• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO 2 EXPERIÊNCIA RELIGIOSA INFANTIL

2.2 BRINCAR TORNA-SE MAIS IMAGINATIVO SEGUNDA INFÂNCIA

2.2.3 Brincar é constitutivo

De modo afirmativo, apresentaremos que o brincar é constitutivo, ou seja, brincar é a ocupação da criança. A criança enquanto brinca não está à toa, mas está fazendo o que é próprio seu. O ser humano é um sujeito brincante por natureza, e todos nós temos tendência lúdica, que é a competência inata para brincar e jogar “Homo Ludens” (HUIZINGA, 2000).

A criança necessita brincar! O brincar é constitutivo de seu ser, pois durante a brincadeira, consegue ser o que gostaria, manifesta sentimentos e vontades, interage com outras crianças ou adultos, se desenvolve, aprende, cria, se integra na sociedade em que vive e compreende sua participação no mundo de forma prazerosa, feliz, sem ressentimentos.

A brincadeira, de acordo com Papalia e Feldman (2013), ocorre dentro do desenvolvimento social, físico, cognitivo e emocional seja de crianças ou de jovens.

Por essa razão, deve ser garantida a oportunidade de que possam experimentar, certamente com tempo e modalidade diferentes, nas diversas fases do crescimento. Dentre os elementos necessários para uma maturidade psicofísica da criança, a brincadeira ocupa, de fato, uma posição fundamental: é o instrumento por excelência por meio do qual ela constrói o significado de mundo e aprende a se relacionar com os outros.

As brincadeiras mudam, ganham outros significados conforme acontece o desenvolvimento intelectual e psicológico da criança, sendo essa uma etapa importante na vida de cada pessoa. A necessidade e o gosto pela brincadeira estão, de fato, em todo o percurso da vida, apenas aprimorando, modificando os tipos e intenções do jogo, as expressões das emoções que o jogo provoca; o enfrentamento com outras pessoas e a sensação do bem-estar pessoal (HUIZINGA, 2000).

A brincadeira, em um constexto social, depende de regras de convivência e de regras imaginárias que são discutidas e negociadas incessantemente pelas crianças que brincam. É uma atividade imaginativa e interpretativa. Brincar é experimentar, por meio da repetição e da ação imaginativa, outras formas de ser e de pensar. É, também, repetir o já conhecido para compreendê-lo e adaptar-se a ele. Enquanto brinca a criança tem a oportunidade de se expor, de externar o que sente e pensa, seus conflitos, seu querer mais íntimo. Ela leva o brincar a sério e é nesse momento que tem a oportunidade de se situar além do que é; desempenhar outros papéis por meio da imaginação - pode ser mãe, pai, bicho, super-herói - escolhe ser o que quiser. É uma forma de superação da infância, pois brincando a criança simula estar em outro tempo e lugar, embora permaneça sempre conectada com a realidade. Ao brincar a criança não expressa somente o que aspira ser ou sentimentos que guarda, mas extravasa amostras reais da realidade em que está inserida.

A brincadeira é manifestação da evolução e expansão do mundo da criança. Ela interage com objetos de seu mundo concreto, próximos, com os quais pode operar e, ao mesmo tempo, também com objetos que fazem parte exclusivamente do mundo adulto, por meio de suas criações.

Como os objetos do mundo adulto estão fora de seu alcance não pode operar diretamente com eles, daí passa a tomar consciência das ações humanas realizadas em face de tais objetos, por meio da imitação do comportamento adulto, através da imaginação.

O faz de conta, a imaginação e a construção de mundos tornam-se possíveis quando a criança brinca e o faz sem nenhuma intenção pragmática, mas de forma espontânea e desinteressada. A ideia de que a criança brinca pensando no futuro é nossa, dos adultos. A criança tem desejos e necessidades que espera concretizá- los imediatamente.

Quando isso não ocorre ela muda o comportamento e o faz graças ao brinquedo, que abriga em si essa possibilidade.

Brincar não é “ficar sem fazer nada”, afirma Barros, pois ensina a criança a viver:

Brinquedo é trabalho da criança, coisa muito séria, atividade através da qual ela se desenvolve, descobre seu papel, seu lugar e seus limites, experimenta novas habilidades e forma um verdadeiro conceito de si mesma. Brincando explora o mundo, faz pequenos ensaios, compreende e assimila gradativamente suas regras e seus padrões, absorve, enfim, esse mundo, em doses pequenas e intoleráveis, e aprende como podem relacionar ela e o mundo. (BARROS, 1997, p.209-210).

