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A televisão, juntamente com o rádio, é um dos veículos de comu- nicação mais populares e está presente em todas as regiões do Brasil, nas casas, nas praças, nos bares e outros locais públicos.

Pensar o poder da televisão como agente socializador de padrões culturais e ideológicos é fundamental para compreen- dermos o seu papel como um dos fios constitutivos de concep- ções e práticas em relação ao outro. Dentre a vasta programação televisiva, vale destacar a telenovela, que, desde seu nascimento, no Brasil, tem ditado modas e costumes, influenciando o imagi- nário social da população como um todo.

A primeira transmissão televisiva aconteceu no dia 26 de fevereiro de 1926, em Londres. No Brasil, a televisão surge em 18 de setembro de 1950, quando foi inaugurada a primeira emis- sora brasileira, a TV Tupi, canal 4.

A rede Tupi, extinta em 1980, considerada a grande res- ponsável pela difusão da telenovela, levou ao ar, em 7 de dezem- bro de 1964, o primeiro capítulo do drama O Direito de Nascer. A novela, cuja trama era baseada em um romance cubano, tinha como personagem importante no seu desenrolar a negra Mamãe Dolores, vivida pela atriz Cléa Simões. Tal personagem não tinha família nem uma história de vida própria. A ela cabia tão-só zelar pela proteção de Albertinho Limonta, cuja verdadeira mãe, tam- bém criada por Mamãe Dolores, era filha dos patrões.

Em 1969, estreava na TV a novela A Cabana do Pai Tomás, cujo roteiro foi baseado no romance homônimo de Harriet Beecher Stowe. Sérgio Cardoso era maquiado para que pudesse interpretar o papel do Pai Tomás, negro idoso, fiel e serviçal.

Na década de 70, a Rede Globo de Televisão, fundada em 1965, produziu novelas cujos enredos reservavam aos persona- gens e, conseqüentemente, aos atores negros papéis de escravos, em sua maioria servis ou traidores, moleques de recado, preguiço- sos ou da negra sensual que ameaça a harmonia familiar. Essas novelas alimentavam o imaginário social sobre o negro como ser inferior, cultural e economicamente, aos brancos, impedindo a construção de uma identidade positiva para a comunidade de afro-

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brasileiros e deixando de promover discussões sobre o precon- ceito étnico-racial.

Quando a discussão sobre a libertação dos escravos, em geral como pano de fundo para uma trama mais romântica, é trazida à luz, a responsabilidade heróica pelo desfecho positivo é imputada ao homem branco, em geral jovem, republicano e soli- dário à causa dos negros e negras escravizados. Foi o que se viu na novela Escrava Isaura, levada ao ar em 1976, com roteiro adap- tado por Gilberto Braga do romance homônimo de Bernardo Guimarães, e em Sinhá Moça, em que o ator Henrique Felipe da Costa interpretou um líder quilombola.

Parece claro que os eventos acima relatados em nada con- tribuíram para a construção positiva da imagem de negros e ne- gras. Posteriormente, o quadro, de alguma forma, começaria a sofrer alterações.

Em 1978, na telenovela Corpo a Corpo, a personagem Sônia, interpretada pela atriz Zezé Motta, mantém um relacionamento amoroso com uma personagem não-negra, Cláudio, interpretada pelo ator Marcos Paulo. A família do rapaz se opõe ao relaciona- mento por preconceito racial, até que Sônia salva a vida do pai de Cláudio, Alfredo, vivido por Hugo Carvana, doando seu sangue. Tal atitude provoca o arrependimento de Alfredo, que acaba con- sentindo no casamento e pedindo perdão a Sônia. Ainda que te- nha havido um casamento inter-racial, o que é positivo para pen- sarmos a vida em sociedade, outras questões merecem um olhar mais cuidadoso e atento às sutilezas do racismo à brasileira.

Joel Zito, na obra A Negação do Brasil – O Negro na Telenovela Brasileira, diz que as novelas veiculadas nessa época apresentam o negro sem apresentar a sua história própria, as suas questões cul- turais e religiosas e tampouco a sua luta contra a discriminação racial.

Ainda segundo Zito, a primeira telenovela a ter a luta aboli- cionista como assunto central é Sinhá-Fuló, de Lafayette Galvão, levada ao ar em 1978, também pela Rede Globo de Televisão. Essa novela mostra os negros em um papel mais ativo na luta por sua própria libertação, mas, ainda assim, reforça a idéia de que sem o herói branco não há êxito.

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Em 1996, a Rede Manchete de Televisão produz a novela Chica da Silva. Escrita por Walcyr Carrasco, a trama é baseada na história da mulata mineira Chica da Silva, que conquista o rico e poderoso comerciante de diamantes João Fernandes, servidor da Coroa Portuguesa, motivo, aliás, que impede a oficialização da união do casal. A história, que já inspirara Carlos Diegues para a produ- ção cinematográfica em 1976, cunha a imagem de Chica como uma mulher sensual, mimada, ardilosa e impiedosa, cujo principal desejo é se impor na vida social dos brancos, pouco se importan- do com a questão da escravidão.

No que se refere à participação negra na história da televi- são brasileira, a novela Da Cor do Pecado, escrita por João Emanuel Carneiro e levada ao ar em 2004 pela Rede Globo de Televisão, significou um marco.

Um dos dez programas mais vistos em 2004, primeira nove- la da emissora que apresenta uma protagonista negra e tem como trama principal um romance inter-racial, alcançou grandes índices de audiência no horário das 19 horas, o que não ocorria na emis- sora desde 1996.

A novela conta a história de amor entre Paco, um jovem branco e rico, criado no Rio de Janeiro, e Preta, uma jovem negra e pobre criada no Maranhão.

Alguns pontos merecem atenção, a começar pelo título. Da cor do pecado é título de uma música composta por Bororó na década de 30 e interpretada já por vários nomes da MPB. Nes- sa composição se pode localizar a manifestação de preconceito em frases como (...) é um corpo delgado da cor do pecado e [...] a vergonha se esconde porque se revela a maldade da raça [...].

A despeito do título alusivo à música, a personagem vivida pela atriz Taís Araújo não corresponde ao estereótipo da mulher sedutora e arrebatadora. O título induz à interpretação de que a mulher negra traria na cor da pele a maldade da raça, idéia explici- tada pela antagonista Bárbara, que disputa com Preta o amor de Paco.

Bárbara, personagem branca, exacerba o seu preconceito racial disparando expressões como “aquela negrinha” e “negra

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suja”, sem que nenhuma providência legal seja tomada pela ofen- dida ou por outros personagens não-negros que presenciam os fatos.

Por um lado, temos, no título, a alusão ao estereótipo da mulher negra como objeto sexual. Por outro lado, a trama estam- pou nacionalmente o racismo velado da sociedade brasileira e sus- citou de maneira positiva o debate em torno das relações étnico- raciais. À guisa de exemplo, diferentemente do que ocorreu no caso da novela Corpo a Corpo, a opinião pública, majoritariamente, mostrou-se favorável a um final feliz entre Paco e Preta.

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