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A história da violência na escola […] - assim como muitas outras formas de violência - é a história da descoberta gradual das vítimas […]. Essa descoberta acontece quando, gradualmente, passamos a reconhecer o que as vítimas têm a dizer, e a reconhecer, portanto, seu poder de colocar seu sofrimento em palavras (DEBARBIEUX, 2002).

Se minha lancheira falasse,

diria o quão triste fica toda vez que temos que comer sozinhos na escola. Se meus ouvidos falassem,

diriam que angústia sentem quando alguém zomba de mim. Se meus sapatos falassem,

diriam o quão rápido correm quando queremos chegar a um lugar seguro. Se meus óculos falassem,

diriam sobre todas as coisas que vejo e das quais não digo nada. Se meu relógio falasse,

diria que quando chego atrasado para as aulas é porque tenho medo. Se meus cadernos falassem,

diriam que meus melhores pensamentos não estão lá. Se meu boletim escolar falasse,

diria que com tanta dor eu não posso ter notas melhores.

Se o seu coração escutasse quando o meu quer falar com você… (TETTNER, 2006, tradução nossa).

Considerando a violência como um problema sério e sempre presente no cotidiano da escola, Debarbieux (2002) ressalta que, para se descobrir em que patamar ela se encontra – independentemente do tipo de violência praticada –, é necessário conhecer as vítimas e lhes dar voz. Isto é, saber pelo que passam e o que sentem; isso porque “[…] a pior violência deriva da microviolência” (DEBARBIEUX, 2002, p. 60), ou seja, daquela violência que não resulta em tragédia (pelo menos não imediata), que é “repetida, às vezes tênue e dificilmente perceptível, mas que, quando acumulada, pode levar a graves danos e a traumas profundos nas vítimas” (DEBARBIEUX, 2002, p. 82).

Essa microviolência tem [...] efeitos sociais danosos: o baixíssimo nível de auto-estima das vítimas costuma ser acompanhado de uma introversão que anula qualquer possibilidade de ação conjunta, qualquer maneira coletiva de lidar com as incivilidades (DEBARBIEUX, 2002, p. 83).

Por essa razão, trazer à tona as vozes das vítimas não é um processo simples e, por isso, deve ser construído paulatinamente, por meio de um trabalho contínuo e persistente, a fim de que essas vítimas tenham coragem de falar sobre as agressões que as afligem e, especialmente, apontar seus agressores, o que, certamente, não é fácil uma vez que perpassa uma série de questões envolvendo conscientização, autoestima e empoderamento.

Essa percepção de Debarbieux (2002), muito embora não esteja exclusivamente relacionada ao bullying, corrobora a ideia de que é fundamental desenvolver a proatividade daqueles (as) que sofrem diariamente com essa violência, no sentido de estimulá-los (las) a buscar ajuda e, acima de tudo, acreditar que é possível quebrar o ciclo de violência que os (as) envolve.

Procurar conhecer a violência na escola a partir da percepção das próprias vítimas certamente atenuaria a angústia descrita nos versos de Tettner (2006) e vivenciada diariamente por tantos meninos e meninas que não veem perspectivas de mudança simplesmente porque não se sentem acolhidos, nem pelos colegas nem pelos pais, nem tampouco pelos integrantes da escola.

Em seus versos, Tettner (2006) evidencia a agonia daqueles que vivem constantemente acuados diante das agressões. O autor sublinha algumas características que são inerentes às vítimas típicas, tais como o isolamento e a falta de amigos, a tristeza frente aos ataques do bully, o medo de ser agredido e de relatar a violência sofrida (OLWEUS, 2006), além do baixo desempenho escolar (ROLIM, 2010).

