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CAPÍTULO 2 EXPERIÊNCIA RELIGIOSA INFANTIL

2.2 BRINCAR TORNA-SE MAIS IMAGINATIVO SEGUNDA INFÂNCIA

2.2.2 Do imaginário ao religioso

Na brincadeira, a criança pelo seu imaginário representa alguma coisa diferente, ou mais bela, ou mais nobre, ou mais perigosa do que habitualmente é. Ela finge ser personagens, animais e objetos, e deixa-se envolver totalmente pelo prazer do momento, superando-se a si mesma a tal ponto que quase chega a acreditar que realmente é esta ou aquela coisa, sem, contudo, perder inteiramente o sentido do seu entorno, da realidade (HUIZINGA, 2000).

O religioso dentro da brincadeira, de acordo com Huizinga (2000, p.14) “é uma realização mística”, que desde as civilizações primitivas, brincadeiras em contexto religioso contêm “algo de invisível e inefável adquire nela uma forma bela, real e sagrada”, ainda que contenha características formais, ou seja, as regras.

A religiosidade é um fenômeno complexo que pode ser estudado de vários pontos de vista. Diante do aspecto psicológico “o homem não se torna religioso uma vez por toda, mas vai se tornando ao longo do seu processo de desenvolvimento, e em tal processo intervém tanto os fatores pessoais como os ambientais” (MANTOVANI, 2009, p.1, tradução nossa).

Uma segunda característica essencial da religiosidade é que ela é totalizante, isto é, conforme continua Mantovani (2009, p.1, tradução nossa), “integra todos os aspectos da vida do homem e todos os níveis da personalidade, dando a eles uma direção e uma finalidade única.” Desse ponto de vista a religiosidade oferece uma grande contribuição para a maturidade da personalidade. O imaginário das crianças, principalmente por meio do uso de símbolos, as ajuda a representarem alguns valores por meio do que experimentam interiormente no momento vivenciado. Assim, Alves (2003) descreve a importância dos símbolos, que no aspecto religioso eles ajudam a combaterem, de certa maneira, o mal, entendido por aquilo que é negativo e destrutivo.

“a religião se nos apresenta como certo tipo de fala, um discurso, uma rede de símbolos. Com esses símbolos os homens discriminam objetos, tempos e espaços, contruindo, com seu auxilio, uma abobada sagrada com que recobrem o mundo. Por quê? Talvez porque, sem ela, o mundo seja por

demais frio e escuro. Com seus símbolos sagrados o homem exorciza o medo e constrói diques contra o caos” (ALVES, 2003, p. 25-26).

Para tornar válida a experiência religiosa há uma grande importância em educar as crianças sob a linguagem simbólica. Para Geertz, tudo o que significa é um símbolo, seja um número, uma palavra, uma obra de arte. Esses símbolos, ou partes de símbolos, têm em comum o fato de serem “[...] formulações tangíveis de noções, abstrações da experiência fixada em formas perceptíveis, incorporações concretas de ideias, atitudes, julgamentos, saudades ou crenças” (GEERTZ, 2008, p.68). Desse modo, o agente da Pastoral Escolar, para emitir uma mensagem compreensível e que motiva a criança ouvinte, precisa aprender a usar os símbolos, pois é pela linguagem simbólica que a criança passa do fazer ao pensar, da ação à representação. Ainda mais, segundo Nasser (2006, p.78),

a experiência de transcendência expressa-se, através do símbolo, uma vez que ele é capaz de tocar o divino que mora no ser humano. O símbolo depende da estrutura ou da condição espiritual de cada ser humano, isto é, o símbolo compõe a linguagem do espírito por meio da transcendência (NASSER, 2006, p.78).

Foi nessa perspectiva que a Clelinha recebeu um significado religioso que vai além da aparência de uma boneca de pano, o estar com ela significou entrar em uma esfera transcendental, em ser protegido e abençoado. A Pastoral Escolar com o seu discurso, instigou os alunos a usarem o seu imaginário nas duas vertentes que Wunenburger cita “o imaginário comporta uma vertente representativa e, portanto verbalizada, uma vertente emocional, afetiva, que toca o sujeito” (2007, p.10, grifo nosso). Nesse sentido, na experiência aqui relatada, a primeira vertente refere- se aos desenhos realizados pelas crianças e relatos seus, ou dos pais, a partir do que se trata a segunda vertente – decorrente de uma experiência pessoal, ou do significado que o símbolo tem para o grupo, a turma do ano escolar.