Pode-se, então, afirmar que brincar é essencial para o desenvolvimento cognitivo da criança. O “faz de conta” abre para a criança possibilidades de vivenciar experiências tanto sozinha quanto coletivamente.

É importante que se respeite este tempo de brincadeira, que não seja interrompido repentinamente, de modo que a criança siga o seu pensamento imaginativo com uma continuidade de início (a ideia), meio (o desenvolvimento da brincadeira) e fim (chegar ao final da ideia inicial com o sucesso de uma brincadeira que dá o sentimento de satisfação por tê-la desenvolvido).

O brincar dá às crianças uma chance de praticar o que estão aprendendo. Elas têm que brincar com o que sabem que é verdadeiro a fim de descobrir mais, e então podem usar o que aprenderam em novas formas de brincar. (PAPALIA; FELDMAN, 2013).

Quando a criança brinca, ela se envolve com o mundo à sua volta por meio da imaginação. Nas brincadeiras, descobre formas flexíveis de usar objetos e solucionar problemas e prepara-se para papéis adultos.

Podemos observar tal comportamento nos relatos das crianças de como se interagiram com a Madre Clélia. O desenho de Lis (figura 3) representa a Madre Clélia participando da brincadeira com as demais bonecas:

_ Neste dia ela participou de uma aula sobre a Chapeuzinho Vermelho e aniversário. A Madre se divertiu bastante e foi recebida muito bem pelas demais bonecas. Houve também um jantar em sua homenagem onde a Lis desenhou a Madre comendo na mesa com o Papai, a Mamãe, o Vovô e a Vovó. Mais uma vez a Madre se divertiu bastante. A Lis fez papinha para a sua Querida Madre Clélia, jogou bola com ela e conversaram sobre os países. Ao final de um dia cheio de atividades foram dormir juntas para recarregar as baterias.

Figura 4 - Clelinha interativa

Fonte: Colégio Sagrado Coração de Jesus-SP

Entende-se que a Lis foi professora da aula sobre o Chapeuzinho Vermelho e sobre o aniversário para as suas bonecas, inclusive para a Clelinha. Essa é uma brincadeira muito comum entre as crianças por ser uma das profissões que as crianças têm contato desde muito pequenas. Ver o que a professora faz dentro da sala de aula é uma rotina da infância da maioria das crianças. Ainda, a mãe de Lis também é professora, de certo modo ela se inspira na mãe ao assumir o papel de professora em sua brincadeira. Esse tipo de brincadeira é muito saudável e proporciona à criança, no seu imaginário, ser o que ainda não é, mas poderá um dia vir ser. E na brincadeira pode-se errar, pois afinal tudo foi de “brincadeira”, ganhando assim, sabedoria e discernimento para não tomar atitudes errôneas quando adulta.

Já, ver-se no objeto é próprio do imaginário. A criança, da figura 5, ao se vestir como a Madre Clélia Peregrina, proporciona a ela a busca de uma imagem pessoal inspirada naquilo que foi e que significa para ela a Beata Clélia Merloni. É próprio da criança em ter um “ídolo”, geralmente é algum personagem de desenho animado, cuja imaginação permite sentir-se com superpoderes, ou uma das princesas. Enfim, vestir-se de Madre Clélia nos permite compreender que a criança se encanta com a história da “personagem” que a escola, através das professoras e dos discursos de fé da Pastoral Educacional, apresenta como alguém que amou muito o Coração de Jesus, e imitando seus exemplos também nós amaremos a Jesus. Esse encantamento infantil com o divino é muito perceptível na segunda infância, o que, provavelmente, motivou a criança a assumir para si a imagem da

representatividade religiosa da beata: Eu brinquei de me vestir igual à Madre Clélia Peregrina.

Figura 5 - Clelinha inspiradora

Fonte: Colégio Sagrado Coração de Jesus-SP

A criança da figura 6 compreende o significado religioso da Clelinha mediante as atividades descritas: participação da missa, uma “oração especial” antes de dormir e permitindo que as suas brincadeiras rotineiras se tornassem especiais, por terem a presença da Clelinha, partilhando o elo afetivo que tem pelos seus animais e na brincadeira com a bola.