Não obstante os abundantes sinais revelados no modo como se comportam aqueles que são vítimas, o problema – muitas vezes – ainda é negligenciado, tanto na instituição escolar quanto na família, que ainda acredita que o bullying não passa de uma “brincadeira de mau gosto” (AVILÉS, 2006) e que, portanto, basta ser ignorado para que cesse. Falta-lhes a compreensão de que a apatia da vítima pode agravar as agressões (OLWEUS, 2006). Essa arraigada concepção dificulta, sobremaneira, o encorajamento das vítimas para buscarem auxílio, mesmo porque esbarram na inércia dos pais que, em boa maioria, costumam ignorar o problema por não saberem como enfrentá-lo (BEANE, 2010; WAASDORP, BRADSHAW; DUONG, 2011 apud STRAUSS, 2018). Semelhante inação pode ser percebida entre os membros da escola que, por não saberem identificar o bullying, acabam, igualmente, classificando-o como uma “simples brincadeira” (TOGNETTA; VINHA; AVILÉS, 2015).

Contrapondo-se a essa visão, decerto simplista, adotada pela escola e pela família, colocam-se as notícias jornalísticas que – de forma um tanto quanto exacerbada – classificam sumariamente qualquer tipo de agressão como bullying, denunciando também a falta de um saber mais consistente sobre a questão.

Aliás, as matérias jornalísticas sobre o bullying, em sua maioria, não somente obscurecem as suas peculiaridades mas ainda reforçam a noção equivocada de que este é configurado a partir de qualquer forma de agressão. Tognetta, Vinha e Avilés (2015) são categóricos ao afirmar que “uma única ameaça ou agressão física, embora seja um tipo de violência, não caracteriza bullying. A vítima de bullying sofre cotidianamente diferentes formas de agressão” (TOGNETTA; VINHA; AVILÉS, 2015, p. 20).

A título de exemplificação do modo como uma situação discriminatória é veiculada nos jornais, apresentamos as seguintes chamadas de notícias: “Apresentadora é acusada de bullying por ridicularizar aulas de ballet do príncipe George” (APRESENTADORA..., 2019) e “Após bullying com príncipe George, apresentadora pede desculpas” (APÓS..., 2019).

No caso focalizado, uma apresentadora norte-americana faz referência, em tom de deboche, ao fato de o Príncipe George ter, em seu currículo escolar, aulas de ballet. Podemos considerar tal atitude como discriminação? Sem dúvida! Podemos afirmar que se tratou de um ato de bullying? Definitivamente, não! Nota-se, nitidamente, a confusão que os próprios veículos de comunicação (lidos por inúmeras pessoas) fazem ao replicar, na manchete, que um comportamento desrespeitoso é considerado bullying.

No exemplo analisado, não houve a paridade entre os “envolvidos” ou a repetitividade da ação. Ademais, provavelmente, o pequeno George sequer tomou conhecimento da colocação da repórter, ou seja, não se sentiu ofendido, muito menos intimidado diante de tal situação.

A manchete “Após bullying com o príncipe George...” incute nos leitores a ideia de que o ato de rir do outro, ainda que uma única vez, já pode ser classificado como bullying, enquanto que a “Apresentadora é acusada de bullying...” reforça a crença de muitas pessoas de que o comentário da apresentadora foi, de fato, uma manifestação de bullying.

Acreditamos ser essa uma razão bastante justificável para tratarmos sobre as especificidades do bullying e ainda reiterar o conceito adotado neste trabalho:

Bullying ou “vitimização”, de um modo geral, se caracteriza quando uma pessoa é atacada ou “vitimizada” e exposta, repetidamente, a ações negativas partidas de uma ou mais pessoas. [...] . É ação negativa quando alguém intencionalmente inflige ou tenta infligir, ferir ou inquietar outro –

basicamente o que é entendido como comportamento agressivo. Ações negativas podem ser realizadas por palavras (verbalmente), por exemplo, ameaças, zombaria, implicância e chamando nomes. É uma ação negativa quando alguém bate, empurra, chuta, belisca ou reprime outro – por contato físico. Também é possível haver ações negativas sem uso de palavras ou contato físico, tal como fazer caretas ou gestos sujos, intencionalmente excluindo alguém do grupo ou recusando-se a cumprir com os desejos de outras pessoas (OLWEUS, 2006, p. 9, tradução nossa, grifo nosso).

