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uais as idéias que vêm à mente quando o assunto é população afro-brasileira? A formação de opiniões a esse respeito passa tam- bém pelos ambientes educativos, através das bibliotecas, videotecas, visitas a museus, leitura de revistas, etc.

Voltemos, por um instante, à nossa infância. Agora vamos to- mar outra via de conhecimento, aparentemente, muito ingênua: o acervo de brinquedos e brincadeiras que ficavam à nossa disposição. É possível atestar que fomos uma sociedade daltônica na oferta de repertórios que trouxessem modelos afro-brasileiros: a falta de bonecas negras, por exemplo. Quando havia, o mais co- mum eram as banhadas em tinta que escurecia um padrão branco de beleza. Não se criavam modelos a partir de fenótipos negros.

Todos sabemos que a história do mundo não pode estar re- duzida à dos povos de pele e cabelo claros. Para não falarmos ape- nas de tipos físicos, que tal lembrarmos da riqueza cultural do pla- neta? Um dos modos de entrarmos em contato com elas é através dos brinquedos e do brincar. Os jogos lúdicos auxiliam nas primei- ras elaborações sobre a vida. Um brinquedo, uma cantiga, uma figu- ra de gibi inspiram associações com modelos de humanidade. Den- tre os inúmeros personagens que habitam nossa infância, pense- mos um pouco a respeito da representatividade negra em termos proporcionais aos de outros personagens. Depois, sobre a abor- dagem que é trazida sobre os personagens negros nesses formatos.

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Sim, somos todos seres humanos, porém, com histórias par- ticulares. A da escravidão gerou inúmeras desigualdades reforça- das culturalmente. Essas desigualdades podem estar mantidas nos brinquedos que espelham o mundo real. Todos nós necessitamos de referenciais para construir nossa identidade. O quanto de positividade que ela contenha faz a diferença ou tanto faz nesse processo de construção?

Uma educação anti-racista deve, portanto, começar cedo.As identidades de gênero não começam na tenra infância? Os temas “raciais” também são explorados, negociados enquanto percepção a partir desse pequeno mundo social. A cultura define modelos e comportamentos que vão sendo oferecidos ao longo dos ambien- tes onde a criança experimenta a vida. Como ela lida com tudo isso?

Considerando a leitura do texto:

Passeie por uma loja de brinquedos e procure observar como os tipos humanos aparecem ali representados.

Como propiciar a uma criança se sentir bem com uma ima- gem à sua semelhança em fatos, em brinquedos, jogos etc? Como estimular o princípio da diversidade na escolha dos brinquedos?

As duas indagações sinalizam alguns dos cuidados fundamen- tais na perspectiva de enxergar mecanismos culturais envolvendo relações raciais. Não basta apenas circularem bonecas e bonecos que remetam a estilos afros de ser. Há de se atentar para a constru- ção da figura humana. Uma pele cor de pele e não uma grotesca cor de piche. Que tipo de sentimentos a fisionomia retratada no brin- quedo provoca? O traje ressalta uma integridade étnica ou mesmo uma integração à cultura local longe de estereotipias?

Contribuindo para o reconhecimento das identidades afro- brasileiras surgiram, nos últimos anos, algumas iniciativas como a produção cooperativa de bonecas com diversidade étnica, a orga- nização de brinquedotecas de bairro, que cuidam de assegurar uma representatividade positiva. Estas podem ser formas aliadas na am- pliação de um repertório mais afetivo para as associações que o educando irá fazer. Elas são auxiliares também, na conversa sobre o tema da diversidade com a criança. Podem mediar assuntos en-

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volvendo violências simbólicas cotidianas presentes na cultura ou, simplesmente, integrar com positividade o modelo já fruto de consciência social.

Pesquisando a cultura:

A cooperativa Abayomi confecciona bonequinhas que utili- zam o repertório afro-brasileiro, utilizando o mínimo de ferramen- tas. Com apenas sobras de panos, não utilizam nem cola, nem cos- tura. A sede da produção fica no Rio de Janeiro. Você conhece outras iniciativas similares? Convide representantes do projeto para uma entrevista. Aproveite a oportunidade e pesquise materiais para você criar um exemplar de brinquedo. Que estilo teria a sua criação?

Brincar de casinha poderia contemplar referências na origem africana ou incorporar detalhes de expressões regionais afro-brasilei- ras. Famílias étnicas de brinquedo espelhariam a afetividade tão pre- sente nas famílias reais. Esse convívio, não apenas vivenciado por crianças negras, ensina sobre a diversidade que entra pelo coração.

Mensagens que associam os afros à maldade, crueldade, sujei- ra, inferioridade, má criação, estupidez, feiúra circularam livremente por gerações e gerações de brasileiros. Como fórmulas sutis do en- sinar o racismo, promoveram um ataque psicológico violento. Po- rém, os brinquedos não devem promover e reproduzir o racismo.

Ícones como a boneca Barbie emergiram da sociedade nor- te-americana nos anos 50, era loira, magra e rica. O modelo ideal ganhou um namorado formando um par ideal para a cultura, que, embora americana, virou sonho exportado globalmente. A partir dos anos 80, a boneca passou a aparecer diversificada na sua ves- timenta, com indumentária principalmente dirigida ao público oriental. A Barbie negra apareceu em 1990. A forma alterou o tom da pele mantendo os traços do fenótipo branco. Recebeu cabelos lisos coloridos (brancos, vermelhos) e muitos turbantes. O pacote Barbie trazia implícito um modelo materialista e consumista de ser. O caso é clássico para observarmos a relação entre valores sociais e brinquedos.

Outra forma de garantir desigualdades é através das brinca- deiras.

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