mas antes de se ter um instrumento específico, regulado por uma lei federal própria voltada à disciplina da gestão dos resíduos sólidos no país, os gestores, públicos e privados, contavam com diplomas legais esparsos, e também com instruções normativas e normas brasileiras editadas pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT). Consta no artigo segundo da própria lei de PNRS, que alguns destes diplomas legais continuam em vigor, e são aplicados também no que diz respeito a resíduos sólidos, como por exemplo, as disposições das Leis nº 11.445/2007 (Lei do Saneamento Básico), Lei n.9.974/ 2000 (que altera a lei com determinações relativas aos agrotóxicos e afins), Lei nº 9.966/2000 (que disciplina a poluição causada por lançamento de óleo em águas sob jurisdição nacional), além das normas estabelecidas pelo SISNAMA – Sistema Nacional do Meio Ambiente, do SNVS – Sistema Nacional de Vigilância Sanitária, do Sistema Unificado de Atenção à Sanidade Agropecuária – SUASA e do Sistema Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial – SINMETRO.

Este era, basicamente, o cenário legal que disciplinava as questões relativas aos resíduos sólidos no Brasil antes da Lei de PNRS, e para ilustrar como se dava sua aplicação, há de se mencionar alguns modelos e práticas de gestão de resíduos, como por exemplo, os registrados por Franco (1999), e no Estado do Pará (município de Benevides), um pouco mais adiante, registrados por Carneiro et al. (2000), Pinho e Pereira (2007) e Gomes (2011).

No diagnóstico realizado por Franco (1999), numa abordagem sobre as perspectivas para a municipalização da gestão ambiental no Brasil, promovida pela Associação Nacional de Municípios e Meio Ambiente – ANAMMA, ainda no ano de 1999, portanto antes da entrada em vigor da Lei nº 12.305/10, a coleta e a disposição final dos resíduos sólidos já eram considerados problemas graves e universais no metabolismo das cidades, conforme assinala.

Com o crescimento urbano e a mudança dos padrões de consumo, levando à geração de volumes cada vez maiores e diversificados, em todas as suas características do lixo, torna-se mais e mais custoso e complexo o tratamento a ser dado ao problema. A civilização industrial com alto grau de consumo, desperdício e rápida caducidade ou obsolescência dos produtos, levam à produção de materiais e resíduos não biodegradáveis que interrompem ou poluem ciclos biológicos naturais, em uma escala global, mas com direto rebatimento sobre as condições ambientais locais (FRANCO, 1999, p. 23).

O autor apontou que, no ano de 1999, das mais de cinco mil e quinhentas cidades brasileiras, mais de cinco mil conviviam com os problemas de lixões operados de forma inadequada, e classificou em quatro, os segmentos preocupantes e importantes para os municípios em relação aos seus resíduos sólidos (1999, p. 23 e 24). Seriam eles:

a) Localização adequada de aterros sanitários ou formas mais elaboradas de destinação ou tratamento de resíduos, como as usinas de compostagem, incineração ou reciclagem;

b) Operação da Limpeza Urbana, com os equipamentos, trajetos, periodicidade e pessoal adequado e com os custos otimizados;

c) Operação dos aterros ou áreas de destinação final dos resíduos, com tecnologias adequadas e um sistema eficiente de controle de efluentes e emissões. Não se pode esquecer que os odores emanados do lixo constituem um fator limitante importante para a localização dos aterros;

d) Educação e a conscientização da população no sentido de gerar menos lixo e dispô-lo adequadamente, além de aceitar e colaborar com os mecanismos e procedimentos de limpeza pública.

Muitos destes aspectos apontados por Franco no final da década de 1990 continuam atuais e presentes em muitos dos municípios do país. Tanto é que dados do IBGE (2012) apontam que mais da metade dos municípios brasileiros ainda possuem lixões a céu aberto, como já mencionado.

Com relação a locais para destinação final dos resíduos sólidos, Franco (1999) destacou a dificuldade de alguns municípios, especialmente os pequenos, encontrarem espaços disponíveis para depositá-los, o que causava duros conflitos de vizinhança, e apontou a necessidade de cuidadosos estudos de localização e rigoroso planejamento, para que não se inviabilizassem alternativas locacionais existentes, em razão da densificação com a população vizinha. Como se observa, o argumento é remetido as já tratadas questões de ordenamento, uso e ocupação do solo.

Mas o registro de Franco (1999) também demonstrou que, ainda naquela época, já havia experiências bem sucedidas sendo implementadas em alguns poucos municípios do país, como por exemplo, as menções feitas aos “promissores consórcios intermunicipais para o tratamento de resíduos sólidos, gerando economia de custos pelo aumento da escala, e facilitando a escolha do local - um único em vez de vários, se cada município fizesse o seu isoladamente” (FRANCO, 1999, p. 24).

Outro aspecto positivo apontado pelo autor foi o da participação da iniciativa privada no setor, já sendo considerada como tradição em várias partes do Brasil à época. Em sua análise, a terceirização destes serviços não possuía problemas metodológicos, havendo inclusive, experiências em que se poderia basear a fim de aperfeiçoar o sistema. A análise realizada por Franco (1999) evidencia pontos que estavam em pauta à época, e que foram inseridos no texto da nova lei.

3.1 EXPERIÊNCIAS SOBRE GESTÃO DE RESÍDUOS SÓLIDOS NO PARÁ