Adicionalmente, de acordo com Olweus (2006), de forma concisa, o bullying pode caracterizar-se como práticas de agressão física, verbal e psicológica que sejam intencionais e repetitivas, sem motivação aparente, em que há desequilíbrio de poder entre agressor e vítima. Bem em sintonia com a concepção de Avilés et al. (2011):

A natureza do fenômeno “violência entre pares”, também conhecido em nível internacional como "bullying", faz referência ao estabelecimento e manutenção de relações desequilibradas de poder entre sujeitos que convivem em contextos compartilhados do ambiente escolar, por períodos de tempo prolongados, em que se estabelecem dinâmicas de dominação e submissão que resultam em agressões daqueles que exercem poder de maneira abusiva contra aqueles que são submetidos ao papel de [...] vítimas de tais abusos (AVILÉS et al., 2011, p. 58, grifos dos autores, tradução nossa).

Considerando tais esclarecimentos, passamos à abordagem de alguns aspectos relacionados mais particularmente ao bullying (que, por certo, servirão de base àqueles que desejam conhecer mais sobre essa forma de violência) que subsidiaram a análise dos dados desta pesquisa.

Comecemos com a classificação dos envolvidos nessa prática de violência, a saber: o agressor, a vítima e o espectador.

Antes, vale ressalvar o fato de que não desconhecemos as críticas atualmente feitas ao uso das nomenclaturas “agressor” e “vítima”, tendo em conta a individualização que é dada aos envolvidos nos atos de agressão, sem considerar o papel que ocupam no processo de interação. Como esclarece Dytham (2018) “[...] estruturas dominantes de bullying se apoiaram em uma estrutura modernista e individualista, onde as ações e a psicologia de 'agressores' e 'vítimas' individuais são o foco, em vez de inter-relações e construções coletivas” (DYTHAM, 2018, p. 213, grifos da autora, tradução nossa). É, portanto, olhando o bullying como uma construção coletiva que se vem refletindo sobre a substituição dos vocábulos “vítima” por “alvo” e “agressor” por “autor”, em razão da carga semântica desses termos.

Não obstante, apesar de compreendermos que a referida substituição relativiza o posicionamento dos sujeitos como responsáveis e implicados individualmente no cenário da prática do bullying – uma vez que outros aspectos precisam ser considerados como os comportamentos assumidos por cada um e o próprio jogo de poder que se constrói nas relações entre os envolvidos –, e que, além disso, os termos em questão sejam utilizados “ na tentativa de evitar preconceitos por parte dos agentes que trabalham com situações problemas em que haja [bullying] […]” (TOGNETTA; VINHA, 2008, p. 3), decidimos adotar as nomenclaturas pensadas originalmente por Olweus (2006) pelo fato de as havermos encontrado em praticamente todas as referências em que se ancora este estudo (OLWEUS, 2006; AVILÉS, 2002, 2005, 2006; TOGNETTA, VINHA, AVILÉS, 2015; BEANE, 2010; BEAUDOIN; TAYLOR, 2006; MIDDELTON-MOZ; ZAWADSKY, 2007; SIMMONS, 2004; BATSCHE, G. M.; KNOFF, H. M., 1994, dentre outros).

Justificada a escolha relativa ao uso dos vocábulos, passamos a discorrer sobre as principais características dos envolvidos nessa prática de violência.