As disposições ditas religiosas e suas propriedades de organização da experiência sensível são estabelecidas por meio de símbolos e sistemas de símbolos. O símbolo é religioso na medida em que é "símbolo de algumas verdades transcendentais” (GEERTZ, 2008, p.72).

O símbolo da Clelinha ultrapassou o significado de um brinquedo, ou seja, a boneca recebeu uma amplitude religiosa e piedosa para as crianças e suas famílias, tendo um olhar de santidade de quem amou muito o Coração de Jesus e, onde se faz presente, enche o ambiente de luz e se torna inspiração para os seus devotos entrarem em comunhão com Deus por meio da oração.

Assim, observamos nas fichas de atividades a presença de aspectos religiosos de “oração”, “pedidos de graças”, “fé”, “proteção”, “luz”, “amor”, “aprender por meio da oração”, “traz paz e alegria”.

_ Ficamos muito felizes com a visita da Madre Clélia em nossa casa. Rezamos com carinho e fizemos os pedidos de graças com muita fé e amor. Sentimos proteção e a presença dela. Que ela com seu coração cheio de amor e luz ilumine minha casa e família. Amém. Família V.L.

_ Adoramos a visita da Madre Clélia em minha casa. Perguntei para meu filho Gustavo se ele sabia o nome dela. Ele falou é a Madre Clélia mamãe, ela veio trazer um docinho pra mim. Ficamos felizes, pois aprender é muito importante por meio da oração. Perguntei para meu filho Gustavo se ele rezava e ele colocou as duas mãozinhas juntas e falou: obrigado Papai do Céu. Estamos muito felizes por nosso filho estar no caminho certo da importância que é a fé e as orações em nossas vidas. Obrigada Madre Clélia por esta visita. Gustavo e Família.

_ Obrigada por deixar trazer a Madre Clélia para nossa casa, nós rezamos com ela, ela dormiu no meu quarto (Gui) e trouxe muita paz e alegria para o nosso lar, pois rezamos muito com ela à noite e pedimos que ela protegesse todos nós. Obrigada Madre Clélia. “ditado pelo Gui e Lelê”.

_ Eu, Madre Clélia, mamãe e papai rezamos na cama e a Madre Clélia se sentiu muito bem-vinda aqui e nós nos sentimos muito protegidos por ela.

_ Recebemos Madre Clélia com muito carinho e fé. Fizemos a oração e pedidos, além de aproveitarmos a presença de Madre Clélia para iniciarmos a novena da Confiança ao Sagrado Coração. Malu dormiu com Madre Clélia!! Foi uma presença abençoada em um momento importante que estamos passando.

_ A Maria Fernanda [...] tratou Madre Clélia com muito carinho e respeito. Merecendo assim, nossa admiração! Cantou por diversas vezes a música em homenagem a Madre. Fizemos as orações sugeridas com muita alegria e com mais alegria ainda, Madre Clélia, participou da nossa oração familiar de “todo dia”. Foi uma honra e felicidade imensa poder receber Madre Clélia abençoando nosso lar. Muito Obrigada! Família T.S.

O símbolo religioso que temos como objeto revela o imaginário dos que tiveram contato com a Clelinha. As manifestações, por meio de expressões religiosas, de que estar com a boneca é algo muito bom. Foi compreendido que ao fazer a sua oração pela intercessão de Madre Clélia há uma plenificação do espírito

pela “força divina” que o sinal de santidade que este símbolo traz remete ao sujeito. Assim sendo, Gilbert Durand (2004, p.19-20), explica esta santidade que o imaginário constrói, fazendo do indivíduo um personagem de admiração e devoção:

É pela imagem (imago) que a alma humana representa com maior exatidão ainda as virtudes da santidade. Por fim atinge-se a etapa suprema do caminho: Deus tem o poder de conceder à alma santa uma "semelhança" (similitudo) a sua própria imagem e a alma criada será reconduzida ao Deus Criador seguindo os graus das três representações imaginárias: o vestígio, a imagem propriamente dita e a semelhança. Esta doutrina propiciará o impulso para as várias receitas de uma Imitatio Christi[do latim: Imitação de Cristo] e o florescimento de cultos aos santos (DURAND, 2004, p.19-20).

Uma vez que o indivíduo é homo religiosus, ou seja, o ser humano é muito religioso. Conclui-se, portanto, que o imaginário é um elemento essencial no processo de desenvolvimento da criança, dando consistência às suas práticas religiosas, as quais ajudam na formação de valores humanos, morais e de práticas espirituais.