_ A visita da Clelinha encheu a nossa casa de luz e alegria! Ontem tivemos celebração eucarística de Natal, e todos os participantes amaram conhecer a Clélia. Clelinha brincou com o nosso cachorro Guty, com o ratinho Artur e jogou bola. Antes de dormir fizemos uma oração especial. Madre Clélia, protegei-nos!

Figura 6 - Clelinha participativa

Durante o ato de brincar, a criança não se preocupa com os resultados. São o prazer e a motivação que a impulsionam para a ação e exploração livres, contribuindo para a espontaneidade e a flexibilidade do ser que brinca.

Na segunda infância o jogo dramático é um tipo de brincadeira bem comum, principalmente quando estão com outra pessoa do que quando estão sozinhas. À medida que o jogo dramático torna-se mais colaborativo, os enredos da história tornam-se mais complexos e inovadores, oferecendo oportunidades ricas para a prática de habilidades interpessoais e de linguagem e para a exploração de convenções e de papéis sociais.

No jogo de faz de conta conjunto, as crianças desenvolvem juntas as habilidades de resolução de problemas, de planejamento e de busca do objetivo; adquirem a compreensão das perspectivas das outras pessoas e constroem uma imagem do mundo social. Um tipo comum de jogo dramático envolve companheiros imaginários. Crianças que têm companheiros imaginários sabem distinguir fantasia de realidade. “Elas são mais imaginativas quando brincam do que outras crianças e são mais cooperativas; e não lhes faltam amigos”. (PAPALIA; FELDMAN, 2013, p.299).

A brincadeira é vista como um veículo pelo qual as crianças podem procurar e mediar a quantidade de estímulos internos e externos à disposição, e criar um equilíbrio ideal. “O brincar é importante para o desenvolvimento saudável do corpo e do cérebro” (PAPALIA; FELDMAN, 2013, p.296). A criança que brinca estimula os sentidos, exercita os músculos, coordena a visão com o movimento, obtêm domínio sobre seu corpo, aprende a tomar decisões e adquire habilidades, sendo assim, o brincar é extremamente importante, pois contribui para todos os domínios do desenvolvimento.

Para Huizinga (2000) a ludicidade é uma necessidade do ser humano em todas as idades, e não pode ser vista apenas como diversão. O desenvolvimento do aspecto lúdico proporciona uma melhor aprendizagem, e ainda facilita o desenvolvimento pessoal, social e cultural. Colabora para uma boa saúde mental, facilita os processos de socialização, comunicação, expressão e viabiliza um melhor rendimento na parte intelectual.

O estudo do universo lúdico da criança exige considerar-se que o desenvolvimento do jogo, da brincadeira, dá-se numa dimensão social; como ação carregada de significações é, portanto, uma ação que se realiza num processo de construção da cultura. (TEIXEIRA, 2007, p. 26).

Além de ser próprio da criança, o brincar, segundo Papalia e Feldman (2013) a brincadeira gera benefícios para a criança, sendo aqui, enumerados alguns:

- A nível social: há um aumento da empatia e da partilha (solidariedade); criação de modelos de relação embasados na inclusão; sentimento pertença do grupo; formador de opiniões; desenvolve competências não verbais;

- A nível físico: aumento da eficiência so sistema imune, endócrino e cardiovascular; diminui o risco de estresse, cansaço e depressão; desenvolve a coordenação motora com um aumento de movimentos, da agilidade, do equilíbrio e da flexibilidade;

- A nível emocional e comportamental: reduz o medo, ansiedade, estresse e irritação; gera alegria, intimidade, autoestima e domínio de si; há um aumento da confiança, da determinação, da calma, da capacidade de adaptação e da habilidade de enfrentar imprevistos e mudanças; conforto em situações de sofrimento.

Assim, percebe-se a clareza de como a brincadeira é central no processo de desenvolvimento da criança favorecendo o seu bem-estar, a maturidade integral e a construção de uma identidade sólida.

Finalmente, o processo do desenvolvimento vem acontecer mediante o indivíduo dotado de um aparato biológico que estabelece limites e possibilidades para seu funcionamento psicológico, interage simultaneamente com o mundo real em que vive e com as formas de organização dadas pela cultura. Essas formas, culturalmente dadas, serão, ao longo do processo de desenvolvimento, internalizadas pelo indivíduo e se constituirão no material simbólico que fará a mediação entre o sujeito e o objetivo de conhecimento e de experiência.