Está claro que não existe um perfil único nem das vítimas, nem dos agressores, nem dos espectadores. Ainda que se atribuam perfis mais frequentes para cada um dos papéis, por exemplo, no papel da vítima com mais frequência encontra-se é uma figura passiva e o agressor mais comum é o seguro; no entanto, há exceções que valem a pena registrar. No caso das vítimas, além da passiva, é normal também encontrar vítimas provocadoras que geram em seu entorno situações irritantes e acabam amargando as consequências, além de serem alvos da ira do agressor. [...]. Também nos deparamos com vítimas 'seguras' [...] meninos e meninas brilhantes na escola e que, entre outras razões, também por isso se tornam alvo dos agressores. O caso dos agressores também oferece variações como a do agressor 'que acompanha' [...] que se junta aos ataques [atuando de forma subordinada] uma vez que o agressor principal tenha feito ou dado a ordem, mas que talvez sozinho não o faría. Mesmo no caso de espectadores, variantes também foram descritas [...] variando desde os indiferentes aos que se atribuem a culpa pelas situações que contemplam (AVILÉS et al., 2011, p. 60-61, grifos dos autores, tradução nossa).

Tais variações estão presentes desde os estudos de Olweus (2006), que primeiramente nomeou de vítima típica a figura passiva descrita por Avilés (2011), descrevendo-a como aquela que se submete às investidas do agressor sem revidar ou procurar auxílio, sendo, portanto, a passividade sua principal idiossincrasia (EISENBERG; NEUMARK-SZTAINER; PERRY, 2003). A vítima provocadora, no entanto, foi denominada do mesmo modo por Olweus (2006), que a classificou como ansiosa e agressiva simultaneamente. Além desses dois tipos mais

comuns, há ainda a vítima agressora (SILVA, 2010), que reproduz a violência sofrida em outro sujeito mais “fraco”, também designada por Avilés (2009) como “perfil misto”, e a vítima reativa, que tenta revidar a agressão sofrida (AVILÉS, 2009).

Em contrapartida, faz-se necessário conhecer as características comuns aos agressores que são capazes de despertar medo e aflição naqueles que se submetem continuamente às suas agressões, sejam estas físicas, verbais e/ou gestuais.

Para Olweus (2006), assim como afirmou Avilés et al. (2011), os agressores, comumente, não demonstram ansiedade ou insegurança; ao contrário, têm segurança em suas ações, executando-as com intencionalidade. Mesmo aqueles que “acompanham” o agressor principal e que, provavelmente, não agiriam de tal modo se não fossem incentivados à prática do bullying não estão alheios, isto é, não deixam de ter ciência de seus atos.

Para além de sujeitos seguros, os agressores são caracterizados pela impulsividade e pela vontade de submeter o outro ao seu domínio, colocando-se no controle da situação e tendo sempre um olhar positivo sobre si mesmos (OLWEUS, 2006). Sentem prazer quando chamam a atenção para os seus atos, por se considerarem “os maiorais” diante dos demais. Mas para manter essa performance, dependem do “[...] medo, [da] [...] impotência e […] [do] silêncio [das vítimas]” (MIDDELTON-MOZ; ZAWADSKY, 2007, p. 15). Assim, o “orgulho de parecer [...] um ‘vencedor’, associa-se à necessidade de humilhar o outro” (LA TAILLE, 2009, p. 216, grifos do autor).

Segundo Menesini e Salmivalli (2017), “evidências recentes sugerem que o narcisismo, ou um senso de grandiosidade e direito, bem como características emocionais insensíveis (caracterizadas pela falta de empatia e vergonha) estão associados ao bullying” (MENESINI; SALMIVALLI, 2017, p. 244, tradução nossa) e se tornam visíveis nas ações dos agressores. Ainda segundo as citadas autoras, embasadas nas pesquisas de Peeters, Cillessen, e Scholte (2010), “foram identificados três subtipos de bullies: o grupo inteligente popular socialmente, o grupo popular moderado e o grupo inteligente menos impopular socialmente” (MENESINI; SALMIVALLI., 2017, p. 244). Tais dados mostram, portanto, que não há um único perfil também entre os agressores.

Sabe-se, entretanto, que, sem embargo dos subtipos de perfil do agressor, o gênero masculino, por décadas, foi o mais comumente observado em situações de bullying (OLWEUS, 2006). Mas até mesmo essa percepção tem sido alterada, tendo em vista o fato de que pesquisas recentes vêm comprovando que o bullying está fortemente inserido no universo feminino

(SIMMONS, 2004; DYTHAM, 2018) – muito embora de forma um tanto velada, é verdade. Essa falsa aparência parece estar relacionada à afabilidade que socialmente se espera das meninas (SIMMONS, 2004) e que elas buscam manter na prática de suas ações.

É sob o véu da docilidade que “os grupos sociais das meninas [se hierarquizam] e as meninas usam manipulação, intimidação e provocações para controlar e excluir outras pessoas para manter essa hierarquia e os limites de seus grupos” (DYTHAM, 2018, p. 213), visando à manutenção da popularidade (DYTHAM, 2018; GUIMARÃES, 2018).

Um dos principais empregos sociais do bullying é na competição por

popularidade. As adolescentes afirmavam haver entre elas uma disputa «por atenção», «pra aparecer». Popularidade significa apreciação, visibilidade, proeminência social, ou seja, ser distinguível e reconhecível no seu meio. Seguindo o requisito normatizado de moldar uma feminilidade sustentada na aparência, atratividade e conduta decorosa, coletivamente as meninas assumiam a prática de neutralizar possíveis situações de sobreposição (GUIMARÃES, 2018, p. 172, grifos da autora).

Observa-se, desse modo, que o bullying praticado entre meninas é tão presente quanto aquele praticado entre meninos, com a diferença de que a disputa pelo poder no mundo feminino perpassa o “estar em evidência”, especialmente no que se refere ao olhar que conseguem despertar nos garotos (GUIMARÃES, 2018). Essas variações quanto às formas de ação e objetivos a serem alcançados pelo agressor, a partir de sua conduta, evidenciam o quanto o bullying é contextual e fluido (DYTHAM, 2018), a depender das particularidades de cada caso e dos sujeitos envolvidos.

De igual modo, a variação de perfil também ocorre com os espectadores − aqueles que presenciam a prática do bullying costumeiramente −, uma vez que podem assumir mais de um posicionamento: reforçar a agressão (espectadores ativos) ou omitir-se diante da violência perpetrada (espectadores passivos).

Salmivalli (1999) desenvolveu uma pesquisa na Finlândia, buscando o seguinte esclarecimento:

O ponto de partida foi o pressuposto de que, [...], outras crianças e adolescentes também estão envolvidos em bullying. Já se sabe que a maioria dos alunos de uma turma com problemas de bullying está ciente do que está acontecendo em volta deles; de fato, muitos deles estão presentes em situações reais de bullying (Salmivalli, 1992). A questão era: o que essas outras crianças fazem enquanto o agressor está assediando a vítima? (SALMIVALLI, 1999, p. 453, tradução nossa).

Embora buscasse, particularmente, uma resposta ao questionamento proposto, Salmivalli (1999) também descobriu que a maneira como os espectadores se posicionam influencia diretamente na prática do bullying.

Algumas crianças e adolescentes participam do bullying quando alguém o inicia e atuam como assistentes do agressor. Outros, mesmo que não ataquem ativamente a vítima, oferecem feedback positivo ao agressor. Por exemplo, eles vêm para ver o que está acontecendo, fornecendo assim uma audiência para ele/ela ou eles, ou seja, o(s) incita rindo ou encorajando com gestos. Esses alunos podem ser chamados de reforçadores. Além disso, um número notável de estudantes tende a ficar longe e não tomar partido de ninguém: eles podem ser reconhecidos como “aqueles que ficam de fora”, somente observando. Nem mesmo essas crianças, no entanto, podem ser consideradas como “não envolvidas”. A seu modo, eles permitem que o bullying continue sendo aprovado silenciosamente. Por fim, também existem estudantes cujo comportamento é claramente anti-bullying: eles confortam a vítima, tomam partido e tentam fazer com que os outros parem de intimidar. Eles são os defensores (SALMIVALLI, 1999, p. 253-254, grifos da autora, tradução nossa).

Logo, observa-se que não há neutralidade, nem mesmo entre aqueles que se pretendem colocar na posição de “isentos”; não há essa possibilidade. Todos aqueles que estão envolvidos, direta ou indiretamente, assumem o papel que desejam desempenhar. De acordo com O´Connell et al. (1999), por várias razões, nem sempre as intenções de ação positivas dos espectadores são, de fato, colocadas em prática; isso porque, se o número de colegas envolvidos for elevado, eles podem sentir-se desencorajados a participar de situações consideradas perigosas; e se outros observadores estiverem agindo com indiferença, eles tendem a agir da mesma maneira. Ainda no que se refere à influência da modelagem na ação do outro, O’Connell et al. (1999), ancorando-se em Bandura (1977), constataram pontos semelhantes quando se trata de bullying.

No caso de bullying, essas condições [de imitar o modelo quando se trata de uma figura poderosa ou quando este é recompensado ao invés de punido por determinado comportamento] geralmente estão presentes. Pares que estão presentes durante um episódio de bullying têm a oportunidade de observar uma figura poderosa (o agressor). [Além disso,] nossas observações indicam que os agressores raramente são punidos por seu comportamento agressivo: colegas e professores foram observados intervindo em apenas 11% e 4% dos episódios, respectivamente (Craig e Pepler, 1997). Dadas essas condições, os

agressores podem influenciar os pares a se envolverem no bullying como participantes ativos (O´CONNELL et al., 1999, p. 439, tradução nossa). É por essa razão que os agressores, na maioria das vezes, não agem sozinhos; recebem o apoio dos espectadores ativos, que preferem estar ao lado da “figura poderosa”− que se vai firmando nessa posição a cada ação violenta da qual sai sempre impune – em vez de defenderem a vítima e correrem o risco de também se tornarem alvo das agressões.

Conforme o exposto, independentemente de qual papel o indivíduo assuma dentro da dinâmica do bullying, em função da diversidade de perfis, não há como traçar um único parâmetro de como intervir, visto que é o contexto da violência e a forma como agem os envolvidos que fornecerá os indícios necessários para que se reflita e se descubra “como agir naquele caso”. Na verdade, trata-se de uma intervenção bem complexa, por variadas razões, como nos esclarece Avilés (2006):

Estariam em jogo aspectos cognitivos na compreensão dos fenômenos grupais de agressão [violência entre pares, ou seja, bullying]; avaliação dos fatos em função da situação-posição específica dos que participam do abuso, seu grau de independência e autonomia moral; e finalmente a influência que a própria história socioemocional de experiências de agressão e o perfil que o sujeito acaba ocupando a dinâmica do grupo [...] (AVILÉS, 2006, p. 3, tradução nossa).

Todos esses fatores descritos por Avilés (2006) influenciam na dinâmica do bullying. Por isso mesmo, ressalta-se a importância de se pensar em estratégias intervencionistas com o intuito de solucionar o problema, começando esse trabalho no próprio contexto escolar.

Visando a esse alcance,

identificar as ações, assim como estabelecer sistemas de identificação e avaliação das condutas de bullying nos ambientes escolares com base na tipificação das ações mais frequentes [é fundamental]. Isso [é] possível após catalogar, relacionar e classificar as diferentes formas que o bullying assume quando ocorre (AVILÉS ET AL., 2011, p. 59, tradução nossa).

É esse levantamento de informações que possibilitará a implementação de um programa de convivência (AVILÉS, 2005; TOGNETTA ET AL., 2017), em que o respeito ao outro seja o ponto de partida. Para tanto, é fundamental ter clareza quanto ao fato de que educar para uma convivência pacífica não significa que haverá a extinção de conflitos. Segundo Jares,

é necessário diferenciar agressão ou qualquer outro comportamento violento,